Quando o Amor se Torna Silêncio: A História de Ella e Tristan
— Não vais jantar hoje outra vez? — perguntei, tentando esconder o tremor na voz enquanto segurava o prato quente nas mãos. Tristan nem levantou os olhos do telemóvel. — Já comi qualquer coisa no trabalho, Ella. Não te preocupes.
Aquela frase, dita com uma indiferença quase cruel, ecoou pelo corredor do nosso pequeno apartamento em Lisboa. O cheiro do arroz de pato que fiz com tanto carinho parecia agora um lembrete amargo de tudo o que estava a desmoronar entre nós. Sentei-me à mesa sozinha, ouvindo apenas o som distante da televisão ligada na sala.
No início, Tristan era diferente. Lembro-me do primeiro verão juntos, das noites em que caminhávamos pelo Chiado de mãos dadas, rindo de tudo e de nada. Ele fazia questão de me surpreender com flores roubadas dos jardins públicos — “Não digas nada à D. Amélia”, sussurrava, referindo-se à nossa vizinha fofoqueira. Mas agora, até o cheiro das flores parecia ter desaparecido da nossa casa.
A primeira vez que senti o afastamento foi subtil. Uma mensagem não respondida aqui, um telefonema ignorado ali. “Deve estar ocupado”, pensei. Mas os dias foram passando e a distância entre nós crescia como uma parede invisível. Comecei a questionar-me: estaria eu a imaginar coisas? Ou seria apenas uma fase?
— Ella, não podes ser tão carente — disse ele uma noite, quando tentei falar sobre a nossa falta de tempo juntos. — Preciso do meu espaço.
O tom dele era frio, quase impaciente. Senti-me pequena, como se pedir atenção fosse um crime. Passei a andar em bicos de pés pela casa, temendo provocar mais uma discussão ou, pior ainda, mais silêncio.
A minha mãe percebeu logo que algo estava errado. — Filha, estás tão magra… O Tristan não te trata bem? — perguntou ela num domingo, enquanto me servia sopa na casa dela em Almada.
— Está tudo bem, mãe. Só estamos numa fase complicada — menti, tentando sorrir.
Mas não estava tudo bem. As noites tornaram-se longas e solitárias. Tristan chegava cada vez mais tarde e evitava qualquer conversa séria. Quando finalmente falávamos, era sempre sobre trivialidades: contas para pagar, compras do supermercado, ou o gato da vizinha que miava demasiado alto.
Uma noite, depois de mais um jantar solitário, decidi confrontá-lo:
— Tristan, precisamos de conversar. Sinto que estás distante há semanas. Se há alguma coisa errada, diz-me.
Ele suspirou fundo e olhou para mim como se eu fosse um incómodo. — Não há nada para dizer, Ella. Estás a exagerar.
Mas eu sabia que não estava. O olhar dele já não procurava o meu; os beijos eram apressados e sem paixão; os abraços tinham desaparecido por completo. Comecei a duvidar de mim mesma: estaria a ser demasiado sensível? Ou seria ele que já não me amava?
As minhas amigas notaram a mudança. — Ele está a fazer-te gaslighting — disse a Mariana numa tarde no café A Brasileira. — Está a empurrar-te para longe para não ter de ser ele a acabar.
A ideia pareceu-me absurda ao início, mas quanto mais pensava nisso, mais sentido fazia. Tristan nunca foi bom a lidar com conflitos; sempre preferiu o caminho mais fácil, mesmo que isso significasse magoar-me em silêncio.
Os sinais estavam todos lá: evitava planos futuros comigo, já não fazia questão de passar tempo juntos ao fim de semana e até as redes sociais dele estavam cheias de fotos com colegas do trabalho — mas eu nunca era mencionada.
Uma noite, ouvi-o ao telefone na varanda:
— Não sei como acabar isto sem parecer o mau da fita… — murmurou ele, pensando que eu não ouvia.
O chão fugiu-me dos pés. Senti uma raiva surda misturada com tristeza e humilhação. Afinal, eu não estava louca; ele estava mesmo a afastar-se de propósito.
No dia seguinte, fiz as malas em silêncio enquanto ele dormia no sofá. Cada peça de roupa dobrada era uma memória: o vestido azul do nosso primeiro aniversário, a camisola que ele me emprestou na noite em que choveu tanto que ficámos presos no metro do Cais do Sodré.
Antes de sair, deixei-lhe uma carta:
“Tristan,
Sei que não tens coragem para dizer adeus, por isso faço-o eu por nós dois. Mereço alguém que me queira por inteiro e não só quando lhe convém. Espero que encontres paz no teu silêncio.”
Fui para casa da minha mãe sem olhar para trás. Nos dias seguintes, Tristan tentou ligar-me algumas vezes, mas nunca atendeu quando devolvi as chamadas. Era como se quisesse aliviar a culpa sem realmente enfrentar as consequências dos seus atos.
A família dele ficou chocada com o fim repentino. A mãe dele ligou-me em lágrimas:
— Ella, o que aconteceu? Sempre foste como uma filha para mim…
Expliquei-lhe apenas que as coisas mudam e que às vezes é preciso coragem para partir antes de nos perdermos completamente.
Os meses passaram devagar. Reaprendi a viver sozinha: voltei a pintar, saí com amigas antigas e até comecei a correr na marginal ao pôr do sol. Mas havia noites em que o vazio era insuportável e me perguntava se teria feito tudo certo.
Numa dessas noites, encontrei Mariana no mesmo café onde tantas vezes desabafei:
— Achas que algum dia vou confiar em alguém outra vez? — perguntei-lhe com lágrimas nos olhos.
Ela sorriu e apertou-me a mão:
— Vais sim, Ella. Porque agora sabes reconhecer quando alguém está a empurrar-te para longe.
Hoje olho para trás e percebo que o maior erro foi ter ignorado os sinais por tanto tempo. O silêncio pode ser mais cruel do que qualquer palavra dura; é nele que morrem os amores covardes.
E vocês? Já sentiram o peso do silêncio numa relação? Quantas vezes ignorámos os sinais por medo de ficarmos sozinhos?