Quando o Amor Não Basta: Entre o Perdão e a Ruína

— Não me mintas mais, Rui! — gritei, sentindo a minha voz tremer tanto quanto as minhas mãos. O silêncio pesado da nossa sala de estar parecia sufocar-me. Ele olhou para mim, olhos vermelhos, e tentou aproximar-se. — Deixa-me explicar, Ana. Por favor.

Explique? Como se alguma explicação pudesse apagar a imagem daquela mensagem no telemóvel dele, a frase “Sinto tua falta” de uma tal de Sofia. O nome ecoava na minha cabeça como um martelo. Sofia. Não era uma desconhecida. Era colega dele no escritório, aquela que eu sempre achei demasiado simpática.

A minha vida com o Rui era, até então, o retrato da estabilidade. Casámos há sete anos numa igreja branca em Sintra, rodeados de amigos e família. Tínhamos comprado um apartamento pequeno em Benfica e, com muito esforço, fomos enchendo-o de memórias: fotografias das férias no Gerês, a manta que a minha mãe tricotou para nós, os desenhos do nosso filho Tomás espalhados pelo frigorífico.

Mas naquela noite, tudo isso parecia uma ilusão. Sentei-me no sofá, as pernas bambas. O Rui ajoelhou-se à minha frente, lágrimas nos olhos.

— Ana, eu juro que foi um erro. Não significou nada. Eu amo-te a ti e ao Tomás. Não quero perder-vos.

Quis gritar-lhe que ele já nos tinha perdido. Mas fiquei calada, sentindo o coração apertado. O Tomás dormia no quarto ao lado, alheio ao caos que se instalava na nossa casa.

No dia seguinte, acordei cedo. Não dormi quase nada. Preparei o pequeno-almoço para o Tomás em silêncio. O Rui tentou ajudar, mas eu afastei-o com um olhar gelado. A minha mãe ligou-me nesse dia — como se pressentisse algo — e bastou ouvir a sua voz para desabar.

— O que se passa, filha?

— O Rui traiu-me, mãe — confessei, a voz embargada.

Do outro lado da linha, silêncio. Depois ouvi-a suspirar.

— Filha, os homens são todos iguais… Mas pensa bem antes de tomares uma decisão. Tens o Tomás para cuidar.

Aquelas palavras ficaram-me atravessadas. Era sempre assim: as mulheres da minha família aprendiam a engolir mágoas em nome da estabilidade. Lembrei-me da minha avó, que suportou anos de traições do meu avô sem nunca levantar a voz.

Mas eu não era como elas. Ou era?

Os dias seguintes foram um tormento. O Rui tentava redimir-se: flores, mensagens, promessas de mudança. Eu sentia raiva e pena ao mesmo tempo. À noite chorava sozinha na casa de banho para não acordar o Tomás.

Uma tarde, fui buscar o Tomás à escola e encontrei a Sofia à porta do escritório do Rui. O coração disparou-me no peito.

— Ana? — Ela sorriu, nervosa. — Podemos falar?

Quis virar costas, mas fiquei ali, imóvel.

— Eu não queria que isto acontecesse — disse ela baixinho. — O Rui ama-te mesmo. Foi um erro dos dois… Eu já pedi transferência para outro departamento.

Olhei-a nos olhos e vi arrependimento genuíno. Mas isso não me trouxe alívio; só mais dor.

Em casa, o Rui esperava-me ansioso.

— Falei com a Sofia hoje — atirei-lhe.

Ele baixou os olhos.

— Ana… Eu não sei como te provar que nunca mais vai acontecer.

— Não sei se quero que proves — respondi. — Não sei se consigo olhar para ti sem ver tudo isto outra vez.

As semanas passaram e a tensão tornou-se insuportável. Os meus pais insistiam para eu ir passar uns dias com eles em Setúbal. Acabei por aceitar, precisava de espaço para pensar.

Na casa dos meus pais, senti-me novamente filha e não mulher traída. A minha mãe fazia sopa de legumes como quando eu era criança; o meu pai tentava distrair-me com histórias antigas do bairro.

Mas à noite, sozinha no quarto onde cresci, as dúvidas voltavam todas: devia perdoar? Devia proteger o Tomás da separação? Ou devia proteger-me a mim mesma?

Numa dessas noites, o Rui ligou-me:

— Ana… Sinto tanto a tua falta. Preciso de ti aqui em casa.

— Precisas de mim ou tens medo de ficar sozinho? — perguntei-lhe.

Ele ficou em silêncio por um momento.

— Preciso de nós — respondeu finalmente.

Voltei a Lisboa uma semana depois. O Tomás correu para os braços do pai assim que entrámos em casa. Vi nos olhos do Rui uma esperança tímida.

Sentámo-nos à mesa depois de deitar o Tomás.

— Quero tentar terapia de casal — disse ele de repente. — Quero lutar por nós.

Fiquei surpreendida com a proposta. Nunca imaginei o Rui a falar de sentimentos com um estranho.

Aceitei ir à primeira sessão por curiosidade mais do que por esperança. A terapeuta chamava-se Dona Teresa e tinha uma voz calma que me fez baixar as defesas pela primeira vez em semanas.

— O perdão não é esquecer — disse ela na primeira sessão. — É escolher seguir em frente sem carregar o peso da mágoa todos os dias.

As sessões foram duras. Discutimos tudo: as rotinas monótonas, as expectativas não ditas, as frustrações acumuladas. Descobri que também eu tinha fechado portas ao Rui sem perceber; que ambos nos tínhamos perdido na correria dos dias.

Mas será que isso justificava a traição?

Uma noite, depois de mais uma discussão acesa sobre confiança, sentei-me na varanda com um copo de vinho e olhei para as luzes da cidade.

Lembrei-me do Rui dos primeiros tempos: das cartas que me escrevia quando ainda namorávamos; das noites em que ficávamos acordados a sonhar com o futuro; do dia em que me pediu em casamento no miradouro de Santa Catarina.

Será que esse amor ainda existia? Ou era só saudade do que já fomos?

O tempo foi passando e fui baixando as armas devagarinho. O Rui esforçava-se todos os dias: levava o Tomás à escola, fazia jantar quando eu estava cansada, escrevia-me bilhetes a pedir desculpa e a agradecer por eu estar ali.

Mas havia dias em que bastava um cheiro diferente no casaco dele ou uma mensagem recebida à noite para me fazer duvidar outra vez.

A confiança é como porcelana: depois de partida nunca volta ao mesmo lugar.

Um sábado à tarde fomos ao parque com o Tomás. Ele correu atrás dos pombos enquanto nós ficámos sentados num banco ao sol.

— Achas que algum dia vais conseguir perdoar-me mesmo? — perguntou o Rui baixinho.

Olhei-o nos olhos e vi medo e esperança misturados.

— Não sei — respondi honestamente. — Mas estou a tentar todos os dias.

Voltámos para casa de mãos dadas pela primeira vez desde tudo aquilo. Senti um fio ténue de esperança a crescer dentro de mim.

Hoje escrevo esta história sem certezas absolutas. Ainda há dias maus; ainda há noites em que choro baixinho para não acordar ninguém. Mas também há manhãs em que acordo com vontade de tentar outra vez; há sorrisos do Tomás que me lembram porque vale a pena lutar.

Pergunto-me muitas vezes: será possível reconstruir algo depois da traição? Ou estaremos apenas a colar cacos por medo do vazio? Talvez nunca saiba responder completamente… Mas continuo aqui, a tentar descobrir.