Quando o Amor de Mãe Enfrenta Barreiras: Entre o Filho e a Nora

— Não venho este fim de semana, mãe. A Andreia não quer — disse o Miguel ao telefone, a voz baixa, quase envergonhada.

Senti o chão fugir-me dos pés. Oiço o relógio da cozinha marcar as horas, cada tic-tac mais alto que o anterior. O cheiro do café acabado de fazer já não me consola. — Mas porquê, Miguel? Já não vens cá há quase dois meses. O teu pai também sente a tua falta — insisti, tentando controlar o tremor na voz.

Do outro lado, silêncio. Depois, um suspiro. — A Andreia acha que sempre que venho cá vocês querem alguma coisa de mim. Diz que se tenho tempo livre, devia passá-lo com ela e com os miúdos. E… ela não gosta da nossa casa.

A nossa casa. A casa onde o Miguel cresceu, onde ainda guardo os desenhos dele na porta do frigorífico, as marcas do crescimento na ombreira da porta do corredor. Como é possível alguém não gostar da nossa casa? Senti uma raiva surda misturada com tristeza. — E tu? O que é que tu queres, Miguel?

Ele hesitou. — Não sei, mãe. Não quero problemas lá em casa.

Desligou antes que eu pudesse responder. Fiquei ali, com o telefone na mão, a olhar para a chávena de café que já arrefecia. O meu marido, António, entrou na cozinha e percebeu logo pelo meu rosto.

— Outra vez?

Assenti. — A Andreia não quer que ele venha. Diz que só queremos coisas dele.

O António encolheu os ombros, resignado. — Ele já é homem feito. Tem a vida dele.

Mas como é que uma mãe aceita isso? Como é que se aprende a deixar ir um filho quando tudo o que queremos é tê-lo por perto? Lembro-me de quando o Miguel era pequeno e corria para mim depois de cair e magoar-se no recreio. Agora, parece que sou eu quem precisa de colo.

Os dias passaram lentos. O grupo das amigas no café falava dos netos, das visitas dos filhos ao domingo. Eu sorria e mudava de assunto. Sentia-me envergonhada por não conseguir manter a família unida.

Uma tarde, decidi ligar à Andreia. O coração batia-me descompassado enquanto esperava que atendesse.

— Sim? — respondeu ela, seca.

— Olá, Andreia. Era só para saber se está tudo bem convosco… — tentei soar casual.

— Está tudo bem, obrigada.

— Gostava muito de vos ver cá em casa um destes dias. O Miguel disse que tens tido muito trabalho…

Ela interrompeu-me. — Dona Teresa, eu acho que o Miguel precisa de descansar quando está de folga. E sinceramente, ele sente-se pressionado quando vai aí. Parece sempre que querem pedir-lhe alguma coisa ou falar dos problemas da família.

Fiquei sem palavras por um momento. — Não é isso… Nós só sentimos a vossa falta.

— Eu entendo, mas agora ele tem a nossa família para cuidar. Os miúdos precisam do pai presente.

A chamada terminou abruptamente. Senti-me humilhada, como se tivesse implorado por migalhas de atenção.

Nessa noite, o António tentou animar-me com um jantar especial, mas eu mal toquei na comida.

— Não devias insistir tanto — disse ele baixinho. — Eles têm a vida deles agora.

— Mas eu sou mãe! Não deixei de ser mãe só porque ele casou! — explodi finalmente, lágrimas a correrem-me pelo rosto.

O António abraçou-me em silêncio. Senti-me pequena, perdida num mundo onde já não sabia qual era o meu lugar.

Os dias seguintes foram um tormento. Comecei a duvidar de mim própria: teria sido demasiado exigente com o Miguel? Teria pedido demais? Recordei todas as vezes em que lhe pedi ajuda para pequenas coisas: mudar uma lâmpada, levar-nos ao médico… Seria isso tão grave?

No domingo seguinte, fui à missa sozinha. Rezei por paciência e sabedoria para lidar com esta dor surda no peito. No final da missa, encontrei a Dona Lurdes, vizinha antiga.

— Então e os teus netos? Já há muito que não os vejo por aqui!

Sorri amarelo. — Estão crescidos… ocupados…

Ela apertou-me a mão com ternura. — Às vezes os filhos afastam-se quando casam. Mas não deixes de lutar por eles.

As palavras dela ficaram comigo durante dias. Decidi escrever uma carta ao Miguel:

“Meu querido filho,
Sinto muito a tua falta e dos teus meninos também. Sei que tens uma família linda e responsabilidades novas, mas queria que soubesses que esta casa será sempre tua também. Não quero ser um peso na tua vida, só quero partilhar momentos convosco enquanto ainda posso. Amo-te muito.
A tua mãe”

Esperei dias por resposta. Finalmente, recebi uma mensagem curta: “Mãe, obrigado pela carta. Prometo tentar passar aí em breve.” Mas nunca veio.

O Natal aproximava-se e com ele a esperança de reunir a família à mesa grande da sala, como nos velhos tempos. Preparei tudo com carinho: o bacalhau, as rabanadas, até comprei presentes para os netos que mal conhecia.

Na véspera de Natal, o telefone tocou:

— Mãe… este ano vamos passar o Natal com os pais da Andreia. Ela não se sente confortável aí em casa…

O mundo desabou outra vez sobre mim. Sentei-me no sofá e chorei como uma criança perdida.

O António tentou consolar-me:

— Temos de aceitar, Teresa… Talvez um dia as coisas mudem.

Mas como aceitar ver o nosso filho afastar-se assim? Como aceitar ser posta de lado por alguém que nem sequer me conhece verdadeiramente?

Os meses passaram e fui aprendendo a viver com esta ausência dolorosa. Fui ocupando os dias com pequenas rotinas: cuidar do jardim, fazer voluntariado na paróquia, ajudar vizinhos mais velhos do que eu.

Um dia recebi uma fotografia dos netos pelo WhatsApp: estavam crescidos, sorridentes ao lado do pai e da mãe num parque qualquer longe daqui. Senti orgulho e tristeza ao mesmo tempo.

Às vezes pergunto-me se devia ter lutado mais ou se devia ter deixado ir mais cedo. Se devia ter confrontado a Andreia ou simplesmente aceitado o papel secundário a que me relegaram.

Hoje olho para as paredes da minha casa cheia de memórias e pergunto-me: será isto o preço do amor incondicional? Será possível amar sem esperar nada em troca? Ou será que todos precisamos de sentir que pertencemos a algum lado?

E vocês? Já sentiram esta dor de ver um filho afastar-se? Como é que se aprende a ser mãe à distância?