Quando o Amor de Irmã se Rompe: A História de Mariana e Sofia

— Mariana, não me peças para escolher entre ti e o Miguel. Não é justo! — A voz da Sofia ecoava pelo corredor estreito do meu apartamento em Lisboa, carregada de lágrimas e raiva.

Eu estava encostada à porta da cozinha, as mãos a tremerem, o coração a bater tão forte que quase abafava tudo à minha volta. O cheiro do café frio misturava-se com o perfume doce da Sofia, um aroma que me era tão familiar como a minha própria pele.

— Não te estou a pedir para escolheres, Sofia. Só queria que estivesses aqui para mim, como eu sempre estive para ti — respondi, sentindo a voz falhar-me.

Ela virou-me as costas, os cabelos castanhos a balançarem no ar, e murmurou: — Tu não percebes nada…

A porta bateu com força. Fiquei ali, sozinha, com o eco das palavras dela a martelar-me a cabeça. Como é que chegámos aqui? Vinte anos de amizade, partilhámos tudo: os segredos de infância, as primeiras paixões, as noites em branco a estudar para os exames na Faculdade de Letras, os sonhos de fugir para Paris ou Barcelona. E agora, tudo parecia desmoronar-se por causa de um homem.

Conheci a Sofia no primeiro dia de escola primária em Setúbal. Ela era a miúda nova, vinda do Porto, com um sotaque estranho e um sorriso tímido. Fui a única que se sentou ao lado dela no recreio. Desde então, éramos inseparáveis. Lembro-me das tardes passadas na praia da Figueirinha, a construir castelos de areia e a prometer que nunca nos iríamos separar.

A vida foi acontecendo. Ela perdeu o pai cedo demais; eu fui o ombro onde chorou durante meses. Quando a minha mãe ficou doente, Sofia foi quem me levou comida à casa e me obrigou a sair para apanhar ar. Fomos irmãs sem laço de sangue.

Mas tudo mudou quando apareceu o Miguel. Era colega do meu irmão mais novo e começou a sair connosco nos jantares de grupo. Era charmoso, divertido e tinha aquele olhar que fazia qualquer rapariga sentir-se especial. Eu gostava dele — talvez mais do que queria admitir — mas nunca disse nada à Sofia. Achei que ela percebia.

Um dia, ela apareceu em minha casa com um sorriso radiante e disse:

— O Miguel convidou-me para jantar! Achas que devo ir?

O meu mundo desabou por dentro, mas sorri e disse:

— Claro! Vai e diverte-te.

A partir daí, tudo mudou. Sofia começou a faltar aos nossos cafés de sábado, trocava as nossas conversas por mensagens apressadas e risos ao telefone com ele. Eu tentava não mostrar ciúmes, mas sentia-me cada vez mais sozinha.

O pior foi quando precisei dela. A minha mãe piorou subitamente e acabou por falecer numa manhã fria de novembro. Liguei à Sofia dezenas de vezes nesse dia. Só atendeu à noite:

— Desculpa, estava com o Miguel no Porto. Não ouvi o telemóvel.

Não ouviu? Ou não quis ouvir? Senti uma raiva surda misturada com uma tristeza profunda. No funeral, ela apareceu tarde, de braço dado com o Miguel, como se nada fosse.

Os meses seguintes foram um vazio. Eu tentava reconstruir-me aos bocados: trabalho novo num call center em Lisboa, casa pequena partilhada com duas colegas desconhecidas, saudades da família e da infância em Setúbal. Sofia continuava distante. Mandava mensagens ocasionais: “Como estás?” ou “Vamos tomar um café?” Mas eu já não era capaz de fingir que estava tudo bem.

Um dia, decidi confrontá-la:

— Sentes mesmo a minha falta ou só perguntas por educação?

Ela ficou ofendida:

— Mariana, não compliques! A vida muda! Não posso estar sempre disponível como antes.

— Eu também mudei — respondi — mas nunca deixei de estar lá para ti.

Ela encolheu os ombros:

— Talvez estejas demasiado agarrada ao passado.

Foi aí que percebi: para ela, eu era uma recordação confortável; para mim, ela era parte do meu presente e futuro.

As discussões tornaram-se frequentes. A última foi aquela noite no meu apartamento. O Miguel tinha feito um comentário desagradável sobre mim num jantar — disse que eu era “demasiado sensível” e “dependente” da Sofia. Ela riu-se em vez de me defender.

— Achas mesmo que ele tem razão? — perguntei-lhe depois.

Ela hesitou:

— Às vezes acho que sim… Mariana, tens de aprender a viver sem mim.

Essas palavras ficaram-me gravadas como uma ferida aberta.

Depois disso, deixámos de falar durante meses. Passei o Natal sozinha pela primeira vez na vida. O meu irmão estava na Suíça; os meus tios tinham ido passar férias ao Brasil. Senti-me invisível no meio das luzes da cidade.

No início do ano seguinte, recebi uma mensagem da Sofia:

“Preciso de falar contigo.”

O coração disparou. Encontrámo-nos num café antigo perto do Rossio. Ela estava pálida, os olhos inchados de tanto chorar.

— O Miguel traiu-me — disse ela sem rodeios.

Senti pena dela, mas também uma amargura difícil de engolir.

— E agora vens procurar-me? — perguntei baixinho.

Ela chorou ainda mais:

— Desculpa… Fui egoísta… Preciso de ti…

Olhei para ela durante longos segundos. Queria abraçá-la como antes, mas algo dentro de mim tinha mudado para sempre.

— Sofia… Eu também precisei de ti e tu não estavas lá.

Ela tentou justificar-se:

— Eu estava apaixonada… Achei que tinhas força suficiente…

— Ninguém é forte sozinho — respondi.

Saí do café antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa. Caminhei pelas ruas frias de Lisboa com lágrimas nos olhos e uma sensação estranha de libertação.

Hoje olho para trás e pergunto-me: será que alguma vez fomos mesmo amigas ou apenas duas pessoas agarradas à ideia do que devíamos ser uma para a outra? Será possível perdoar quem nos abandona quando mais precisamos? Ou será que há laços que se rompem para sempre?

E vocês? Já sentiram o peso de uma amizade perdida? O que fariam no meu lugar?