Quando Atendi o Telemóvel da Minha Melhor Amiga e Ouvi a Voz do Meu Marido…
— Olá, amor. Já chegaste a casa? — ouvi a voz do meu marido, Rui, do outro lado da linha. O telemóvel tremia na minha mão. Não era o meu. Era o da minha melhor amiga, Inês. Ela estava na cozinha a preparar café, enquanto eu, distraída, atendi o telefone que tocava insistentemente em cima da mesa.
Por um segundo, fiquei sem reação. O mundo pareceu parar. O Rui nunca me ligava àquela hora — e nunca para o número da Inês. Senti o sangue gelar-me nas veias.
— Desculpa… quem fala? — perguntei, tentando manter a voz firme.
Do outro lado, silêncio. Depois, uma respiração pesada e o clique seco de quem desliga apressadamente. Fiquei ali, com o telemóvel na mão, a olhar para a porta da cozinha como se ela fosse explodir a qualquer momento.
Inês entrou com duas chávenas de café e um sorriso aberto. — Está tudo bem? — perguntou, ao ver-me tão pálida.
— O teu telefone tocou — respondi, tentando soar casual. — Era engano.
Ela pousou as chávenas e olhou-me de lado. — Engano? Quem era?
— Não sei… — menti. Mas dentro de mim, tudo se agitava. O Rui e a Inês? Não podia ser. Eles mal se conheciam… Ou será que eu é que não sabia de nada?
A conversa arrastou-se por minutos intermináveis. Inês falava sobre o trabalho, sobre o novo namorado que nunca me apresentou. Eu fingia ouvir, mas só conseguia pensar naquele “Olá, amor”.
Quando voltei para casa, Rui estava sentado no sofá, a ver televisão como se nada tivesse acontecido. Olhou para mim e sorriu.
— Estiveste com a Inês? — perguntou casualmente.
Assenti, sentindo um nó na garganta.
— Ela está bem? — continuou ele, sem desviar os olhos do ecrã.
— Está… — respondi, hesitante. — Ligaste-lhe hoje?
Ele franziu o sobrolho. — Eu? Não… Porquê?
O coração batia-me tão forte que temi que ele ouvisse. Sentei-me ao seu lado e tentei analisar cada gesto, cada olhar. Mas Rui era uma fortaleza. Nada transparecia.
Naquela noite não dormi. Fiquei a olhar para o teto, a recordar cada detalhe dos últimos meses: as saídas tardias do Rui, as desculpas esfarrapadas da Inês para não nos encontrarmos as três, as mensagens apagadas no telemóvel dele.
No dia seguinte, decidi confrontar Inês. Liguei-lhe cedo e pedi para nos encontrarmos no jardim onde costumávamos conversar desde adolescentes.
Ela chegou atrasada, com os olhos inchados e o cabelo preso à pressa.
— O que se passa? — perguntou logo, inquieta.
— Preciso que me digas a verdade — comecei, sentindo as lágrimas ameaçarem cair. — Há alguma coisa entre ti e o Rui?
Ela ficou branca como a cal.
— Como assim? Estás maluca? — tentou rir-se, mas a voz tremeu-lhe.
— Ouvi-o ontem ao telefone contigo. Chamou-te “amor”. Explica-me isso.
Inês baixou os olhos e ficou em silêncio durante longos segundos. Depois, começou a chorar baixinho.
— Desculpa… Eu nunca quis magoar-te…
O chão fugiu-me dos pés. Senti-me traída de todas as formas possíveis: pela amiga de infância, pelo homem com quem partilhei metade da minha vida.
— Há quanto tempo? — perguntei num sussurro.
— Quase um ano… Começou por acaso… Eu estava tão sozinha depois do Pedro me ter deixado… E ele também parecia tão perdido…
As palavras dela eram facas cravadas no peito. Levantei-me sem dizer mais nada e fui-me embora. Não conseguia respirar naquele jardim onde crescemos juntas.
Em casa, Rui esperava-me ansioso.
— A Inês ligou-me… Disse que falaste com ela…
Olhei-o nos olhos pela primeira vez em muito tempo.
— Acabou, Rui. Sei de tudo.
Ele tentou justificar-se, pediu desculpa entre lágrimas que nunca lhe tinha visto antes. Disse que me amava, que tinha sido um erro, que não queria perder a família.
Mas como se perdoa uma traição destas? Como se volta a confiar quando tudo à nossa volta foi mentira?
Os dias seguintes foram um inferno. A minha mãe ligava todos os dias a perguntar porque é que eu estava tão distante; o meu filho mais novo perguntava porque é que o pai dormia no sofá; os vizinhos cochichavam quando me viam sair sozinha para ir ao supermercado.
A Inês tentou falar comigo várias vezes. Mandou mensagens longas, pediu encontros para explicar melhor “o que sentia”. Mas eu não queria ouvir mais nada. A dor era demasiado grande para caber em palavras.
O Rui mudou-se para casa da mãe dele durante umas semanas. O silêncio em casa era ensurdecedor. Os meus filhos sentiam-no também: tornaram-se mais calados, mais fechados em si mesmos.
Uma noite, sentei-me à mesa da cozinha com a minha filha mais velha, Mariana. Ela olhou para mim com aqueles olhos grandes e tristes.
— Mãe… vais divorciar-te do pai?
Senti as lágrimas caírem finalmente.
— Não sei, filha… Não sei mesmo…
Ela abraçou-me com força e ficámos assim muito tempo, sem dizer nada.
Os meses passaram devagar. Fui à psicóloga pela primeira vez na vida; comecei a correr de manhã cedo só para sentir que ainda controlava alguma coisa; voltei a pintar como fazia antes de casar.
O Rui tentou voltar várias vezes. Prometeu mudar, jurou amor eterno. Mas eu já não era a mesma pessoa de antes.
A Inês mudou-se para outra cidade. Mandou-me uma carta longa onde pedia perdão e dizia que nunca mais ia perdoar-se pelo que fez.
Hoje olho para trás e vejo uma mulher diferente no espelho: mais forte, mais desconfiada talvez, mas também mais dona de si mesma.
Pergunto-me muitas vezes: como é possível não vermos aquilo que está mesmo à nossa frente? Será que alguma vez voltarei a confiar em alguém como confiei neles? E vocês… já passaram por algo assim? Como conseguiram seguir em frente?