Quando a Verdade Dói: O Meu Casamento Desfeito em Lisboa
— Mariana, não penses que vais enganar o meu filho como enganaste os outros. — A voz da Dona Lurdes ecoou fria, cortando o silêncio do quarto onde eu acabava de vestir o meu vestido de noiva. O cheiro a flores frescas misturava-se com o perfume intenso da minha sogra, que se impunha ali como uma sombra. O meu coração batia descompassado, as mãos tremiam ao segurar o bouquet.
Olhei para ela, tentando perceber se aquilo era só mais uma provocação ou se havia algo mais por trás. — Dona Lurdes, não percebo… — tentei responder, mas ela interrompeu-me com um gesto brusco.
— Não percebes? Achas mesmo que o Miguel vai ser feliz contigo? Eu sei bem quem tu és, Mariana. Sei das tuas conversas com aquele rapaz do escritório. Achas que não vejo tudo?
Senti o sangue fugir-me do rosto. O António era apenas um colega, alguém com quem partilhava almoços rápidos e confidências sobre trabalho. Nunca houve nada além disso. Mas como explicar isso a uma mulher que sempre me viu como uma ameaça?
— Não há nada entre mim e o António. O Miguel é tudo para mim — disse, tentando manter a voz firme.
Ela riu-se, um riso curto e amargo. — Vamos ver quanto tempo isso dura. — E saiu, deixando-me sozinha com a minha angústia.
O relógio marcava menos de uma hora para o início da cerimónia. As minhas amigas tentavam animar-me, mas eu sentia-me sufocada. O vestido parecia apertar-me cada vez mais, como se me quisesse avisar de que algo terrível estava prestes a acontecer.
Quando cheguei à igreja, o ambiente estava estranho. Os olhares desviavam-se de mim, sussurros percorriam os bancos de madeira. O Miguel estava pálido, os olhos vermelhos como se tivesse chorado. Aproximou-se de mim antes de entrarmos.
— Mariana, precisamos de falar — disse ele, a voz trémula.
O meu mundo parou. — Agora? O que se passa?
Ele hesitou, olhando para trás, onde a mãe dele sorria satisfeita. — A minha mãe disse-me coisas… coisas graves sobre ti e o António. Preciso que me digas a verdade.
Senti as lágrimas a quererem sair, mas forcei-me a manter a compostura. — Miguel, por favor, olha para mim. Eu amo-te. Nunca te traí. A tua mãe nunca gostou de mim e está a tentar separar-nos.
Ele passou as mãos pelo cabelo, desesperado. — Não sei em quem acreditar! Ela mostrou-me mensagens… prints de conversas vossas.
O chão fugiu-me dos pés. — Que mensagens? Ela só pode ter inventado! Miguel, tu conheces-me!
Ele afastou-se, perdido. — Preciso de tempo para pensar.
E foi assim que fiquei sozinha à porta da igreja, com todos os convidados a olhar para mim como se eu fosse uma criminosa. A minha mãe aproximou-se, abraçou-me em silêncio. O meu pai olhava para o chão, envergonhado por mim.
Os dias seguintes foram um inferno. A notícia espalhou-se pelo bairro: “A Mariana foi apanhada a trair o noivo.” No supermercado, as vizinhas cochichavam; no café, os olhares eram de pena ou desprezo. O António tentou falar comigo, mas eu não queria envolvê-lo ainda mais naquele lamaçal.
O Miguel não me atendia o telefone. Mandava mensagens curtas: “Preciso de tempo.” A família dele bloqueou-me nas redes sociais; até os meus próprios primos começaram a evitar-me.
Uma noite, bati à porta do António. Ele abriu com ar preocupado.
— Mariana… desculpa tudo isto. A tua sogra ligou-me ontem a ameaçar que ia contar à minha namorada que nós tínhamos um caso.
— Mas nós não temos! — gritei, sentindo finalmente a raiva substituir a tristeza.
— Eu sei! Mas ela é capaz de tudo para te afastar do Miguel.
Decidimos ir juntos falar com o Miguel. Quando chegámos à casa dele, foi a Dona Lurdes quem abriu a porta.
— O que querem aqui? Já não chega terem destruído o casamento?
— Quero falar com o Miguel — disse eu, sem hesitar.
Ela tentou impedir-nos de entrar, mas o Miguel apareceu no corredor.
— Deixa-os entrar, mãe.
Sentámo-nos na sala fria e silenciosa. O António tirou do bolso o telemóvel.
— Miguel, as mensagens que viste foram editadas. Olha aqui as conversas completas.
Miguel pegou no telemóvel e leu em silêncio durante minutos que pareceram horas. Quando acabou, olhou para mim com lágrimas nos olhos.
— Mariana… desculpa. Eu devia ter confiado em ti.
A Dona Lurdes levantou-se abruptamente. — Não acredito nisso! Vocês estão todos contra mim!
Miguel virou-se para ela: — Mãe, chega! Sempre quiseste controlar a minha vida! Agora percebo tudo…
Ela saiu da sala batendo com a porta.
O Miguel tentou abraçar-me, mas eu afastei-me.
— Não é assim tão simples, Miguel. Tu duvidaste de mim no momento mais importante das nossas vidas. Como posso confiar em ti agora?
Ele chorava baixinho. — Mariana… por favor…
Saí dali sem olhar para trás. Passei semanas fechada em casa dos meus pais, sem vontade de sair ou ver ninguém. A vergonha era insuportável; sentia-me traída por quem mais amava.
Com o tempo, fui voltando à vida devagarinho. Voltei ao trabalho, comecei a sair com amigas antigas e até aceitei um convite para ir ao cinema com o António e outros colegas do escritório. Aos poucos percebi que não era eu quem devia sentir vergonha; era quem me tinha julgado sem provas.
Um dia recebi uma carta do Miguel. Pedia desculpa mais uma vez e dizia que tinha cortado relações com a mãe por causa do que ela fez. Dizia que ainda me amava e queria tentar recomeçar.
Fiquei horas a olhar para aquela carta. Parte de mim queria perdoá-lo; outra parte sabia que nunca esqueceria aquela dor.
Hoje olho para trás e vejo quanto cresci com tudo isto. Aprendi a pôr limites e a não deixar ninguém definir quem sou ou quanto valho.
Pergunto-me: quantas mulheres já passaram pelo mesmo? Quantas vezes deixamos que nos calem ou nos julguem sem ouvir o nosso lado? Será possível reconstruir a confiança depois de tanta traição?