Quando a Minha Sogra Tentou Expulsar-me de Casa: Fé, Dor e Resistência

— Não admito mais esta falta de respeito, Mariana! — gritou a minha sogra, Dona Lurdes, com os olhos faiscando de raiva. Eu estava na cozinha, com as mãos ainda molhadas de lavar a loiça, quando ela entrou como uma tempestade, batendo a porta atrás de si. O silêncio da casa foi rasgado pelo seu tom cortante. — Ou mudas de atitude ou sais desta casa!

Senti o coração disparar, as pernas fraquejaram. O meu marido, Rui, estava em Lisboa há duas semanas por causa do trabalho. Eu ficara sozinha com a sogra e o nosso filho pequeno, o Tiago. Nunca pensei que as coisas chegassem a este ponto. A casa, que antes era um lar, parecia agora um campo de batalha.

— Dona Lurdes, por favor… — tentei responder, mas ela interrompeu-me com um gesto brusco.

— Não me venhas com lágrimas de crocodilo! Sempre foste uma ingrata. O Rui merece melhor. Olha para isto! — apontou para a mesa, onde restavam migalhas do pequeno-almoço. — Nem para manter a casa limpa serves.

As palavras dela eram facas. Senti-me humilhada, impotente. Tinha deixado o meu emprego como professora primária para cuidar do Tiago e ajudar em casa. O Rui achou que seria melhor assim até ele estabilizar no novo emprego. Mas agora sentia-me presa, sem saída.

Naquela noite, depois de deitar o Tiago, fechei-me no quarto e chorei baixinho. Peguei no terço da minha mãe e comecei a rezar. “Senhor, dá-me força para não perder a cabeça. Ajuda-me a suportar esta dor.”

No dia seguinte, tentei evitar Dona Lurdes ao máximo. Preparei o almoço em silêncio, limpei tudo com cuidado redobrado. Mas nada parecia suficiente.

— Mariana, já viste o estado do quintal? As flores estão todas secas! — ouvi-a gritar da janela.

— Vou já tratar disso — respondi, engolindo o orgulho.

Enquanto regava as flores murchas, lembrei-me dos domingos em casa dos meus pais em Braga. A minha mãe dizia sempre: “Filha, nunca deixes que te tirem a tua dignidade.” Mas como manter a dignidade quando tudo à minha volta parecia desmoronar?

À noite, Dona Lurdes voltou à carga.

— Já falei com o Rui. Disse-lhe que não aguento mais viver contigo aqui. Ele vai ter de escolher: ou eu ou tu.

Senti um frio na espinha. O Rui nunca me disse nada disto ao telefone. Será que ela estava mesmo a falar a verdade? Ou queria apenas assustar-me?

Peguei no telemóvel e liguei-lhe.

— Rui, precisamos de falar — disse-lhe assim que atendeu.

— O que se passa, amor?

— A tua mãe… Ela disse que te pôs um ultimato. É verdade?

Do outro lado ouvi um suspiro cansado.

— Mariana, sabes como ela é… Está nervosa porque estou longe. Não ligues. Aguenta só mais uns dias, eu volto no fim-de-semana.

Desliguei com lágrimas nos olhos. Aguentar? Como se fosse fácil…

Os dias seguintes foram um inferno. Dona Lurdes começou a esconder comida da despensa e trancava a porta do seu quarto à chave. Cheguei a ouvir-lhe dizer ao telefone:

— Esta rapariga pensa que manda aqui! Mas eu vou pô-la na rua nem que seja a última coisa que faça!

O Tiago começou a perguntar porque é que a avó estava sempre zangada.

— Mamã, fiz alguma coisa mal?

Abracei-o com força.

— Não, meu amor. A avó está só cansada.

À noite rezava ainda mais fervorosamente. Pedi a Deus paciência e coragem para não responder à altura. Lembrei-me das palavras do padre António: “A oração não muda Deus, mas muda quem reza.”

Numa tarde chuvosa, Dona Lurdes entrou no meu quarto sem bater.

— Arruma as tuas coisas. Quero-te fora daqui até amanhã.

Olhei-a nos olhos pela primeira vez sem medo.

— Dona Lurdes, esta casa é do Rui e minha também. Não vou sair enquanto ele não voltar e decidirmos juntos.

Ela ficou vermelha de raiva.

— Insolente! — gritou, batendo com a porta.

Naquela noite dormi mal. Sonhei que estava sozinha numa rua escura com o Tiago ao colo e ninguém me queria ajudar. Acordei suada e com o coração apertado.

No dia seguinte, Dona Lurdes não me falou uma única palavra. O silêncio era ensurdecedor. Senti-me invisível naquela casa onde tudo me lembrava que era uma intrusa.

Quando finalmente o Rui chegou ao fim-de-semana, encontrou-nos em lados opostos da sala: eu sentada no sofá com o Tiago ao colo; Dona Lurdes junto à janela de braços cruzados.

— O que se passa aqui? — perguntou ele, olhando de um para o outro.

Dona Lurdes foi rápida:

— Ou ela sai ou saio eu!

O Rui olhou para mim com tristeza nos olhos.

— Mãe… Mariana… Isto não pode continuar assim.

Levantei-me devagar.

— Rui, eu tentei de tudo para agradar à tua mãe. Mas não posso continuar a viver assim. Preciso que escolhas o que é melhor para nós e para o Tiago.

O silêncio caiu pesado na sala. O Tiago começou a chorar baixinho.

O Rui aproximou-se de mim e abraçou-nos aos dois.

— Mãe… Eu amo-te muito, mas esta é a minha família agora. Se não consegues aceitar isso… talvez seja melhor procurares outro sítio para ficar uns tempos até as coisas acalmarem.

Dona Lurdes ficou pálida como cal.

— Então é assim? Trocas-me por ela?

O Rui não respondeu. Ela saiu da sala sem olhar para trás.

Durante dias o ambiente ficou pesado. Dona Lurdes acabou por ir para casa da irmã em Vila Real. Senti-me aliviada mas também triste — ninguém ganha numa guerra destas.

Com o tempo, fui recuperando alguma paz. Voltei a trabalhar numa escola local e comecei a reconstruir a minha autoestima aos poucos. O Rui apoiou-me sempre e o Tiago voltou a sorrir sem medo.

Às vezes ainda me pergunto se poderia ter feito algo diferente para evitar tanto sofrimento. Mas sei que sem fé e oração teria desistido muito antes.

Hoje olho para trás e pergunto: quantas mulheres passam por isto em silêncio? Quantas são obrigadas a escolher entre a sua dignidade e o medo de perder tudo? E vocês… já sentiram que só vos restava rezar?