Quando a Minha Sogra Me Pôs Fora de Casa – Uma História de Confiança, Família e Perda
— Não quero ouvir mais nada, Mariana! Pega nas tuas coisas e sai já desta casa! — gritou a Dona Amélia, a minha sogra, com uma voz tão fria que me gelou até aos ossos.
Fiquei ali parada, no corredor, com as mãos a tremer e o coração a bater descompassado. A chuva batia forte nas janelas da casa antiga em Almada, como se quisesse entrar e testemunhar o que se passava. O meu marido, o Rui, estava em Lisboa em trabalho e eu sentia-me completamente sozinha. Olhei para a Dona Amélia, tentando encontrar nos olhos dela algum vestígio da mulher que me acolhera há três anos atrás, quando casei com o filho dela. Mas só vi dureza e desprezo.
— Mas… Dona Amélia, por favor… Eu não tenho para onde ir! — supliquei, a voz embargada pelas lágrimas que ameaçavam cair.
Ela virou-me as costas, indiferente ao meu desespero. — Isso não é problema meu. Devias ter pensado nisso antes de te meteres na minha família.
Aquelas palavras cortaram-me como facas. Senti-me pequena, indesejada, um fardo. Peguei na mala que já estava à porta — ela já a tinha preparado, como se tudo isto fosse um plano há muito traçado — e saí para a rua. A chuva caiu-me em cima como uma sentença. O casaco fino não me protegia do frio nem da humilhação.
Enquanto caminhava sem rumo pelas ruas molhadas, as palavras dela ecoavam na minha cabeça: “Devias ter pensado nisso antes de te meteres na minha família.” Mas eu amava o Rui. Sempre amei. Conhecemo-nos na faculdade, ele estudava Engenharia Civil e eu Psicologia. Apaixonámo-nos depressa demais, casámos cedo demais — pelo menos era isso que toda a gente dizia. Mas eu acreditava que juntos podíamos enfrentar tudo.
A verdade é que nunca fui bem-vinda naquela casa. A Dona Amélia sempre me olhou de lado, sempre fez questão de me lembrar que aquela era a casa dela, as regras dela. O Rui tentava apaziguar as coisas, mas passava cada vez mais tempo fora, a trabalhar para nos dar uma vida melhor. Eu ficava sozinha com ela e com os silêncios pesados à hora do jantar.
Lembro-me de uma noite em particular, há umas semanas:
— Mariana, tu nunca vais ser como a mãe do Rui — disse ela enquanto lavava a loiça. — Ele precisa de uma mulher forte ao lado dele, não de uma menina mimada.
Fiquei calada. O que podia eu dizer? Que estava a fazer o melhor que sabia? Que sentia falta da minha própria mãe, que morrera há dois anos? Que só queria ser aceite?
Agora, ali na rua, sem saber para onde ir, pensei em ligar ao Rui. Mas o que lhe diria? Que a mãe dele me expulsou? Que eu era um fracasso?
Acabei por ligar à minha amiga Inês. Ela atendeu ao segundo toque.
— Mariana? Estás bem? — perguntou logo, preocupada.
— Preciso de um sítio para ficar esta noite… — sussurrei, tentando não chorar.
— Vem já para minha casa! Estou à tua espera.
A Inês vivia num pequeno apartamento em Cacilhas. Quando cheguei lá, encharcada e exausta, ela abraçou-me sem fazer perguntas. Só depois de um banho quente e uma chávena de chá é que consegui contar-lhe tudo.
— Não podes voltar para lá — disse ela com firmeza. — O Rui tem de saber o que aconteceu.
Mas eu tinha medo. Medo de perder o Rui, medo de ficar sozinha no mundo.
Na manhã seguinte, acordei com dezenas de chamadas não atendidas do Rui. Finalmente ganhei coragem para lhe ligar.
— Mariana! Onde estás? A minha mãe disse-me que saíste de casa sem avisar! — a voz dele era uma mistura de preocupação e irritação.
— Rui… Eu não saí porque quis. A tua mãe pôs-me fora de casa… — comecei a chorar.
Houve um silêncio do outro lado da linha. Depois ouvi-o suspirar.
— Eu vou falar com ela. Fica onde estás.
Esperei o dia todo por uma resposta dele. Quando finalmente apareceu à porta da Inês já era noite cerrada. Trazia uma expressão cansada e os olhos vermelhos.
— Mariana… — sentou-se ao meu lado no sofá — A minha mãe diz que te apanhaste com ela por causa do dinheiro da casa…
Olhei-o incrédula.
— Dinheiro? Rui, eu nunca mexi em nada sem te dizer! Ela inventou isso?
Ele passou as mãos pelo cabelo, desesperado.
— Eu sei… Mas ela está convencida disso. Diz que encontraram uns recibos no teu quarto…
Senti o chão fugir-me dos pés.
— Quais recibos? Eu nem sequer tenho acesso à conta dela!
A Inês interveio:
— Rui, tu conheces a Mariana melhor do que ninguém. Achas mesmo que ela seria capaz disso?
Ele ficou calado durante tanto tempo que comecei a duvidar se realmente me conhecia assim tão bem.
— Eu vou tentar resolver isto — disse finalmente. — Mas preciso que confies em mim.
Confiança. Era tudo o que eu queria… mas naquele momento parecia impossível confiar em alguém.
Os dias seguintes foram um tormento. O Rui ia todos os dias falar com a mãe dele e voltava sempre mais distante. Eu sentia-me cada vez mais invisível, como se tivesse deixado de existir para aquela família.
Uma tarde, recebi uma mensagem da Dona Amélia:
“Não voltes a meter os pés na minha casa. O Rui pode fazer o que quiser da vida dele, mas tu nunca vais ser da nossa família.”
Mostrei a mensagem ao Rui quando ele chegou a casa da Inês nessa noite.
— Ela não vai mudar de ideias — disse ele num tom resignado.
— E tu? Vais ficar do lado dela ou do meu? — perguntei-lhe com a voz trémula.
Ele olhou para mim como se visse uma estranha.
— Mariana… Eu amo-te, mas é a minha mãe…
Nesse momento percebi tudo. Nunca seria suficiente para aquela família. Nunca seria aceite por aquela mulher que via em mim uma ameaça ao seu domínio sobre o filho.
Decidi então procurar trabalho e um quarto para alugar. Não podia continuar a viver à custa da Inês nem à espera que o Rui escolhesse entre mim e a mãe dele.
Os meses seguintes foram duros. Arranjei um emprego numa loja de roupa no centro comercial e aluguei um quarto minúsculo numa casa partilhada com dois estudantes universitários barulhentos. Todos os dias acordava com saudades do Rui e da vida que sonhara ter com ele. Mas também sentia um estranho alívio por já não ter de andar em bicos de pés numa casa onde nunca fui bem-vinda.
O Rui continuou a ligar-me durante algum tempo, mas as conversas tornaram-se cada vez mais curtas e frias até deixarem simplesmente de acontecer. Soube pela Inês que ele acabou por voltar para casa da mãe.
Às vezes dou por mim a pensar se poderia ter feito algo diferente. Se deveria ter lutado mais pelo nosso casamento ou se simplesmente nunca deveria ter entrado naquela família tão fechada sobre si mesma.
Hoje olho para trás com tristeza mas também com orgulho pela mulher em que me tornei. Aprendi a viver sozinha, a confiar em mim mesma e a construir uma nova família feita de amigos verdadeiros como a Inês.
Mas ainda me pergunto: quantas mulheres vivem presas ao medo de não serem aceites? Quantas sacrificam quem são só para caberem numa família que nunca as quis? Será que algum dia vamos aprender a escolher-nos primeiro?