Quando a Minha Sogra Me Empurrou para o Divórcio: Uma História de Amor, Dor e Redescoberta

— Não achas que já chega, Mariana? — A voz da Dona Teresa ecoava pela cozinha, fria como o mármore da bancada onde eu tentava preparar o jantar. — O Rui merece mais do que isto. Olha para ti, nem consegues manter a casa em ordem.

A faca parou no ar. O cheiro do refogado misturava-se ao nó na minha garganta. Eu sabia que ela estava ali para me julgar, como fazia todos os dias desde que se mudara para nossa casa, há seis meses, depois do enfarte do sogro. Mas nunca pensei ouvir aquilo assim, tão cru.

— Dona Teresa, por favor… — tentei manter a voz firme, mas soou como um sussurro cansado. — Estou a fazer o melhor que posso.

Ela bufou, ajeitando o xaile nos ombros. — O melhor? O melhor seria deixares o meu filho em paz. Ele está sempre cansado, sempre irritado. Desde que casou contigo, nunca mais foi o mesmo homem.

O Rui entrou na cozinha nesse instante, os olhos semicerrados de cansaço. — O que se passa aqui?

— Nada — respondi rapidamente, limpando as mãos ao avental. Mas Dona Teresa não perdeu tempo.

— Estava só a dizer à Mariana que talvez fosse melhor repensarem este casamento. Não vês como ela te desgasta?

O Rui olhou para mim, depois para a mãe. Não disse nada. Só saiu da cozinha, deixando-me ali, sozinha com a mulher que parecia determinada a destruir tudo o que tínhamos construído.

Naquela noite, deitei-me ao lado dele sem trocar uma palavra. Senti o peso do silêncio entre nós — um silêncio que se vinha acumulando há meses. Lembrei-me de quando nos conhecemos na faculdade de Letras do Porto, das noites em que partilhávamos sonhos e garrafas de vinho barato na Ribeira. Onde é que nos tínhamos perdido?

Os dias seguintes foram uma sucessão de pequenas humilhações. Dona Teresa criticava tudo: o jantar estava salgado, as camisas do Rui mal passadas, até a forma como eu educava a nossa filha, a Matilde, de 12 anos.

— No meu tempo, as crianças não respondiam assim aos pais — dizia ela alto o suficiente para Matilde ouvir. — Mas claro, com uma mãe destas…

Comecei a evitar estar em casa. Saía mais cedo para o trabalho na escola primária e voltava mais tarde, inventando reuniões e tarefas. Sentia-me uma estranha na minha própria casa.

Uma tarde, cheguei mais cedo e ouvi vozes na sala. Parei à porta e ouvi Dona Teresa dizer ao Rui:

— Ela não te merece, filho. Mereces alguém que te compreenda, que te apoie. Não vês como ela te afasta da tua família?

— Mãe… — ouvi o Rui suspirar. — Não compliques.

— Não sou eu que complico! Ela é que nunca gostou de mim! Sempre te quis só para ela!

Senti as lágrimas a escorrerem-me pelo rosto antes de conseguir fugir para o quarto. Aquela noite foi a primeira em que dormi no sofá.

Os meses passaram e a situação só piorou. Comecei a notar mensagens estranhas no telemóvel do Rui: “Hoje foi bom ver-te”; “Sinto saudades”. Confrontei-o numa noite chuvosa de novembro.

— Rui, quem é a Ana?

Ele ficou pálido. — É só uma colega do trabalho.

— Uma colega? Então porque é que ela te manda mensagens às duas da manhã?

Ele não respondeu. Levantou-se e saiu de casa sem olhar para trás.

Dona Teresa apareceu na sala pouco depois, com um sorriso triunfante.

— Vês? Nem precisas de fazer nada. Ele vai perceber sozinho que não és suficiente para ele.

A raiva subiu-me à cabeça como fogo. — Acha mesmo que está a ajudar o seu filho? Está a destruí-lo! Está a destruir-nos!

Ela encolheu os ombros e saiu da sala como se nada fosse.

Na semana seguinte, Rui não voltou para casa durante três noites seguidas. Matilde começou a perguntar por ele à mesa do jantar.

— A mãe e o pai vão separar-se?

O meu coração partiu-se um pouco mais cada vez que lhe dizia “não sei”.

No Natal desse ano, Dona Teresa fez questão de convidar toda a família para nossa casa. A mesa estava cheia de primos e tios que mal conhecia, todos lançando olhares de pena ou julgamento na minha direção.

No meio da confusão, ouvi-a dizer à cunhada:

— A Mariana nunca foi mulher para o meu filho. Sempre achei.

Levantei-me da mesa e fui chorar para a casa de banho. Quando voltei, Matilde estava sentada sozinha no sofá, os olhos vermelhos.

— Mãe… eu não quero ficar aqui.

Abracei-a com força e prometi-lhe que tudo ia ficar bem, mesmo sem acreditar nisso.

Na noite de Ano Novo, Rui chegou tarde e bêbado. Tive coragem de lhe dizer tudo o que sentia:

— Não aguento mais esta vida! Ou escolhes a tua mãe ou escolhes a tua família!

Ele olhou-me com uma tristeza antiga nos olhos.

— Não sei se ainda temos salvação, Mariana.

Foi aí que percebi: já não havia “nós” há muito tempo.

Dois meses depois, assinei os papéis do divórcio. Dona Teresa fez questão de estar presente no tribunal, sentada atrás do Rui como uma sombra vitoriosa.

A casa ficou vazia sem eles. Passei semanas a chorar pelos cantos, a sentir-me perdida e inútil. Mas aos poucos fui encontrando forças onde menos esperava: nos abraços da Matilde; nos cafés com as colegas da escola; nas caminhadas à beira-mar ao domingo de manhã.

Um dia, Dona Teresa ligou-me:

— Espero que estejas feliz agora.

Sorri pela primeira vez em meses.

— Estou a aprender a ser feliz outra vez. E sabe? Acho que mereço isso.

Hoje olho para trás e vejo tudo com outros olhos. Pergunto-me se poderia ter feito algo diferente ou se estava tudo destinado a acabar assim desde o início. Será que as famílias portuguesas estão condenadas a viver sob o peso das sogras? Ou será que somos nós que temos medo de escolher a nossa própria felicidade?

E vocês? Já sentiram que alguém vos empurrou para longe da vossa própria vida?