Quando a Minha Sogra Escolheu a Filha – E Eu Fiquei Para Trás

— Não posso, Mariana. Já não tenho idade para correr atrás de crianças — disse a minha sogra, Dona Lurdes, com um suspiro pesado, enquanto eu segurava o pequeno Tomás ao colo, exausta depois de mais uma noite sem dormir.

Olhei para ela, tentando esconder as lágrimas que ameaçavam cair. O meu marido, Rui, estava no trabalho e eu sentia-me sozinha, perdida naquele apartamento pequeno em Almada, onde o choro do meu filho ecoava pelas paredes finas. Tinha acabado de regressar do hospital, depois de um parto complicado, e precisava desesperadamente de ajuda. Mas Dona Lurdes, com os seus cabelos grisalhos e olhar cansado, recusava-se a ficar comigo nem que fosse por uma tarde.

— Eu percebo, Dona Lurdes… — murmurei, tentando não soar amarga. — Só precisava mesmo de um bocadinho de descanso. Nem que fosse uma hora para tomar banho ou dormir…

Ela abanou a cabeça.

— Mariana, eu já criei dois filhos. Agora é a vossa vez. O corpo já não aguenta — disse, levantando-se devagar do sofá. — Se precisares de alguma coisa, liga-me. Mas não prometo nada.

Fiquei ali parada, com Tomás a chuchar no dedo, sentindo-me invisível. Não queria acreditar que era só isso. Que era assim tão fácil para ela virar costas.

Os dias passaram arrastados. Rui tentava ajudar quando chegava do trabalho, mas também ele estava esgotado. A minha mãe vivia longe, no Porto, e só podia vir de vez em quando. Eu sentia-me cada vez mais isolada, presa numa rotina de fraldas, cólicas e noites em claro. Comecei a duvidar de mim própria: estaria a pedir demais? Seria eu ingrata?

Até que um dia, ao passar pelo café da esquina, vi Dona Lurdes sentada à mesa com a filha mais nova, Sofia. Sofia estava grávida de oito meses e sorria enquanto a mãe lhe acariciava a barriga.

— Vai ser uma menina linda — dizia Dona Lurdes, os olhos brilhantes de orgulho. — E eu vou estar sempre aqui para te ajudar, filha.

Senti um nó na garganta. Fiquei ali parada, sem coragem para entrar ou sequer cumprimentar. Voltei para casa a tremer de raiva e tristeza. Porque é que para Sofia havia sempre tempo e energia? Porque é que para mim só havia desculpas?

Quando contei ao Rui o que tinha visto, ele encolheu os ombros.

— A mãe sempre foi assim com a Sofia. Ela é a menina dos olhos dela…

— E eu? E o teu filho? — perguntei, incapaz de esconder o ressentimento.

Ele não respondeu. Limitou-se a abraçar-me em silêncio.

O tempo passou e Sofia teve a bebé, Matilde. De repente, Dona Lurdes parecia ter rejuvenescido dez anos. Ia todos os dias a casa da filha, levava refeições feitas, ficava noites inteiras para que Sofia pudesse descansar. No grupo de família do WhatsApp, as fotos da avó babada com Matilde multiplicavam-se.

Eu olhava para aquelas imagens e sentia-me cada vez mais pequena. Tomás já tinha seis meses e Dona Lurdes mal o via. Quando vinha cá a casa era só por uns minutos — dizia sempre que tinha pressa ou que estava cansada.

A mágoa começou a transformar-se em raiva. Um dia, depois de mais uma visita relâmpago da sogra, explodi com Rui.

— Não aguento mais isto! Parece que somos invisíveis! Porque é que ela não gosta do nosso filho? O que é que fizemos de mal?

Rui tentou acalmar-me:

— Mariana… Não é uma questão de gostar ou não gostar. A minha mãe sempre foi mais próxima da Sofia porque ela sempre precisou mais…

— E eu? Eu também preciso! — gritei, as lágrimas finalmente a correrem-me pela cara.

Naquela noite não consegui dormir. Fiquei horas a olhar para o teto, a pensar em tudo o que tinha feito para agradar à família do Rui desde que começámos a namorar: os jantares de domingo, os presentes no Natal, as conversas forçadas sobre novelas e receitas. Sempre tentei ser aceite. Sempre tentei fazer parte daquela família.

No dia seguinte decidi confrontar Dona Lurdes.

— Preciso de falar consigo — disse-lhe ao telefone.

Ela apareceu em minha casa meia hora depois, com ar desconfiado.

— O que se passa?

Respirei fundo.

— Sinto-me posta de parte. Sinto que o Tomás não tem direito à mesma avó que a Matilde tem. Não percebo porquê…

Ela ficou calada durante uns segundos longos demais.

— Mariana… Eu não faço por mal. Só… sinto-me mais à vontade com a Sofia. Ela é minha filha…

— Mas o Tomás também é seu neto! — interrompi-a.

Ela suspirou.

— Eu sei… Mas tu és forte. Sempre foste independente. Achei que não precisavas tanto de mim como a Sofia precisa…

Fiquei sem palavras. Era isto? Porque pareço forte mereço menos apoio?

— Não é justo — murmurei.

Ela baixou os olhos.

— Talvez não seja… Mas é assim que sinto.

Depois desse dia deixei de esperar por ela. Foquei-me em mim e no Tomás. Comecei a sair mais com outras mães do bairro, fiz novas amizades no parque infantil e até arranjei coragem para pedir ajuda à minha mãe mais vezes — mesmo à distância.

Mas nunca consegui perdoar totalmente Dona Lurdes. O Rui percebeu e tentou compensar como pôde: passou a levar Tomás aos fins-de-semana ao parque, ajudava mais em casa e até sugeriu fazermos férias só os três.

No primeiro aniversário do Tomás fizemos uma festa pequena em casa. Convidei toda a família do Rui mas só apareceram Sofia e Dona Lurdes — e mesmo assim chegaram atrasadas e saíram cedo porque Matilde estava “cansada”.

Depois da festa sentei-me sozinha na sala desarrumada e chorei tudo o que tinha guardado durante meses. Não era só tristeza: era desilusão profunda com quem eu achava que podia contar.

Hoje o Tomás já tem três anos e aprendi a viver com esta ferida aberta. Ele pergunta poucas vezes pela avó; aprendeu cedo que ela está mais presente noutra casa. Eu faço questão de lhe dar todo o amor possível — talvez até demais — para compensar aquilo que lhe falta dos outros.

Às vezes pergunto-me se devia ter feito diferente: se devia ter lutado mais pela atenção da sogra ou se devia simplesmente ter aceitado desde o início que há laços que nunca se criam à força.

Mas continuo sem resposta.

E vocês? Já sentiram esta diferença dentro da própria família? Será possível perdoar verdadeiramente quem nos faz sentir invisíveis?