Quando a Minha Filha Me Pediu Para Me Mudar: A Verdade Que Veio à Superfície Entre as Paredes do Apartamento Dela

— Mãe, podes vir cá esta semana? Preciso mesmo de ti, juro que não é só para me ajudares com o Tomás — a voz da Mariana soava trémula ao telefone, como se cada palavra lhe custasse a sair.

Senti um aperto no peito. Mariana nunca pedia ajuda assim, tão directamente. Desde que se mudara para Lisboa com o Miguel e o pequeno Tomás, fazia questão de mostrar ao mundo — e a mim — que era capaz de tudo sozinha. Mas naquele dia, havia algo diferente na sua voz. Não hesitei: fiz a mala e apanhei o comboio de manhã cedo.

Quando cheguei ao prédio antigo em Arroios, já sentia o peso da cidade sobre os ombros. O cheiro a café e a roupa molhada misturava-se no corredor estreito. Toquei à campainha e ouvi passos apressados. Mariana abriu a porta com um sorriso forçado, olheiras fundas e cabelo preso à pressa.

— Olá, mãe… — abraçou-me com força, mas senti-lhe o corpo tenso.

O Tomás correu para mim, enroscou-se nas minhas pernas e eu sorri-lhe, tentando ignorar o frio que me subiu pela espinha. O Miguel apareceu à porta da cozinha, murmurou um “olá” sem me olhar nos olhos e voltou para dentro.

— O Miguel anda estranho — sussurrou-me Mariana, enquanto pousava a minha mala no quarto pequeno onde ia dormir. — Anda sempre calado, irrita-se por tudo e por nada… Eu já não sei o que fazer.

Sentei-me na beira da cama, puxei-a para junto de mim.

— Filha, queres contar-me o que se passa?

Ela abanou a cabeça, os olhos marejados.

— Não sei… Acho que ele está farto de mim. Ou então é do trabalho… Ou talvez seja só cansaço. Eu também ando exausta, mãe. Não consigo estudar, o Tomás não dorme bem…

Naquela noite, ouvi-os discutir baixinho na sala. Palavras cortadas, silêncios pesados. O Tomás choramingava no quarto ao lado. Levantei-me e fui ter com ele, embalei-o nos braços até adormecer. Senti-me inútil, como se todos os anos de experiência de mãe não servissem ali para nada.

No dia seguinte, tentei ajudar como pude: fiz sopa, lavei roupa, brinquei com o neto. Mariana fechou-se no quarto a estudar, mas percebia-se que não conseguia concentrar-se. O Miguel saiu cedo e voltou tarde, sem dizer palavra.

Ao terceiro dia, Mariana desabou. Encontrou-me na cozinha a arrumar loiça e começou a chorar compulsivamente.

— Mãe… eu não aguento mais! Sinto-me sozinha nesta casa! O Miguel já nem olha para mim… E eu só queria acabar o curso, dar uma vida melhor ao Tomás…

Abracei-a com força.

— Filha, vocês precisam de conversar. Não podes carregar isto tudo sozinha.

Ela limpou as lágrimas e assentiu.

Nessa noite, depois de deitar o Tomás, sentei-me com os dois na sala. O Miguel estava agarrado ao telemóvel.

— Miguel — comecei eu — desculpa meter-me, mas vocês precisam de falar um com o outro. Isto não pode continuar assim.

Ele olhou-me finalmente nos olhos, cansado.

— Dona Teresa… Eu sei. Mas estou perdido. O trabalho está uma confusão, fui despedido há duas semanas e ainda não contei à Mariana porque não queria preocupá-la…

Mariana ficou branca.

— Foste despedido?! Porquê que não me disseste?

Miguel encolheu os ombros.

— Achei que ias ficar pior… Já tens tanto em cima…

Ela levantou-se num impulso.

— Achaste? Achaste?! E eu aqui a pensar que já não gostavas de mim! Que estava tudo a ruir por minha causa!

O silêncio caiu pesado. Senti-me pequena ali no meio dos dois, mas sabia que tinha de continuar.

— Vocês têm de ser honestos um com o outro. Não podem esconder as coisas assim…

Mariana sentou-se devagar ao lado dele. Pegou-lhe na mão.

— Miguel… Eu só queria que me dissesses as coisas. Não quero viver nesta ansiedade constante…

Ele chorou pela primeira vez desde que o conheço. Chorou baixinho, como quem pede desculpa sem palavras.

A partir desse dia, as coisas começaram lentamente a mudar. Miguel procurou trabalho todos os dias; Mariana dividiu melhor o tempo entre os estudos e a família; eu continuei ali, a ajudar como podia — mas já não era só para tomar conta do Tomás. Era para segurar aquela casa enquanto eles aprendiam a segurar-se um ao outro.

No último dia antes de voltar para casa, sentei-me na varanda com Mariana. O sol punha-se sobre Lisboa e ela encostou a cabeça ao meu ombro.

— Obrigada por teres vindo, mãe. Se não fosses tu…

Sorri-lhe e beijei-lhe o cabelo.

— Vocês é que fizeram tudo sozinhos. Eu só estive aqui para vos lembrar que não estão sós.

Agora que estou de volta à minha casa vazia em Santarém, dou por mim a pensar: quantas famílias vivem assim, presas em silêncios e medos? Quantas mães sentem este vazio depois dos filhos partirem? Será que devíamos falar mais uns com os outros antes que seja tarde demais?