Quando a Minha Ex-Mulher Bateu à Porta: Um Pedido Impossível

— Não podes estar a falar a sério, Miguel! — gritei, sentindo o coração a bater tão forte que temi que ele saltasse do peito. O Miguel olhou-me nos olhos, sem desviar o olhar, como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo.

— Ouve, Sofia. Não é só por mim. É pelo Tomás também. Se a Vitória vier viver connosco, eu não preciso de lhe pagar pensão. Assim sobra mais para nós, para o nosso futuro… — disse ele, tentando parecer racional, mas eu só via desespero e egoísmo.

O Tomás, o nosso filho de seis anos, estava no quarto ao lado, provavelmente a ouvir tudo. Desde que o Miguel se divorciou da Vitória, a relação entre eles era um campo minado. Eu entrei na vida dele já depois do divórcio, mas nunca pensei que as sombras do passado pudessem ser tão densas.

Sentei-me à mesa da cozinha, as mãos a tremerem. O cheiro do café frio misturava-se com o perfume barato da Vitória, que ainda pairava no ar desde a última visita. Ela vinha buscar o Tomás todos os fins de semana e nunca perdia uma oportunidade para me lançar olhares de desprezo.

— Achas mesmo que isso é solução? Achas que eu vou conseguir viver com ela aqui? — perguntei, quase num sussurro. O Miguel suspirou e passou as mãos pelo cabelo.

— Não temos escolha, Sofia. O meu ordenado não chega para tudo. A renda subiu outra vez, o carro avariou… E tu ainda não arranjaste trabalho desde que foste despedida da loja.

As palavras dele cortaram-me como facas. Eu sabia que estava a falhar, mas nunca pensei ouvir aquilo da boca do homem que dizia amar-me.

Naquela noite não dormi. Fiquei a olhar para o teto, a pensar em todas as vezes que tentei ser amiga da Vitória por causa do Tomás. Lembrei-me do Natal passado, quando ela apareceu sem avisar e trouxe um presente caro para o miúdo — um tablet novo — enquanto nós mal conseguíamos comprar-lhe um casaco decente.

No dia seguinte, enquanto preparava o pequeno-almoço, ouvi o Tomás perguntar:

— Mãe Sofia, porque é que a mãe Vitória vai vir morar connosco?

Engoli em seco. O Miguel já lhe tinha dito. Senti uma raiva surda crescer dentro de mim.

— Ainda não sabemos se vai acontecer, querido. Mas seja como for, eu vou estar sempre aqui para ti.

Ele sorriu-me com aqueles olhos grandes e inocentes. O Miguel entrou na cozinha nesse momento e ficou parado à porta, como se tivesse medo de atravessar uma linha invisível.

— Falaste com ela? — perguntei-lhe.

Ele assentiu.

— Ela aceitou. Disse que prefere isso a andar sempre a contar trocos. E assim pode ver o Tomás todos os dias.

Senti-me traída. Não só por ele, mas também por ela. Como podia uma mãe aceitar viver com o ex-marido e a nova mulher só para evitar discussões sobre dinheiro?

Os dias seguintes foram um tormento. A Vitória começou a trazer caixas com as coisas dela — livros velhos, roupa fora de moda e até um quadro horrível que dizia “Família é tudo”. O Tomás parecia confuso mas feliz por ter os pais juntos de novo, mesmo que fosse uma mentira.

As discussões começaram logo na primeira semana. A Vitória implicava com tudo: com a forma como eu cozinhava, com os horários do Tomás, até com o sítio onde punha os sapatos à entrada.

— Sempre foste desorganizada, Sofia — disse ela um dia, enquanto eu arrumava a cozinha.

— Pelo menos não abandonei o meu filho para ir viver com outro homem — respondi-lhe, antes de conseguir controlar-me.

O Miguel entrou na cozinha nesse momento e ficou tenso ao ouvir as nossas vozes elevadas.

— Chega! Isto não pode continuar assim! — gritou ele.

Mas continuou. E piorou. O Tomás começou a ter pesadelos à noite e acordava a chorar. Um dia, encontrei-o encolhido no canto do quarto, abraçado ao urso de peluche.

— Não quero que vocês gritem mais… — sussurrou ele.

Foi aí que percebi que estávamos todos a perder-nos uns aos outros. O dinheiro nunca devia ter sido mais importante do que a paz da nossa casa.

Nessa noite, sentei-me com o Miguel depois de pôr o Tomás na cama.

— Isto não está a resultar — disse-lhe. — Estamos todos infelizes. O Tomás está a sofrer. Eu não consigo viver assim.

Ele olhou para mim com lágrimas nos olhos pela primeira vez desde que nos conhecemos.

— Eu só queria fazer o melhor para todos… Mas acho que estraguei tudo.

No dia seguinte, chamei a Vitória para conversar na sala. Ela sentou-se à minha frente com aquele ar altivo de sempre.

— Isto não está certo para ninguém — disse-lhe. — O Tomás precisa de estabilidade. Precisa de paz. E nós precisamos de limites.

Ela ficou em silêncio durante uns segundos e depois suspirou.

— Talvez tenhas razão… Eu só aceitei porque estou cansada de lutar sozinha. Mas isto não é vida para ninguém.

Decidimos juntas que ela ia procurar um quarto perto da escola do Tomás e que o Miguel ia tentar renegociar a pensão com um advogado. Não era perfeito, mas era melhor do que destruir uma família inteira por causa de dinheiro.

Quando ela saiu de casa com as últimas caixas, senti um alívio imenso misturado com tristeza pelo fracasso coletivo dos adultos à volta do Tomás.

O Miguel abraçou-me na cozinha e chorámos juntos pela primeira vez em muito tempo.

Agora olho para trás e pergunto-me: quantas famílias se perdem por causa de decisões tomadas no desespero? Será que algum dia aprendemos realmente a pôr as crianças em primeiro lugar? Gostava de saber o que fariam vocês no meu lugar.