Quando a Mãe Foi de Férias e Eu Fiquei com os Homens da Casa

— Não te esqueças de lhes dar o pequeno-almoço, e vê se o teu irmão não se esquece dos trabalhos de casa! — A voz da minha mãe, Maria, ecoava pela cozinha enquanto ela enfiava as últimas roupas na mala. O meu pai, António, fingia ler o jornal, mas eu via-lhe o olhar ansioso por cima das páginas. O meu irmão mais novo, Diogo, já estava colado ao telemóvel, alheio ao caos.

Eu, Inês, 17 anos, sentia-me esmagada pelo peso da responsabilidade. A minha mãe ia de férias com as amigas para o Algarve — uma escapadela merecida depois de anos a cuidar de todos nós. Mas agora era eu quem ficava encarregue dos “homens da casa”. Ela repetira mil vezes: “Confio em ti, filha. És a única que consegue manter isto em ordem.”

Na manhã em que ela partiu, o silêncio caiu sobre a casa como um cobertor pesado. O cheiro do café ficou no ar, mas faltava aquele toque maternal que só ela sabia dar. O Diogo apareceu na cozinha de pijama às onze da manhã.

— Inês, há cereais? — perguntou, sem levantar os olhos do telemóvel.

— Faz antes umas torradas, Diogo. E despacha-te, já devias estar a estudar para o teste de matemática.

Ele revirou os olhos e saiu. O meu pai entrou logo a seguir, camisa amarrotada e barba por fazer.

— Inês, sabes onde está a minha gravata azul?

— No cesto da roupa suja. Devias ter avisado antes.

Ele suspirou fundo e saiu. Senti-me sozinha, como se estivesse a comandar um navio à deriva.

Os dias seguintes foram uma sucessão de pequenas catástrofes: o Diogo esqueceu-se do almoço na escola, o meu pai queimou o jantar porque ficou colado à televisão a ver o Benfica, e eu tentei manter tudo sob controlo enquanto estudava para os exames nacionais.

Numa noite particularmente difícil, depois de uma discussão acesa com o Diogo sobre as horas passadas no computador, sentei-me no quarto e chorei baixinho. Senti raiva por ter de ser adulta tão cedo. Senti inveja das minhas amigas cujas mães faziam tudo por elas. Senti medo de falhar.

No dia seguinte, acordei com barulho na cozinha. O Diogo estava a fazer panquecas — ou melhor, a tentar.

— O que estás a fazer? — perguntei, tentando não soar demasiado irritada.

— Queria surpreender-te… — disse ele, encolhendo os ombros. — Desculpa por ontem.

Sentei-me à mesa e ele serviu-me uma panqueca meio queimada. Sorri-lhe. Pela primeira vez em dias, senti um calor no peito.

À noite, o meu pai chegou mais cedo do trabalho. Sentou-se comigo na sala e ficou em silêncio durante um tempo.

— Sabes… — começou ele, hesitante — nunca pensei que fosse tão difícil gerir isto tudo sem a tua mãe.

Olhei para ele e vi um homem cansado, vulnerável. Não era o super-herói da minha infância; era só um homem a tentar não desmoronar.

— Eu também não — respondi baixinho.

Naquela semana, descobri segredos guardados há anos: o Diogo confessou-me que tinha medo de não passar de ano; o meu pai contou-me que estava preocupado com o emprego porque havia rumores de despedimentos na fábrica.

Começámos a jantar juntos à mesa — coisa rara desde que me lembro. Falávamos das nossas inseguranças e sonhos. Ríamos das nossas asneiras. Pela primeira vez, senti que éramos uma equipa.

Mas nem tudo foi fácil. Uma noite, ouvi o meu pai ao telefone com alguém. A voz dele estava tensa:

— Não posso agora… A Maria está fora e preciso de estar aqui para os miúdos…

O coração apertou-se-me no peito. Quem seria? Uma colega? Uma amiga? Ou algo mais? Passei horas a remoer aquilo até adormecer.

No dia seguinte, tentei agir normalmente. Mas não consegui evitar perguntar:

— Pai… ontem à noite estavas ao telefone com quem?

Ele hesitou antes de responder:

— Era só uma colega do trabalho… Temos andado preocupados com os cortes na fábrica.

Quis acreditar nele, mas uma sombra ficou entre nós.

Quando finalmente chegou o dia do regresso da minha mãe, a casa estava limpa (mais ou menos), o Diogo tinha feito os trabalhos todos e até cozinhámos juntos um arroz de frango para recebê-la.

Ela entrou em casa com um sorriso cansado e abraçou-nos um a um.

— Correu tudo bem? — perguntou ela.

Olhei para o meu pai e para o Diogo. Sorri.

— Sobrevivemos… juntos.

À noite, fechei-me no quarto e escrevi no meu diário:

“Será que algum dia voltaremos a ser como antes? Ou estas duas semanas mudaram-nos para sempre?”

E vocês? Acham que as famílias conseguem voltar ao normal depois de descobrirem os segredos uns dos outros?