“Porque sou sempre eu a ceder?” – A história de uma jovem mãe em Lisboa

“Porque é que sou sempre eu a ceder?” – pensei, enquanto segurava o telemóvel com as mãos trémulas, ouvindo a voz fria do Miguel do outro lado da linha.

— Mariana, não dá mais. Eu preciso de espaço. Isto tudo… o bebé, tu… Eu não aguento. — Aquelas palavras caíram como pedras no meu peito. O meu filho, o nosso filho, dormia no berço improvisado ao lado do sofá, alheio ao mundo que desabava à sua volta.

— Miguel, por favor… — tentei sussurrar, mas ele já tinha desligado.

O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Senti-me pequena, esmagada pelo peso de todas as expectativas que tinha construído para a minha vida. Cresci em Lisboa, filha única de pais separados, sempre a tentar ser o elo de ligação entre dois mundos que nunca se encaixaram. Quando conheci o Miguel, achei que finalmente tinha encontrado alguém que me compreendia. Enganei-me.

Na manhã seguinte, acordei com o som insistente da campainha. Era a Dona Lurdes, a mãe do Miguel. Entrou sem pedir licença, como sempre fazia.

— Mariana, tens de dar banho ao menino logo de manhã! Não vês que ele está cheio de frio? — disse ela, pegando no meu filho como se fosse dela.

— Dona Lurdes, eu sei cuidar dele… — tentei argumentar, mas ela já estava a criticar o leite que eu preparara, a roupa que escolhera, até o modo como o embalava.

Senti-me invadida, humilhada. Mas calei-me. Porque era mais fácil ceder do que discutir. Porque estava exausta demais para lutar.

Os dias passaram-se em piloto automático. O Miguel não voltou a casa. Mandava mensagens curtas, frias: “Vou buscar umas coisas.” “Preciso dos meus documentos.” Nunca perguntava pelo filho. Nunca perguntava por mim.

A minha mãe ligava todos os dias, mas só para perguntar se eu precisava de dinheiro ou se já tinha pensado em voltar para casa dela em Almada. O meu pai? Esse limitava-se a enviar emojis de vez em quando no WhatsApp.

A única pessoa em quem confiava era a Inês, a minha melhor amiga desde o secundário. Mas até ela parecia distante ultimamente. Uma tarde, liguei-lhe em desespero.

— Inês, preciso mesmo de falar contigo… — disse-lhe, quase a chorar.

— Mariana, desculpa… Estou cheia de trabalho. E sinceramente, acho que devias tentar ser mais compreensiva com o Miguel. Ele também está a passar um mau bocado… — respondeu ela, apressada.

Senti uma raiva surda a crescer dentro de mim. Porque é que toda a gente achava que eu devia compreender os outros? E quem é que me compreendia a mim?

As noites eram as piores. O meu filho chorava e eu chorava com ele. Às vezes sentia-me tão sozinha que tinha vontade de gritar até perder a voz. Mas não podia. Tinha de ser forte por ele.

Uma noite, depois de finalmente adormecer o bebé, sentei-me na varanda com uma manta e uma chávena de chá frio. Olhei para as luzes da cidade e perguntei-me como é que tinha chegado ali. Lembrei-me das tardes passadas com o Miguel no Miradouro de Santa Catarina, das promessas sussurradas ao ouvido, dos planos para uma família feliz.

Tudo mentira.

No dia seguinte, fui ao centro de saúde para uma consulta de rotina do bebé. Estava tão cansada que quase adormeci na sala de espera. Uma enfermeira nova olhou para mim com compaixão.

— Está tudo bem consigo? — perguntou ela baixinho.

Quis dizer-lhe que não, que nada estava bem. Que sentia que estava a afundar e ninguém reparava. Mas limitei-me a sorrir e a dizer:

— Está tudo bem, obrigada.

Quando voltei para casa, encontrei a Dona Lurdes à porta com sacos de compras.

— Trouxe-lhe umas coisas para o menino — disse ela sem olhar para mim.

— Obrigada — respondi automaticamente.

Ela entrou e começou logo a arrumar tudo nos armários da cozinha sem pedir licença. Senti-me uma estranha na minha própria casa.

— Mariana, tens de te organizar melhor. Não podes viver assim no caos — disse ela num tom crítico.

Nesse momento, algo dentro de mim estalou.

— Dona Lurdes, agradeço a ajuda mas esta é a minha casa e o meu filho! — disse-lhe com a voz trémula mas firme pela primeira vez.

Ela olhou para mim surpreendida e saiu sem dizer palavra.

Fechei a porta e desatei a chorar. Mas desta vez não era só tristeza – era também alívio. Pela primeira vez em meses senti que tinha recuperado um bocadinho de mim mesma.

Nessa noite liguei à Inês outra vez.

— Preciso mesmo de ti — disse-lhe sem rodeios.

Desta vez ela veio. Sentámo-nos na sala enquanto o bebé dormia e contei-lhe tudo: o abandono do Miguel, as invasões da Dona Lurdes, o cansaço extremo.

— Desculpa se não estive presente — disse ela baixinho. — Às vezes não sei como ajudar…

Abraçámo-nos em silêncio. Percebi que também ela tinha os seus próprios medos e inseguranças.

Os meses passaram devagarinho. Fui aprendendo a pedir ajuda quando precisava e a dizer não quando era demais para mim. O Miguel continuou ausente; ouvi dizer que estava com outra pessoa. Doeu, mas já não tanto como antes.

A Dona Lurdes foi-se afastando aos poucos depois daquele confronto. A minha mãe continuou igual – distante mas presente à sua maneira. E eu fui reconstruindo os pedaços da minha vida à medida que conseguia respirar um pouco melhor todos os dias.

Hoje olho para o meu filho e vejo nele uma força que nunca pensei ter dentro de mim. Ainda tenho medo do futuro – quem não tem? Mas aprendi que não posso continuar sempre a ceder só para agradar aos outros.

Às vezes pergunto-me: quantas mulheres vivem assim caladas, presas entre expectativas e silêncios? E vocês? Já sentiram que estavam a perder-se só para manter tudo à tona?