«Porque não queres que eu fique esta noite?» — História de uma mãe e um filho em Portugal

— Porque não queres que eu fique esta noite, Pedro? — perguntei, com a voz a tremer, enquanto segurava a mala à porta do prédio dele, o coração apertado como se alguém me tivesse roubado o chão.

Ele desviou o olhar, envergonhado. — Mãe, não é isso… Só acho que talvez seja mais confortável para ti num hotel. Aqui está tudo desarrumado, sabes como é…

Olhei para ele, o meu filho, já homem feito, barba por fazer, mas ainda com aquele olhar de menino que me pedia colo quando caía no parque. Senti-me velha, fora do lugar. Tantos anos a cuidar dele sozinha, depois do pai nos ter deixado. Tantos sacrifícios para lhe dar tudo. E agora, era como se eu fosse um incómodo.

— Não me importo com a desarrumação. Vim para te ver, não para inspecionar a casa — tentei sorrir, mas a voz saiu-me embargada.

Ele suspirou. — Mãe, por favor… Não compliques.

O silêncio caiu entre nós como uma cortina pesada. Lá dentro, ouvi vozes — risos abafados. Lembrei-me da mensagem que vi no telemóvel dele: “A tua mãe vem mesmo?” Era da Sofia, a namorada. Senti uma pontada de ciúme infantil. Será que era ela quem não queria que eu ficasse?

— A Sofia está aí? — perguntei, tentando soar casual.

Ele hesitou. — Está… mas isso não tem nada a ver.

— Tem tudo a ver! — explodi, surpreendendo-me com a força da minha própria voz. — Sempre fui eu e tu! Agora parece que não há espaço para mim na tua vida.

Ele ficou calado, olhos no chão. Senti as lágrimas a quererem saltar-me dos olhos. Lembrei-me das noites em que ele tinha febre e eu ficava acordada ao lado dele, das vezes em que trabalhei horas extra para lhe comprar os livros da faculdade. E agora… agora era apenas uma visita incómoda.

— Mãe… — murmurou ele, mas eu já estava a virar costas.

Desci as escadas apressada, sentindo o peso da mala e do coração. Lá fora, Lisboa parecia indiferente à minha dor: carros a passar, turistas a rir nas esplanadas, o cheiro a castanhas assadas no ar. Sentei-me num banco e deixei as lágrimas correrem livremente.

O telemóvel vibrou. Uma mensagem dele: “Desculpa. Não queria magoar-te.” Não respondi. Fiquei ali sentada, a pensar em tudo o que tinha dado por garantido. Será que errei em dar-lhe tanta liberdade? Ou será que errei em esperar que ele fosse sempre o meu menino?

Lembrei-me da minha mãe, da forma como ela me sufocava com cuidados e conselhos não pedidos. Sempre prometi ser diferente. Mas agora via-me igualzinha a ela: carente, insegura, incapaz de aceitar que o filho cresceu.

Decidi ir até ao hotel barato na Baixa onde tinha feito reserva “só por precaução” — como se já soubesse que isto ia acontecer. O recepcionista olhou-me com pena quando viu os olhos vermelhos. Subi ao quarto e sentei-me na cama dura, olhando para as paredes brancas e frias.

Peguei no telemóvel e escrevi uma mensagem à minha irmã Ana: “O Pedro não quis que ficasse lá em casa. Sinto-me tão sozinha.” Ela respondeu quase de imediato: “Ele está a crescer, Maria. Tens de lhe dar espaço. Mas também tens direito aos teus sentimentos.”

Passei a noite em claro, entre lágrimas e recordações. Lembrei-me do Pedro pequenino, dos Natais só nossos depois do divórcio, das férias em Vila Nova de Milfontes quando só tínhamos dinheiro para campismo. Lembrei-me também das discussões recentes: ele a acusar-me de ser controladora, eu a dizer-lhe que era ingrato.

Na manhã seguinte, tentei recompor-me antes de sair do hotel. Lisboa acordava devagarinho; o cheiro do café misturava-se com o das padarias abertas cedo. Decidi ir até ao mercado da Ribeira comprar fruta fresca — sempre foi o nosso ritual quando vinha visitá-lo.

Enquanto escolhia maçãs, ouvi alguém chamar pelo meu nome. Era a Dona Rosa, vizinha antiga do prédio onde vivi com o Pedro em criança.

— Maria! Que fazes por aqui tão cedo?

Sorri sem vontade. — Vim visitar o Pedro… mas fiquei num hotel.

Ela olhou-me com ternura. — Os filhos crescem e esquecem-se das mães… Mas depois voltam sempre.

As palavras dela ficaram comigo o resto do dia. Voltei ao hotel e sentei-me à janela do quarto, olhando para o Tejo ao longe. O telefone tocou; era o Pedro.

— Mãe… podemos falar?

Respirei fundo antes de atender.

— Diz.

— Desculpa por ontem. Eu… só queria evitar confusões com a Sofia. Ela acha estranho eu ainda depender tanto de ti.

Senti um nó na garganta.

— Não tens de escolher entre mim e ela…

— Eu sei! Mas às vezes sinto que nunca vou conseguir agradar às duas…

Ficámos em silêncio alguns segundos.

— Queres almoçar comigo hoje? — perguntou ele finalmente.

— Quero — respondi baixinho.

Encontrámo-nos num restaurante pequeno perto da Sé. O ambiente era tenso ao início; falávamos do tempo, das notícias, evitando o assunto da noite anterior. Finalmente arrisquei:

— Sabes… eu só queria sentir que ainda faço parte da tua vida.

Ele pegou na minha mão por cima da mesa.

— Fazes sempre parte da minha vida, mãe. Só preciso de aprender a ser adulto… e tu precisas de aprender a deixar-me ser.

Sorri com tristeza e orgulho ao mesmo tempo. Talvez fosse esse o segredo: aprender a deixar ir sem perder o amor.

No fim do almoço abraçámo-nos demoradamente na rua movimentada. Senti que algo tinha mudado entre nós — uma distância nova, mas também um respeito diferente.

Agora escrevo estas linhas do quarto do hotel, olhando para Lisboa lá fora e pensando: será que alguma vez estamos preparados para ver os nossos filhos crescerem? Ou será que ser mãe é aprender a amar à distância?

E vocês? Já sentiram este vazio quando os filhos deixam de precisar tanto de nós? Como lidaram com isso?