Porque a Avó Deixou de Visitar? O Silêncio Que Ecoa em Casa

— Mãe, porque é que a avó não vem cá? — perguntou o Tomás, com os olhos grandes e cheios de esperança, enquanto segurava o desenho que tinha feito para ela.

Fiquei sem resposta. O silêncio instalou-se entre nós, pesado como uma nuvem carregada. Olhei para a porta da sala, como se esperasse vê-la entrar a qualquer momento, com o seu sorriso cansado e o saco de pão quente na mão. Mas já lá vão seis meses desde a última visita da Dona Lurdes. Seis meses sem um telefonema, uma mensagem, um postal sequer. E tudo isto a viver na mesma vila, separados apenas por três ruas e um punhado de mágoas antigas.

O João, meu marido, tenta disfarçar. “A mãe anda ocupada, sabes como é…”, diz ele aos miúdos, mas nem ele acredita nisso. Eu vejo-o à noite, sentado no sofá, a olhar para o telemóvel como se esperasse uma notificação milagrosa. Mas nada. Só o silêncio.

A verdade é que nunca fui a nora preferida da Dona Lurdes. Desde o início do namoro com o João, sentia aquele olhar de desconfiança, como se eu fosse uma intrusa na família dela. “O João sempre foi muito chegado à mãe”, diziam-me as vizinhas. “Ela não gosta de partilhar.” No início tentei agradar-lhe: levava bolos feitos por mim quando íamos lá jantar, oferecia-lhe flores no aniversário. Ela agradecia com um sorriso breve e voltava logo ao seu mundo de novelas e croché.

Mas depois vieram as crianças. Pensei que tudo mudaria. Que ela se apaixonaria pelos netos, que viria cá ajudar-me nos dias difíceis, que seria aquela avó presente das histórias que lia em miúda. E durante algum tempo foi assim: vinha buscar o Tomás à escola, ficava com a Leonor quando eu precisava de ir ao médico, fazia sopa para todos quando eu estava doente. Mas depois… depois tudo mudou.

Lembro-me do último Natal juntos. A mesa cheia, as crianças a correrem pela casa, o João a abrir uma garrafa de vinho do Porto antigo. A Dona Lurdes estava calada, mais do que o costume. No fim da noite, quando todos já tinham ido dormir, ouvi-a discutir baixinho com o João na cozinha.

— Não percebo porque é que ela tem sempre de decidir tudo! — sussurrou ela, mas alto o suficiente para eu ouvir.
— Mãe, por favor… — respondeu ele, cansado.
— Tu eras diferente antes dela aparecer! — acusou ela.

No dia seguinte, saiu cedo sem se despedir de mim ou das crianças. Desde então, nunca mais foi a mesma.

Tentei ligar-lhe várias vezes. Mensagens ignoradas. Convites recusados com desculpas vagas: “Estou cansada”, “Tenho consulta”, “Hoje não dá”. O João também tentou, mas ela fechou-se numa concha impossível de abrir.

Os miúdos sentem falta dela. A Leonor fez anos em março e ficou à espera da avó até ao fim da festa. Quando percebeu que ela não vinha, chorou baixinho no meu colo. O Tomás desenha corações para ela e pede-me para os pôr no correio — mas nem sei se ela os recebe.

Às vezes dou por mim a pensar se fiz algo errado. Será que fui demasiado autoritária? Será que devia ter cedido mais? Ou será simplesmente inveja? A verdade é que nunca houve uma discussão aberta entre nós — só este silêncio corrosivo que vai crescendo entre as paredes da casa.

O João sente-se dividido. Ama a mãe, mas também me ama a mim e aos filhos. Tento não lhe mostrar o quanto isto me magoa, mas há dias em que não consigo evitar.

— Achas que ela vai voltar? — perguntei-lhe uma noite, enquanto arrumávamos a cozinha.
Ele encolheu os ombros.
— Não sei… A mãe é teimosa. Mas também sente falta dos miúdos, tenho a certeza.

Mas será mesmo assim? Ou será que ela prefere apagar-nos da vida dela a aceitar que o filho cresceu e tem agora outra família?

As vizinhas começaram a comentar. “A Dona Lurdes anda muito sozinha”, dizem umas. “Desde que o João casou nunca mais foi a mesma”, dizem outras. Sinto-me culpada por algo que não sei se fiz. Tento proteger os meus filhos desta ausência, mas como explicar-lhes que às vezes as pessoas simplesmente desaparecem das nossas vidas sem razão aparente?

No outro dia cruzei-me com ela no supermercado. Estava mais magra, com o cabelo apanhado num coque apressado. Olhou para mim por um segundo — só um segundo — e desviou o olhar para as maçãs.

— Dona Lurdes… — chamei eu, hesitante.
Ela fingiu não ouvir e continuou a escolher fruta como se eu fosse invisível.

Voltei para casa com um nó na garganta. O João tentou consolar-me:
— Ela precisa de tempo…
Mas quanto tempo é preciso para perdoar? Para aceitar?

Os dias vão passando e o vazio vai crescendo. Tento preencher as tardes dos miúdos com passeios ao parque, visitas à biblioteca, tardes de cinema em casa. Mas nada substitui aquele abraço de avó que eles tanto desejam.

Às vezes penso em ir lá bater-lhe à porta. Dizer-lhe tudo o que sinto: a mágoa, a preocupação pelos miúdos, o desejo sincero de paz entre nós. Mas depois lembro-me do olhar frio dela no supermercado e perco a coragem.

Será isto uma batalha perdida? Ou ainda há esperança de reconstruir esta ponte quebrada?

Sei que não sou perfeita — ninguém é — mas será justo privar as crianças do amor da avó por causa dos nossos desencontros?

E vocês? Já passaram por algo assim? Como lidaram com o silêncio de quem devia estar presente? O que fariam no meu lugar?