Pais Adolescentes em Lisboa: Entre Sonhos Roubados e Novos Caminhos

— Não podes estar a falar a sério, Mariana! — gritou a minha mãe, com as mãos a tremerem enquanto segurava o teste de gravidez. O silêncio que se seguiu foi tão pesado que quase me sufocava. O meu pai, sentado à mesa da cozinha, olhava para mim como se eu fosse uma estranha. Eu só conseguia pensar em como tudo tinha mudado num instante.

Tinha dezassete anos, estava no 12º ano na Escola Secundária de Benfica, e até há poucas semanas, o meu maior problema era decidir se ia para Letras ou Psicologia na faculdade. O Diogo, meu namorado desde o 10º ano, era o típico rapaz de bairro: sorriso fácil, sonhos grandes, mas pouca vontade de estudar. Quando lhe contei que estava grávida, ficou em silêncio durante minutos intermináveis. Depois disse apenas: — Não sei se consigo, Mariana. — E nunca mais voltou a ser o mesmo.

Os dias seguintes foram um turbilhão de emoções. A minha mãe chorava baixinho no quarto, o meu pai mal me dirigia a palavra. Os meus amigos afastaram-se — alguns por medo, outros por não saberem o que dizer. Senti-me sozinha como nunca antes. O Diogo começou a faltar às aulas e evitava-me sempre que podia. Uma noite, mandou-me uma mensagem: “Desculpa, não estou preparado para isto.” E desapareceu da minha vida.

A vergonha tornou-se minha companheira constante. No supermercado, sentia os olhares das vizinhas, os cochichos abafados: “Tão nova… onde é que isto vai parar?” Até os professores mudaram comigo; alguns tentavam ser compreensivos, outros olhavam-me com pena ou desdém. A minha mãe tentava proteger-me do mundo, mas eu via nos olhos dela o medo de que eu acabasse como tantas outras raparigas do bairro — sozinha, sem estudos, presa a uma vida que não escolhi.

O meu pai foi mais duro. Uma noite, depois do jantar, explodiu:
— Achas que isto é vida? Achas que é justo para nós? Para ti? Para essa criança?
Eu não tinha respostas. Só lágrimas.

Quando o Tomás nasceu — um parto difícil no Hospital de Santa Maria — senti um amor tão grande que quase me assustou. Mas também senti o peso esmagador da responsabilidade. As noites sem dormir, as fraldas, as cólicas… e a ausência do Diogo. O Tomás chorava muito e eu chorava com ele. A minha mãe ajudava como podia, mas trabalhava em dois empregos para pagar as contas. O meu pai mantinha-se distante; só pegou no neto ao fim de duas semanas.

Os meses passaram devagar. Tentei voltar à escola à noite, mas era impossível conciliar tudo. Os professores diziam-me para não desistir, mas eu sentia que já tinha perdido a corrida antes de começar. As amigas antigas já faziam planos para Erasmus e viagens de finalistas; eu fazia planos para comprar leite em pó e fraldas em promoção.

Um dia, encontrei o Diogo na rua. Estava diferente — mais magro, olhar perdido.
— Vi-te com o Tomás… — disse ele, sem saber onde pôr as mãos.
— Ele é teu filho — respondi, tentando conter a raiva e a tristeza.
— Eu não sei ser pai…
— Eu também não sabia ser mãe — respondi baixinho.
Ele foi-se embora sem olhar para trás.

A relação com os meus pais piorou antes de melhorar. O meu pai dizia que eu tinha estragado a vida; a minha mãe tentava mediar as discussões. Houve noites em que pensei em fugir, deixar tudo para trás. Mas depois olhava para o Tomás e sabia que não podia desistir dele.

Comecei a trabalhar numa pastelaria perto de casa. Era duro: acordar às cinco da manhã, deixar o Tomás com a minha mãe ou com a vizinha Dona Rosa, sorrir aos clientes enquanto sentia o cansaço colar-se à pele. Mas aquele salário mínimo era tudo o que tínhamos.

Os anos passaram e aprendi a viver com menos sonhos e mais realidade. Vi amigas casarem-se, outras partirem para fora do país à procura de uma vida melhor. Eu fiquei — por amor ao meu filho e por falta de opções. O Diogo reapareceu esporadicamente; nunca assumiu verdadeiramente o papel de pai. O Tomás cresceu a perguntar pelo pai e eu inventava histórias para preencher o vazio.

Aos vinte e três anos, consegui terminar o secundário à noite. Foi uma vitória pequena mas minha. O Tomás estava na pré-primária e dizia a toda a gente: “A minha mãe é a melhor do mundo.” Nessas alturas sentia-me invencível.

Mas os conflitos familiares nunca desapareceram completamente. O meu pai continuava amargo; dizia que eu era um exemplo do que não fazer na vida. A minha mãe envelheceu depressa demais — as rugas no rosto dela eram culpa minha, pensava eu nos dias maus.

Houve momentos em que odiei o Diogo por me ter deixado sozinha; outros em que odiei a mim própria por ter sido ingénua. Mas também houve momentos de ternura: quando o Tomás me abraçava ao acordar ou quando dizia “amo-te” sem razão aparente.

Hoje olho para trás e vejo uma estrada cheia de pedras e buracos — mas também cheia de pequenas vitórias. Não sou a Mariana sonhadora do 10º ano; sou uma mulher marcada pela vida, mas mais forte por isso.

Pergunto-me muitas vezes: teria sido diferente se tivesse tido apoio? Se o Diogo tivesse ficado? Se a sociedade não julgasse tanto? E vocês — acham que somos definidos pelos nossos erros ou pela coragem de continuar apesar deles?