Os Vizinhos Que Roubaram o Nosso Sonho: Entre Gritos, Intrigas e Sirenes
— Não aguento mais, Miguel! Eles estão outra vez a gritar na varanda! — sussurrei, com as mãos a tremer, enquanto olhava pela janela da cozinha. Era a terceira noite seguida em que os vizinhos do lado, o casal Lopes, discutiam como se o mundo inteiro tivesse de ouvir cada insulto, cada ameaça.
Miguel largou o jornal e veio até mim. — Rita, já tentámos falar com eles. Já ligámos para o condomínio. O que mais podemos fazer? — perguntou, com aquele olhar cansado que só quem já perdeu noites de sono conhece.
Quando comprámos este apartamento em Almada, há dois anos, parecia que finalmente tínhamos encontrado o nosso lugar no mundo. O prédio era antigo, mas cheio de charme; as árvores do jardim davam sombra no verão e as crianças brincavam no pátio sem medo. Lembro-me da primeira noite aqui: jantámos pizza no chão da sala, rodeados de caixas, e brindámos ao futuro. Nunca imaginei que esse futuro viesse carregado de tanta tensão.
Tudo começou de forma quase imperceptível. Um barulho aqui, uma porta batida ali. Mas rapidamente escalou. Dona Lurdes Lopes tinha uma voz estridente e um dom para transformar qualquer conversa num espetáculo público. O marido, Sr. António, era mais reservado, mas quando se irritava, ouvíamos os pratos a voar contra as paredes.
— Isto não é vida! — desabafei com a minha mãe ao telefone. — Eles discutem por tudo: dinheiro, filhos, até pelo cão!
— Filha, tenta não te meter. Essas coisas acabam mal — aconselhou-me ela, com aquela sabedoria de quem já viu muito.
Mas era impossível ignorar. As discussões começaram a envolver outros vizinhos. Uma noite, ouvi Dona Lurdes acusar a vizinha do terceiro andar de roubar correspondência. Outra vez, ameaçou chamar a polícia porque alguém estacionou na vaga dela.
O pior aconteceu numa sexta-feira chuvosa. Eu estava sozinha em casa quando ouvi gritos ainda mais altos do que o habitual. Corri à janela e vi Dona Lurdes na varanda, aos berros:
— Se não me deres o dinheiro hoje, juro que faço um escândalo! — gritava ela para dentro de casa.
De repente, ouvi um estrondo e depois silêncio. O meu coração disparou. Liguei para Miguel:
— Acho que aconteceu alguma coisa grave aqui ao lado!
Ele chegou a casa em minutos e juntos decidimos chamar a polícia. Quando os agentes chegaram, Dona Lurdes estava sentada no chão da sala deles, a chorar e a acusar o marido de agressão. O Sr. António negava tudo, mas foi levado para prestar declarações.
A partir desse dia, a polícia tornou-se presença regular no nosso prédio. Os vizinhos começaram a evitar passar pelo corredor deles; as crianças deixaram de brincar no pátio.
Uma noite, enquanto tentava adormecer a nossa filha Leonor, ouvi passos apressados na escada. Fui espreitar pelo olho mágico e vi Dona Lurdes a discutir com outro vizinho:
— O senhor não manda aqui! Eu faço barulho se quiser! — gritava ela.
No dia seguinte, encontrámos ovos partidos na nossa porta. Miguel ficou furioso.
— Isto já passou todos os limites! — exclamou ele. — Vou falar com o administrador do condomínio.
A reunião foi um desastre. Dona Lurdes apareceu de robe e chinelos e começou logo aos gritos:
— Vocês têm inveja porque eu digo as verdades! Se querem silêncio vão viver para o campo!
O administrador tentou acalmar os ânimos, mas saiu dali com mais cabelos brancos do que entrou.
As semanas passaram e os episódios multiplicaram-se: lixo atirado pela janela deles para o nosso quintal; insultos murmurados quando nos cruzávamos nas escadas; ameaças veladas sobre “conhecer gente perigosa”.
Comecei a ter medo de sair sozinha de casa. Leonor perguntou-me uma noite:
— Mamã, porque é que aquela senhora está sempre zangada?
Não soube responder-lhe.
Miguel sugeriu mudarmo-nos. — Isto não vai melhorar — disse ele. — Estamos a viver num ambiente tóxico.
Mas eu sentia-me derrotada só de pensar nisso. Tínhamos investido tudo nesta casa. Era aqui que queria ver Leonor crescer.
Numa manhã de sábado, enquanto tomávamos pequeno-almoço, ouvimos uma discussão ainda mais violenta do que o habitual. De repente, ouvimos vidro a partir-se e um grito agudo. Corri para o telefone e liguei novamente para a polícia.
Desta vez vieram três carros patrulha. O prédio encheu-se de agentes e vizinhos curiosos à janela. Dona Lurdes saiu algemada; o Sr. António foi levado numa ambulância.
O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Pela primeira vez em meses dormimos uma noite inteira sem sobressaltos.
Mas o trauma ficou. Leonor passou semanas sem querer dormir sozinha; eu acordava sobressaltada ao menor ruído.
Os Lopes acabaram por ser despejados por ordem judicial. O apartamento ficou vazio durante meses; ninguém queria arriscar-se a ser “o novo vizinho do lado”.
Hoje olho para trás e pergunto-me: como é possível que duas pessoas consigam destruir a paz de um prédio inteiro? Será que algum dia voltaremos a sentir-nos verdadeiramente em casa?
Às vezes dou por mim a pensar: quantos sonhos terão sido destruídos por vizinhos assim? E vocês? Já passaram por algo semelhante? Como conseguiram recuperar o vosso lar depois do caos?