Os Três Amores da Minha Vida: Entre Promessas e Desilusões
— Não me peças para escolher, mãe! — gritei, sentindo a garganta arder, as lágrimas a ameaçarem cair. O cheiro do café queimado misturava-se com o perfume barato da minha mãe, e o relógio da cozinha marcava 2h17 da manhã. O meu pai estava sentado à mesa, olhar fixo no tampo de madeira, como se ali encontrasse as respostas para a nossa desgraça.
— Mariana, tu és a mais velha. Tens de dar o exemplo à tua irmã — insistiu ela, voz trémula, mas firme. — Não podes andar com o Rui. Ele não é para ti.
O Rui. O meu primeiro amor. O rapaz do bairro ao lado, com olhos castanhos e sorriso fácil. Conhecemo-nos na escola secundária de Benfica, entre cadernos rabiscados e sonhos de liberdade. Ele era tudo o que eu queria ser: destemido, rebelde, apaixonado pela vida. E eu era só a Mariana, filha de pais cansados e irmã de uma miúda que me imitava em tudo.
Naquela noite, depois da discussão, fugi pela janela do quarto. O Rui esperava-me junto ao muro do quintal, cigarro aceso e mãos nos bolsos.
— Vieste mesmo — disse ele, voz baixa.
— Não podia ficar lá dentro — respondi, sentindo o coração aos pulos.
Corremos pelas ruas vazias de Lisboa, rindo como se o mundo fosse nosso. Mas o mundo não era nosso. O Rui acabou por se meter em problemas — pequenos furtos, más companhias — e eu fui arrastada para um abismo de escolhas erradas. Quando a polícia bateu à porta de casa numa madrugada fria de janeiro, vi nos olhos da minha mãe uma mistura de raiva e desespero.
— Mariana, tu matas-me do coração! — gritou ela, enquanto eu era levada para prestar declarações.
O Rui foi condenado a dois anos de prisão. Eu fiquei sozinha, com a culpa a corroer-me por dentro. A minha irmã deixou de falar comigo durante meses. O meu pai limitava-se a suspirar fundo sempre que me via. E eu? Eu prometi nunca mais amar assim — com tanta entrega, tanta cegueira.
O tempo passou. Fui estudar para Coimbra, tentando recomeçar longe dos fantasmas de Lisboa. Foi lá que conheci o Miguel. Ele era diferente do Rui: calmo, estudioso, filho único de uma família tradicional de Viseu. Apaixonámo-nos devagarinho, entre cafés na Praça da República e tardes na Biblioteca Joanina.
— Mariana, contigo sinto-me em casa — dizia ele, segurando-me a mão enquanto caminhávamos junto ao Mondego.
A família dele acolheu-me como se fosse filha deles. Pela primeira vez senti estabilidade: jantares em família ao domingo, férias no Gerês, planos para o futuro. Mas havia sempre uma sombra dentro de mim — uma inquietação que não me deixava sossegar.
Quando terminei o curso e arranjei trabalho num escritório em Lisboa, o Miguel pediu-me em casamento. Aceitei por medo de perder aquela paz frágil que tinha construído. Mas no fundo sabia que não era amor verdadeiro — era gratidão misturada com medo da solidão.
O casamento foi bonito, simples. A minha mãe chorou de orgulho; o meu pai sorriu como há muito não via. Mas logo vieram as rotinas sufocantes: trabalho-casa-trabalho, conversas sobre contas e filhos que nunca chegavam. O Miguel queria estabilidade; eu queria sentir outra vez aquele fogo antigo.
Foi numa dessas noites solitárias que conheci a Inês. Trabalhava comigo no escritório — cabelos curtos, olhar intenso, gargalhada contagiante. Tornámo-nos amigas rapidamente; partilhávamos almoços apressados e confidências sussurradas no refeitório.
— Mariana, alguma vez sentiste que estás a viver a vida de outra pessoa? — perguntou ela um dia.
A pergunta ficou a ecoar na minha cabeça durante semanas. Comecei a evitar o Miguel; inventava horas extra no trabalho só para estar com a Inês. Um dia dei por mim a desejar os beijos dela mais do que qualquer abraço do meu marido.
O nosso caso foi breve e intenso — feito de encontros às escondidas e promessas impossíveis. Quando o Miguel descobriu tudo através de uma mensagem esquecida no telemóvel, o mundo desabou outra vez.
— Como pudeste? — perguntou ele, olhos vermelhos de chorar.
Não soube responder-lhe. Só sabia que precisava de me encontrar antes de poder amar alguém verdadeiramente.
Divorciei-me aos 32 anos. A minha mãe deixou de me falar durante meses; dizia que eu tinha destruído tudo por capricho. A minha irmã chamou-me egoísta; o meu pai limitou-se a desaparecer nos seus silêncios habituais.
Fiquei sozinha num pequeno apartamento em Campo de Ourique, rodeada de livros e arrependimentos. Passei noites inteiras a chorar no sofá, a perguntar-me se algum dia seria capaz de amar sem me perder pelo caminho.
Foi então que conheci o Pedro — vizinho do terceiro andar, viúvo recente com uma filha pequena chamada Leonor. Começámos por trocar cumprimentos tímidos no elevador; depois vieram os cafés partilhados na varanda e as conversas longas sobre perdas e recomeços.
— Mariana, achas que é possível amar outra vez depois de tanta dor? — perguntou ele numa noite chuvosa.
Não soube responder-lhe na altura. Mas aos poucos fui percebendo que o amor não é sempre fogo ou tempestade — às vezes é só um abrigo tranquilo depois da guerra.
Com o Pedro aprendi a aceitar as minhas cicatrizes e as dele. A Leonor ensinou-me a rir outra vez das pequenas coisas: um gelado caído no chão, um desenho torto colado no frigorífico. Não foi um amor avassalador como o do Rui; nem seguro como o do Miguel; nem proibido como o da Inês. Foi um amor possível — feito de imperfeições e segundas oportunidades.
Hoje olho para trás e vejo os três amores da minha vida como capítulos distintos: cada um necessário à sua maneira; cada um deixando marcas profundas na minha alma portuguesa marcada por saudade e esperança.
Pergunto-me muitas vezes: será que alguma vez amamos verdadeiramente alguém ou apenas procuramos pedaços de nós nos outros? E vocês? Já sentiram que tiveram mais do que um grande amor na vida?