O Último Pedido da Minha Sogra: Entre o Amor e a Ruína

— Não me peças isso, Dona Elisa. Por favor, não me peças isso… — sussurrei, sentindo o coração bater tão forte que parecia querer saltar-me do peito.

Ela olhou-me com aqueles olhos frios, tão diferentes do sorriso forçado que exibia diante dos outros. — Mariana, não é um pedido. É uma necessidade. Se amas o meu filho, vais fazer isto por ele… e por mim.

Isaac estava na sala ao lado, fingindo que lia o jornal, mas eu sabia que ouvia cada palavra. O silêncio dele era mais pesado do que qualquer resposta. Desde que Dona Elisa se mudara para o nosso pequeno apartamento em Benfica, Lisboa, a tensão era quase palpável. O cheiro do seu perfume forte misturava-se com o aroma do café que ela insistia em fazer todas as manhãs, como se quisesse marcar território.

Tudo começou há seis meses, quando o médico lhe diagnosticou uma doença degenerativa. O seu grande casarão em Sintra tornou-se impossível de manter. Isaac, sempre relutante em lidar com a mãe, sugeriu vendermos a casa e encontrarmos um lugar maior para todos. Eu aceitei porque achei que era o certo a fazer — afinal, família é família, não é?

Mas Dona Elisa nunca me aceitou verdadeiramente. Sempre fazia questão de lembrar que Isaac merecia alguém “à altura”, alguém com mais posses, mais educação, mais… tudo. Eu era apenas uma professora primária de Almada, filha de pais trabalhadores e sem grandes ambições além de ser feliz.

Naquela noite, depois do jantar — arroz de pato que ela criticou por estar “seco” — ela chamou-me à cozinha. Foi aí que fez o tal pedido: queria que eu convencesse Isaac a colocar a nova casa apenas no nome dela.

— Mariana, tu sabes como ele é influenciável. Se tu falares com jeito, ele faz tudo por ti. Eu preciso dessa segurança. Não confio em mais ninguém.

Fiquei sem palavras. Era como se ela quisesse garantir que, caso algo acontecesse entre mim e Isaac, eu ficasse sem nada. Ou pior: que eu nunca tivesse direito àquela casa.

— Dona Elisa, isso não é justo…

Ela interrompeu-me com um gesto brusco. — Justo? Justo foi criar um filho sozinha depois que o pai dele nos deixou! Justo é ver o meu próprio filho afastar-se de mim por tua causa! — A voz dela tremia de raiva e mágoa.

Naquela noite, Isaac e eu discutimos como nunca antes. Ele dizia que era só uma formalidade, que a mãe estava doente e precisava sentir-se segura. Mas eu sabia que era mais do que isso. Era uma questão de confiança — ou da falta dela.

Os dias seguintes foram um inferno. Dona Elisa fazia questão de me ignorar ou lançar olhares cortantes sempre que passava por mim no corredor. Comecei a sentir-me uma intrusa na minha própria casa. Até os meus gatos pareciam desconfortáveis com a presença dela.

Certa manhã, ouvi-a ao telefone com a irmã, tia Lurdes:

— Ela não vai durar muito aqui. Vais ver… O Isaac vai perceber quem ela é realmente.

Senti-me traída e humilhada. Contei tudo a Isaac, esperando apoio. Mas ele limitou-se a encolher os ombros:

— A minha mãe sempre foi assim… Não vale a pena levares a peito.

Mas eu levava. Cada palavra dela era uma ferida aberta.

As semanas passaram e a pressão aumentou. Dona Elisa começou a insinuar que eu não queria filhos porque tinha medo de perder a minha “liberdade”. Disse até à vizinha do lado que eu era “fria” e “interesseira”.

Numa noite chuvosa de novembro, depois de mais uma discussão acesa sobre o futuro da casa, Isaac saiu porta fora sem dizer para onde ia. Fiquei sozinha com Dona Elisa, que aproveitou para lançar a última cartada:

— Mariana, se não fizeres isto por mim… eu conto ao Isaac aquilo que tu escondes dele.

O sangue gelou-me nas veias. Ela sabia do aborto espontâneo que tive antes de casar com Isaac — um segredo doloroso que só partilhei com a minha mãe e com o meu diário.

— Como… como sabe disso?

Ela sorriu de canto. — As pessoas falam. E eu ouço tudo.

Senti-me encurralada. Passei a noite em claro, ouvindo os ponteiros do relógio e pensando no que fazer. No dia seguinte, decidi enfrentar Isaac:

— Se confias em mim, não podes aceitar este pedido da tua mãe. Não posso viver numa casa onde não sou bem-vinda nem respeitada.

Ele olhou-me nos olhos pela primeira vez em semanas. Vi ali o rapaz inseguro que sempre tentou agradar à mãe e ao mundo inteiro.

— Mariana… eu não sei o que fazer…

— Escolhe — respondi, com lágrimas nos olhos — entre proteger a tua mãe ou proteger o nosso casamento.

Isaac saiu novamente sem dizer palavra. Horas depois voltou com os olhos vermelhos e as mãos trémulas:

— Vendi a casa de Sintra hoje… Mas pus metade no teu nome e metade no nome da minha mãe. Não quero perder nenhuma das duas.

Dona Elisa ficou furiosa quando soube da decisão. Gritou, chorou, ameaçou sair de casa e nunca mais falar connosco. Mas no fundo sabia que tinha perdido o controlo.

Os meses seguintes foram difíceis. Dona Elisa foi piorando rapidamente e acabou por ser internada num lar especializado em cuidados paliativos. Antes de partir, chamou-me ao quarto:

— Mariana… perdoa-me… Eu só queria sentir-me segura…

Segurei-lhe na mão fria e enrugada. Pela primeira vez vi nela uma mulher assustada, não uma inimiga.

Isaac e eu reconstruímos aos poucos a nossa relação. A casa tornou-se finalmente um lar — nosso, apesar das cicatrizes.

Às vezes pergunto-me: até onde devemos ir para agradar à família? E quando é que aprendemos a proteger-nos sem perder quem amamos? O que vocês fariam no meu lugar?