O Último Adeus: Quando o Amor se Perde Entre Mentiras e Dívidas

— Não me olhes assim, Sofia. Não fui eu que destruí isto tudo. — A voz do Rui ecoava fria pela cozinha, enquanto eu apertava a chávena de chá com tanta força que temi parti-la.

— Não foste tu? Então quem foi? — respondi, tentando controlar o tremor na minha voz. O cheiro do café queimado misturava-se ao perfume dela, ainda pairando no ar desde a última vez que a vi sair da nossa casa. A casa onde prometemos criar a nossa filha, Leonor.

Nunca pensei que a minha vida fosse resumir-se a este momento: eu, de robe, com olheiras profundas, a discutir contas e traições enquanto a Leonor chorava no quarto ao lado. Rui era o homem perfeito aos olhos de todos: empreendedor de sucesso, sempre sorridente nos jantares de família, generoso com os amigos. Mas ninguém sabia da sombra que crescia entre nós.

A primeira vez que desconfiei foi numa noite de dezembro. Ele chegou tarde, com cheiro a vinho e um sorriso estranho. — Tive uma reunião importante — disse, sem me olhar nos olhos. No dia seguinte, encontrei um brinco dourado no carro dele. Não era meu.

Confrontei-o semanas depois, quando já não aguentava mais o peso da dúvida. — Rui, há outra mulher? — perguntei, a voz embargada. Ele riu-se, como se fosse impossível. Mas os olhos dele fugiram dos meus.

Quando finalmente admitiu, já eu sabia. O pior não foi a traição física, mas o abandono emocional. Eu estava grávida de oito meses quando ele fez as malas e saiu de casa. — Preciso de espaço — disse. — Isto não está a funcionar.

Fiquei sozinha para trazer a Leonor ao mundo. A minha mãe veio ajudar-me nos primeiros dias, mas sentia-me vazia. O berço parecia grande demais para um só bebé e uma mãe despedaçada.

O Rui prometeu ajudar financeiramente. — Não te preocupes, Sofia. A Leonor é minha filha também. — Mas as promessas dele eram como folhas ao vento.

Quando pedi ajuda para pagar as fraldas e o leite, ele começou a adiar transferências. — O negócio está difícil — dizia sempre. — Sabes como é Portugal agora, tudo em crise.

Desconfiada, procurei um advogado. Descobri então que Rui tinha declarado falência pouco depois de sair de casa. As contas estavam vazias, os carros vendidos em nome da empresa, a casa hipotecada para um banco qualquer no Luxemburgo.

— Ele escondeu tudo — explicou-me o Dr. Álvaro, o advogado. — É um esquema comum: passa os bens para familiares ou empresas-fantasma e declara-se insolvente.

Senti-me traída outra vez. Não só como mulher, mas como mãe da filha dele. O processo arrastou-se meses nos tribunais de Lisboa. Rui aparecia sempre impecável nas audiências, com fatos caros e um sorriso cínico.

— Sofia só quer dinheiro — dizia ele à juíza. — Eu amo a minha filha, mas não posso dar o que não tenho.

A minha família dividiu-se. O meu pai achava que eu devia aceitar um acordo qualquer e seguir em frente. A minha irmã dizia-me para lutar até ao fim.

— Não é só por ti, Sofia — insistia ela. — É pela Leonor. Ela merece saber que a mãe não desistiu dela.

Os meses passaram e as contas acumularam-se: renda atrasada, luz cortada duas vezes, telefonemas do banco a ameaçar penhora. Comecei a trabalhar à noite num café para pagar as despesas básicas.

Certa noite, enquanto limpava mesas vazias às três da manhã, perguntei-me como tinha chegado ali. Eu era licenciada em Direito, tinha sonhos de abrir o meu próprio escritório. Agora mal conseguia comprar leite para a minha filha.

Um dia recebi uma mensagem da nova mulher do Rui: “Deixa-o em paz. Ele já tem uma nova família.” Senti uma raiva surda misturada com inveja amarga: ela tinha tudo o que eu perdi.

A Leonor crescia sem perceber metade do que se passava à volta dela. Mas às vezes perguntava:

— Mamã, porque é que o papá não vem buscar-me?

Eu inventava desculpas: “O papá está a trabalhar.” “O papá está longe.” Mas cada mentira era uma facada no peito.

No Natal desse ano, Rui apareceu de surpresa com um presente caro para a Leonor: uma bicicleta cor-de-rosa com rodinhas brilhantes.

— Vês? Eu não sou um mau pai — disse-me ao ouvido enquanto ela desembrulhava o laço.

Mas eu sabia que era só fachada. No mês seguinte voltou a atrasar o pagamento da pensão mínima que o tribunal lhe tinha imposto.

A pressão aumentava de todos os lados: vizinhos curiosos, colegas de trabalho que cochichavam sobre “a mulher abandonada”, familiares que me olhavam com pena ou julgamento.

Uma noite, depois de adormecer a Leonor com uma história inventada sobre princesas corajosas, sentei-me no chão da sala e chorei como nunca tinha chorado antes.

— Porque é que isto me aconteceu? — sussurrei para o vazio.

No meio do desespero, comecei a escrever cartas à Leonor para ela ler quando fosse mais velha. Queria que soubesse toda a verdade: sobre o amor que senti pelo pai dela, sobre as promessas quebradas, sobre a força que encontrei quando tudo parecia perdido.

O processo judicial arrastou-se durante dois anos. No fim, Rui conseguiu escapar quase incólume: pagou uma ninharia e continuou a viver bem graças aos esquemas montados com amigos e familiares cúmplices.

Eu fiquei com as contas e as cicatrizes invisíveis da luta diária.

Hoje olho para trás e pergunto-me se fiz tudo certo. Se devia ter lutado mais ou simplesmente deixado ir mais cedo. Se algum dia vou conseguir confiar em alguém outra vez.

Mas olho para a Leonor e vejo nela toda a razão do meu esforço.

E pergunto-me: quantas mulheres em Portugal vivem histórias como esta todos os dias? Quantas mães são obrigadas a escolher entre justiça e sobrevivência? E será que algum dia vamos conseguir mudar este ciclo de mentiras e impunidade?

E vocês? O que fariam no meu lugar?