O Testamento Que Mudou a Minha Vida: Descobri Que O Meu Marido Deixou Tudo Para Outra Mulher

— Não pode ser, doutor. O senhor está a ler mal. — A minha voz saiu-me trémula, quase um sussurro, enquanto olhava para o advogado sentado à minha frente, com os papéis do testamento do João espalhados na mesa de carvalho. O cheiro a café frio misturava-se com o perfume doce da minha sogra, sentada ao meu lado, de mãos apertadas no colo.

O doutor Mário levantou os olhos por cima dos óculos e repetiu, com aquela calma insuportável de quem já viu demasiadas famílias desmoronarem-se ali mesmo, naquele escritório: — Dona Teresa, está tudo aqui, assinado e reconhecido. O seu marido deixou-lhe a casa, mas a parte dele na empresa e a conta poupança vão para uma senhora chamada Vera Martins.

Vera Martins. Nunca ouvi aquele nome na vida. Senti o coração a bater tão forte que temi desmaiar. O João e eu crescemos juntos em Vila Nova de Gaia, no bairro das Fontainhas. Ele era dois anos mais velho, sempre com aquele sorriso fácil e as mãos sujas de óleo das bicicletas que arranjava para os amigos. Eu era mais reservada, preferia os livros e os passeios junto ao Douro. Só nos aproximámos anos depois, já adultos, quando um amigo em comum nos juntou num jantar de aniversário.

— Teresa, tens de comer qualquer coisa — murmurou a minha sogra, tentando passar-me uma bolacha Maria. Mas eu só conseguia olhar para o vazio.

O João era engenheiro civil, apaixonado por construir e consertar tudo à sua volta. Eu tornei-me professora primária, orgulhosa dos meus meninos e das pequenas vitórias diárias. Casámo-nos numa tarde de setembro, com chuva miudinha e promessas de amor eterno. Tivemos uma filha, a Mariana, que agora estudava em Lisboa e não fazia ideia do que se estava a passar.

A nossa vida era simples mas feliz — ou assim pensava eu. Tínhamos discussões como todos os casais: sobre dinheiro, sobre o tempo que ele passava na empresa com o sócio Rui, sobre as férias que adiávamos sempre para o ano seguinte. Mas nunca imaginei que houvesse outra mulher.

— Quem é esta Vera? — perguntei ao advogado, tentando manter a dignidade.

Ele folheou os papéis. — Não tenho mais informações. Só sei que o senhor João deixou instruções claras para que ela fosse contactada.

A minha sogra começou a chorar baixinho. — O meu filho nunca faria isto…

Mas fez. E agora eu estava ali, sentada entre memórias e dúvidas, sem saber onde procurar respostas.

Nessa noite não dormi. O silêncio da casa parecia mais pesado sem o João. Fui à sala e sentei-me no sofá onde tantas vezes nos rimos juntos das novelas da SIC. Peguei numa das camisas dele ainda pendurada atrás da porta do quarto e abracei-a como se pudesse trazer de volta o tempo em que tudo fazia sentido.

No dia seguinte, liguei ao Rui, o sócio do João.

— Rui, preciso de falar contigo. Urgente.

Encontrámo-nos no café Central. Ele chegou atrasado, com ar cansado e olhar esquivo.

— Teresa… eu não sabia que ele tinha feito isso. Juro-te.

— Sabes quem é a Vera Martins?

Ele hesitou antes de responder:

— Ouvi falar dela uma vez ou outra… Era uma cliente antiga da empresa. Acho que tiveram algum tipo de relação…

— Relação? Como assim?

Ele baixou os olhos para o café.

— Teresa… O João era meu amigo, mas também era homem. Às vezes as pessoas fazem coisas que não conseguimos explicar.

Senti-me traída duas vezes: pelo João e pelo Rui, que sabia mais do que dizia.

Passei dias a vasculhar papéis antigos, emails, mensagens no telemóvel do João. Encontrei algumas conversas com uma tal de Vera — nada explícito, mas havia ternura nas palavras dele. “Espero que estejas bem.” “Se precisares de alguma coisa, diz.” “Gosto de te ver sorrir.” Cada frase era uma facada.

Contei à Mariana quando ela veio passar um fim-de-semana connosco.

— Mãe… achas mesmo que o pai tinha outra mulher?

— Não sei o que pensar, filha. Só sei que ele deixou tudo preparado para ela.

A Mariana ficou em silêncio durante muito tempo. Depois abraçou-me com força.

— Vamos descobrir juntas quem ela é.

Foi a Mariana quem encontrou o perfil da Vera nas redes sociais: uma mulher de cabelos castanhos claros, sorriso aberto, uns anos mais nova do que eu. Trabalhava numa loja de flores no centro do Porto. Fomos lá num sábado chuvoso.

Quando entrei na loja, senti um nó no estômago. A Vera estava a arranjar um ramo de rosas brancas.

— Bom dia… posso ajudar?

A voz dela era doce, mas firme.

— Sou Teresa… Teresa Almeida. Era mulher do João Almeida.

Ela ficou pálida por um segundo, mas recuperou rapidamente a compostura.

— Lamento muito a sua perda.

— Preciso de perceber… porquê? Porque é que ele lhe deixou tudo?

Ela pousou as flores e olhou-me nos olhos.

— O João ajudou-me muito numa altura difícil da minha vida. Não tivemos um caso — se é isso que pensa. Ele foi meu amigo quando ninguém mais foi. Quando o meu filho ficou doente e precisei de dinheiro para tratamentos caros em Espanha… Ele nunca me pediu nada em troca. Só me disse para não contar a ninguém.

Fiquei sem palavras. A raiva misturava-se com alívio e confusão. E se fosse verdade? E se o João tivesse feito tudo aquilo por bondade?

Saí da loja sem saber se chorava ou gritava. A Mariana caminhava ao meu lado em silêncio.

Em casa, sentei-me à mesa da cozinha com a minha sogra.

— O João sempre foi bom rapaz — disse ela baixinho. — Mas devia ter confiado em ti…

Os dias passaram devagar. A dor da perda misturava-se com a dor da dúvida. Os vizinhos começaram a comentar — em Vila Nova de Gaia as notícias correm depressa — e eu sentia os olhares curiosos sempre que ia ao supermercado ou à missa ao domingo.

O Rui acabou por confessar-me que sabia da ajuda do João à Vera há anos, mas prometeu guardar segredo porque “não era assunto dele”. Senti-me ainda mais sozinha.

A empresa ficou nas mãos da Vera — ela vendeu rapidamente a sua parte ao Rui e usou o dinheiro para pagar as dívidas do tratamento do filho e recomeçar longe dali. Nunca mais a vi.

Fiquei com a casa onde vivi tantos anos com o João e com as memórias de um casamento que afinal não conhecia tão bem como pensava.

Hoje olho para trás e pergunto-me: quantos segredos cabem num coração? Será possível perdoar quem amamos mesmo depois de partirem? E vocês… já sentiram que toda a vossa vida podia mudar num instante?