O Testamento Que Despedaçou a Minha Vida: Quando o Amor Esconde Segredos
— Mariana, tens a certeza que queres ouvir isto agora? — perguntou o Dr. Álvaro, o advogado da família, com a voz embargada, enquanto segurava o envelope pardo com o testamento do meu marido. O silêncio pesado da sala parecia sufocar-me. O cheiro a madeira antiga misturava-se com o perfume doce da minha sogra, sentada ao meu lado, de mãos crispadas no colo. O meu filho, Tiago, olhava para o chão, evitando o meu olhar. Eu só conseguia pensar: “O que mais me pode acontecer depois de perder o João?”
— Quero, Dr. Álvaro. Preciso de saber — respondi, tentando manter a voz firme, mas sentindo o coração a bater descompassado.
O advogado pigarreou, abriu o envelope e começou a ler. As primeiras linhas eram previsíveis: palavras bonitas sobre a família, sobre o amor que sentia por mim e pelo Tiago. Mas, de repente, a sua voz tremeu:
— …e deixo cinquenta por cento da minha parte na empresa familiar, bem como a quantia de cento e vinte mil euros, a Ana Rita Silva, residente em Braga.
O tempo parou. Ana Rita Silva? Quem era esta mulher? Olhei para o Dr. Álvaro, para a minha sogra, para o Tiago. Ninguém parecia saber quem era. Senti o sangue fugir-me do rosto. A minha sogra começou a chorar baixinho. O Tiago levantou-se de rompante:
— O pai nunca faria isto! — gritou, antes de sair porta fora, batendo com a porta com tanta força que os vidros estremeceram.
Fiquei ali, sentada, sem conseguir mexer-me. O João, o meu João, o homem com quem partilhei vinte anos de vida, tinha deixado metade do nosso mundo a uma mulher desconhecida. O que é que isto queria dizer? Traiu-me? Tinha outra família? Ou era apenas uma amiga, alguém a quem devia algo?
As noites seguintes foram um tormento. O Tiago mal falava comigo. A minha sogra culpava-me em silêncio, como se eu tivesse alguma responsabilidade nisto. Os telefonemas dos sócios da empresa não paravam: “O que vai acontecer agora, Mariana?” “Quem é esta mulher?” “Vamos perder tudo?”
Na manhã seguinte, depois de uma noite sem dormir, decidi que não podia continuar assim. Liguei ao Dr. Álvaro:
— Preciso de saber quem é esta Ana Rita Silva. Ajude-me, por favor.
Ele hesitou, mas acabou por me dar o contacto dela. O número ficou a arder-me nas mãos durante horas, até que finalmente ganhei coragem para ligar.
— Estou? — atendeu uma voz jovem, doce, mas firme.
— Ana Rita Silva? Fala Mariana, a viúva do João Correia.
Silêncio. Um silêncio tão pesado que quase me fez desligar.
— Olá, Mariana. Estava à espera deste telefonema — respondeu ela, com uma serenidade que me desarmou.
Marcámos encontro num café discreto em Braga. Quando cheguei, vi uma mulher de trinta e poucos anos, cabelo castanho apanhado num coque, olhos verdes e um sorriso triste. Levantou-se e estendeu-me a mão.
— Obrigada por vir, Mariana. Sei que deve estar a sofrer muito.
— Quero saber quem é, e porque é que o meu marido lhe deixou metade do que construiu comigo — disparei, sem rodeios.
Ela respirou fundo.
— O João era meu pai.
Senti o chão fugir-me dos pés. Pai? Como assim? O João nunca me falou de nenhuma filha além do Tiago. A minha cabeça rodopiava.
— Não pode ser. Deve estar enganada. O João nunca… — tentei argumentar, mas ela interrompeu-me.
— Tenho provas. Cartas, fotografias, até um teste de ADN. Ele conheceu a minha mãe antes de si, mas nunca assumiu a relação. Só há três anos é que começámos a falar. Ele queria compensar o tempo perdido.
As lágrimas começaram a escorrer-me pelo rosto. O João, o homem que sempre me disse que eu era o seu grande amor, tinha escondido uma filha durante vinte anos. E agora, no momento da sua morte, deixava metade do nosso mundo a esta estranha.
Voltei para casa em choque. O Tiago estava à minha espera na sala.
— Foste falar com ela, não foste? — perguntou, com os olhos vermelhos de tanto chorar.
Assenti.
— Ela é tua irmã, Tiago. O teu pai… — não consegui acabar a frase.
Ele atirou uma almofada contra a parede.
— Odeio-o! Odeio-o por nos ter feito isto! — gritou, antes de se encolher no sofá, soluçando.
Durante semanas, a casa foi um campo de batalha. A minha sogra recusava-se a aceitar a Ana Rita. Os sócios da empresa pressionavam-me para resolver a situação rapidamente. O Tiago fechou-se no quarto, faltando à escola e recusando-se a falar comigo ou com qualquer pessoa.
Eu própria sentia-me perdida. O João tinha sido tudo para mim: o meu companheiro, o meu confidente, o pai do meu filho. Agora, parecia um estranho. Comecei a vasculhar as gavetas, à procura de respostas. Encontrei cartas antigas, fotografias de uma jovem com um bebé nos braços — Ana Rita e a mãe dela. Cartas de desculpas, promessas de um futuro melhor. O João tinha vivido uma vida paralela de culpa e arrependimento.
Numa noite de tempestade, sentei-me à mesa da cozinha com a minha sogra.
— Ele era meu filho, Mariana. Mas nunca foi perfeito. Sempre teve segredos. Eu sabia que havia algo, mas nunca quis perguntar — confessou ela, com a voz embargada.
— E agora? O que fazemos? — perguntei, desesperada.
— Agora, tentamos perdoar. Por nós, pelo Tiago, pela Ana Rita. Não podemos mudar o passado.
As palavras dela ficaram a ecoar na minha cabeça. Perdoar? Como se perdoa uma traição destas? Como se reconstrói uma família feita em pedaços?
Os meses passaram. A Ana Rita mostrou-se sempre disponível para conversar, para tentar construir uma ponte entre nós. O Tiago resistiu, mas aos poucos começou a aceitar a ideia de ter uma irmã. A empresa foi dividida, com muita dor e discussões, mas sobrevivemos.
Hoje, olho para trás e vejo uma mulher diferente no espelho. Mais forte, mais desconfiada, mas também mais aberta à verdade, por mais dolorosa que seja. O João amou-me à sua maneira, mas nunca foi capaz de ser totalmente honesto. E eu? Serei capaz de amar de novo, sabendo que o amor pode esconder segredos tão profundos?
Será que algum de nós conhece verdadeiramente quem está ao nosso lado? O que fariam se descobrissem um segredo assim? Quero ouvir as vossas histórias.