O Telefone da Sara e o Segredo do Miguel: Quando a Verdade Dói Mais Que a Mentira
— Não desligues, por favor! — ouvi a voz do Miguel, abafada, do outro lado da linha. O telefone da Sara tremia na minha mão. O meu coração batia tão alto que quase não ouvia mais nada. Por um segundo, pensei que estava a imaginar coisas. Mas era mesmo ele. O meu marido. O homem com quem partilhava a vida há dez anos.
A tarde tinha começado como tantas outras. Saí do escritório, cansada, mas determinada a passar por casa da Sara antes de ir para casa. Ela tinha-me mandado uma mensagem a pedir companhia. Desde o divórcio, Sara andava mais frágil, e eu fazia questão de estar presente. Quando cheguei, ela estava de roupão, cabelo preso num coque desleixado, olhos inchados de tanto chorar.
— Preciso de falar contigo — disse ela, voz trémula. — Mas antes, podes atender o meu telefone? Está a tocar há minutos e não tenho forças para falar com ninguém.
Peguei no telemóvel dela, sem pensar. O ecrã mostrava apenas “Número Privado”. Atendi, e foi aí que ouvi a voz do Miguel. O meu Miguel. O silêncio entre nós durou segundos, mas pareceu uma eternidade.
— Miguel? — perguntei, a voz quase a falhar.
Do outro lado, silêncio. Depois, um suspiro. — Leonor…
Olhei para a Sara, que me fitava, pálida. O mundo à minha volta começou a girar. Senti as pernas fraquejarem. — O que é que se passa aqui? — perguntei, a voz a subir de tom.
Sara levantou-se devagar, lágrimas a escorrerem-lhe pelo rosto. — Leonor, eu…
— Não! — interrompi, atirando-lhe o telefone para o colo. — Diz-me tu, Miguel! O que é que se passa?
Do outro lado da linha, ele hesitou. — Eu… não queria que soubesses assim. Eu e a Sara…
O resto das palavras perdeu-se num zumbido. Senti o chão fugir-me dos pés. A minha melhor amiga. O meu marido. O meu casamento. Tudo desmoronava à minha frente.
— Há quanto tempo? — perguntei, tentando controlar o choro.
Sara tapou o rosto com as mãos. — Desde o verão passado. Foi um erro, Leonor. Eu estava tão sozinha…
— Um erro? — gritei. — Um erro é esquecer-se das chaves de casa! Isto… isto é uma traição!
Miguel tentava justificar-se, mas eu já não ouvia. Saí disparada do apartamento da Sara, sentindo o ar frio da rua a cortar-me a pele. O caminho até casa pareceu interminável. Cada passo era mais pesado que o anterior. As imagens dos dois juntos, os risos partilhados, os olhares cúmplices que sempre achei inocentes… tudo fazia sentido agora. Como é que fui tão cega?
Quando cheguei a casa, Miguel já lá estava. Sentado no sofá, cabeça entre as mãos. O silêncio era ensurdecedor.
— Leonor, por favor… — começou ele, levantando-se.
— Não te atrevas a tocar-me — disse, recuando. — Como é que foste capaz?
Ele chorava. Nunca o tinha visto assim. — Eu amo-te, Leonor. Mas as coisas entre nós estavam diferentes. Eu sentia-me perdido. A Sara apareceu…
— A Sara apareceu? — interrompi, sarcástica. — A Sara é minha amiga! Era suposto confiares em mim, não nela!
Miguel caiu de joelhos. — Eu não queria magoar-te. Juro que acabou. Foi só uma vez…
— Só uma vez? — ri-me, amarga. — Achas que isso faz diferença?
A noite foi passada em claro. Eu no quarto, ele na sala. A cabeça a mil, o coração despedaçado. No dia seguinte, liguei à minha mãe. Precisava de um colo, de um conselho. Ela ouviu-me em silêncio, depois disse:
— Filha, às vezes as pessoas erram. Mas tens de decidir se consegues perdoar. Ou se preferes seguir em frente.
Durante semanas, vivi num limbo. Miguel tentava reconquistar-me, Sara mandava mensagens a pedir desculpa. Os meus pais dividiam-se: o meu pai queria que eu desse uma segunda oportunidade ao Miguel, a minha mãe achava que devia pensar em mim primeiro. Os meus irmãos evitavam o assunto, mas eu sentia os olhares de pena.
No trabalho, tudo parecia igual, mas eu já não era a mesma. Os colegas perguntavam se estava tudo bem, e eu sorria, fingindo normalidade. À noite, chorava até adormecer. Sentia-me sozinha, traída, perdida.
Um dia, decidi enfrentar a Sara. Marquei encontro num café discreto. Quando cheguei, ela já lá estava, nervosa, a mexer no café frio.
— Leonor, não há desculpa para o que fiz. Eu estava vulnerável, mas isso não justifica. Perdoa-me, por favor.
Olhei-a nos olhos. Vi arrependimento, mas também medo. Medo de me perder para sempre.
— Sara, tu eras a minha irmã de coração. E traíste-me da pior forma possível. Não sei se algum dia vou conseguir perdoar-te. Mas espero que um dia consigas perdoar-te a ti própria.
Levantei-me e saí. Senti-me mais leve, mas ainda longe de estar bem. O Miguel continuava a tentar, mas cada vez que olhava para ele via a traição estampada no rosto.
Meses passaram. A dor foi dando lugar à aceitação. Comecei a sair mais, a reencontrar-me com velhos amigos, a redescobrir quem era sem o Miguel e sem a Sara. Fui à praia sozinha, viajei até ao Douro, escrevi cartas que nunca enviei.
Um dia, ao pôr-do-sol, sentei-me num banco do jardim e pensei em tudo o que tinha vivido. O amor, a amizade, a traição. Perguntei-me se alguma vez voltaria a confiar em alguém da mesma forma.
Hoje, olho para trás e vejo uma mulher mais forte, mas também mais cautelosa. Aprendi que a verdade dói, mas liberta. E que, às vezes, é preciso perder tudo para nos encontrarmos a nós próprios.
Será que algum dia conseguimos realmente perdoar quem mais nos magoou? Ou será que certas feridas nunca cicatrizam completamente? Gostava de saber o que vocês fariam no meu lugar.