O Sonho de Casamento Desfeito: Entre o Amor e o Dinheiro, o Que Fica?
— Mãe, preciso falar contigo. — A voz da Inês tremia, e eu soube logo que não era apenas mais um daqueles pedidos de conselhos sobre vestidos ou flores. Sentei-me ao lado dela no sofá, sentindo o coração apertar-se no peito.
— O que se passa, filha? — perguntei, tentando esconder a ansiedade.
Ela olhou-me nos olhos, os dela brilhando de esperança e medo ao mesmo tempo.
— O pai do Miguel… Ele não pode ajudar com nada do casamento. Eles mal têm dinheiro para pagar a renda. — A voz dela saiu num sussurro, como se tivesse vergonha de dizer aquilo em voz alta.
Suspirei. Já sabia que a família do Miguel não tinha posses, mas nunca pensei que isso pudesse ser um problema. Afinal, sempre dissemos à Inês que faríamos tudo para vê-la feliz. Mas naquele momento, percebi que as coisas não seriam assim tão simples.
O meu marido, António, entrou na sala nesse instante, apanhando-nos no meio da conversa. — O que se passa aqui? — perguntou, olhando de uma para a outra.
— O pai do Miguel não pode ajudar com o casamento — expliquei-lhe, tentando manter a calma.
António franziu o sobrolho. — E então? Nós tratamos disso. Sempre dissemos que faríamos isso pela nossa filha.
Inês sorriu, aliviada. Mas eu vi nos olhos do António uma sombra de preocupação. Sabia que as nossas poupanças não eram infinitas e que já tínhamos feito alguns sacrifícios para garantir à Inês um casamento digno dos seus sonhos.
Os dias seguintes foram um turbilhão de preparativos. Inês queria tudo perfeito: o vestido branco de renda, a cerimónia na igreja onde eu própria me casara, a festa no salão do centro da vila. Eu fazia listas intermináveis, calculava orçamentos, cortava aqui e ali para tentar encaixar tudo no pouco que tínhamos.
Numa noite, depois de todos se deitarem, ouvi António na cozinha. Encontrei-o sentado à mesa, com a cabeça entre as mãos e uma pilha de contas à frente.
— Não sei se conseguimos, Maria — murmurou ele quando me viu. — O carro avariou outra vez, a canalização precisa de obras… E agora isto.
Sentei-me ao lado dele e segurei-lhe a mão. — Não podemos falhar à nossa filha. Ela merece este dia.
Ele olhou-me com tristeza. — E nós? O que merecemos? Não temos direito a um pouco de paz?
No dia seguinte, fui falar com Inês. — Filha, talvez devêssemos pensar numa cerimónia mais simples…
Ela interrompeu-me antes que eu terminasse. — Mãe, por favor! Esperei tanto por este momento… Não me tires isto agora.
O Miguel entrou na sala nesse instante. Trazia um ar cansado e preocupado.
— Eu posso tentar arranjar um segundo emprego — disse ele. — Não quero ser um peso para ninguém.
Inês agarrou-lhe a mão. — Não digas disparates! Os meus pais já disseram que tratam de tudo.
Olhei para eles e senti-me dividida entre o orgulho e o medo. Queria tanto vê-los felizes… mas a que custo?
As semanas passaram e as despesas acumulavam-se: o catering, as flores, o fotógrafo… Cada vez que recebia uma nova fatura sentia um nó na garganta. António começou a chegar mais tarde do trabalho; dizia que precisava de horas extra para ajudar nas contas.
Uma noite, ouvi-os discutir no quarto.
— Isto está a ficar insustentável! — gritava António. — Estamos a endividar-nos por causa de um casamento!
— Ela é nossa filha! — respondi eu, já com lágrimas nos olhos. — Não podemos falhar-lhe agora.
No dia seguinte, Inês percebeu que algo não estava bem.
— O que se passa convosco? — perguntou ela à mesa do pequeno-almoço.
Tentei sorrir, mas António não conseguiu esconder a frustração.
— O que se passa é que estamos a sacrificar tudo por este casamento! E nem sequer ouvimos as tuas ideias sobre fazer algo mais simples!
Inês ficou em silêncio. Vi-lhe as lágrimas nos olhos antes de ela sair da mesa sem dizer palavra.
Nesse fim de semana, fomos todos visitar o pai do Miguel, o senhor Joaquim. Morava num pequeno apartamento nos subúrbios de Lisboa. Recebeu-nos com humildade e um sorriso triste.
— Desculpem não poder ajudar mais… Se pudesse dar-vos alguma coisa…
António tentou disfarçar o desconforto. — Não se preocupe com isso, senhor Joaquim. O importante é que os miúdos sejam felizes.
Mas quando saímos dali, António explodiu no carro:
— Isto é tudo muito bonito, mas somos sempre nós a pagar tudo! E se amanhã precisarem de mais alguma coisa? Também somos nós?
Inês chorava baixinho no banco de trás. Miguel tentava consolá-la sem saber o que dizer.
A tensão foi crescendo até ao ponto em que já mal falávamos uns com os outros em casa. Eu tentava manter as aparências para não magoar ainda mais a Inês, mas sentia-me cada vez mais sozinha nesta luta.
Uma tarde, recebi uma chamada do banco: estávamos no limite do nosso crédito pessoal. Senti o chão fugir-me dos pés.
Contei tudo ao António nessa noite. Ele ficou em silêncio durante muito tempo antes de dizer:
— Chega. Não podemos continuar assim. Vamos ter de cancelar o casamento.
O choque estampou-se no rosto da Inês quando lhe demos a notícia.
— Não podem fazer-me isto! — gritou ela, desesperada. — É o meu sonho!
Miguel tentou acalmá-la:
— Inês… Talvez possamos esperar mais um pouco. Juntar algum dinheiro…
Mas ela não queria ouvir nada disso. Saiu de casa a correr e só voltou tarde nessa noite, os olhos inchados de tanto chorar.
Nos dias seguintes, quase não falava connosco. Passava horas fechada no quarto ou saía sem dizer para onde ia. Eu sentia-me impotente; queria abraçá-la e dizer-lhe que tudo ia ficar bem, mas sabia que ela me culpava por tudo isto.
O Miguel acabou por terminar com ela algumas semanas depois. Disse-lhe que precisava de tempo para pôr a vida em ordem antes de pensar em casar-se. Inês ficou devastada; culpou-nos por termos destruído o seu sonho e afastado o homem que amava.
Hoje olho para trás e pergunto-me onde errámos. Será que devíamos ter feito mais? Ou menos? Será que algum dia a Inês vai conseguir perdoar-nos?
Às vezes dou por mim a olhar para as fotografias antigas dela em criança e penso: como é possível que tudo tenha mudado tão depressa? Será que algum dia voltaremos a ser uma família unida?
E vocês? Até onde iriam pelo sonho dos vossos filhos? Vale mesmo a pena sacrificar tudo por um dia perfeito?