O Silêncio do Meu Neto Mais Velho: Entre Presentes e Ausências

— Outra vez nada, Tiago? — murmurei para mim mesma, olhando para o telemóvel vazio sobre a mesa da cozinha. Era dia 27 de dezembro, dois dias depois do Natal, e já tinha recebido mensagens calorosas das minhas netas, Mariana e Eva. Ambas me tinham enviado fotografias: Mariana mostrava-me o livro que comprou com o dinheiro que lhe dei, Eva exibia um cachecol novo, sorrindo como só ela sabe. Mas do Tiago, nem uma palavra. Nem um simples “obrigado”.

Sentei-me na cadeira de madeira gasta, aquela que já foi do meu pai, e deixei que o silêncio da casa me envolvesse. O relógio da parede marcava as horas com uma monotonia irritante. Lembrei-me de quando Tiago era pequeno e corria para os meus braços sempre que chegava cá a casa. Agora, com vinte e um anos e a estudar Engenharia Informática em Coimbra, parecia que o mundo dele já não tinha espaço para mim.

— Mãe, não penses nisso — disse a minha filha Ana, quando lhe liguei a desabafar. — O Tiago anda muito ocupado com a faculdade. Sabes como é…

— Sei, filha. Mas custa-me. Não peço grandes coisas. Só queria saber se recebeu o presente, se está bem… — respondi, tentando não deixar transparecer a mágoa na voz.

Ana suspirou do outro lado da linha. — Eu falo com ele. Mas não leves isso tão a peito. Os rapazes são diferentes.

Diferentes? Será mesmo? Ou será que fui eu que falhei em algum momento? Recordei os Natais passados, quando a casa se enchia de vozes e risos. O cheiro do bacalhau com natas, as luzes da árvore a piscar, os netos a correrem pelo corredor. Agora, cada um vive no seu mundo. Mariana está em Lisboa a estudar Medicina, Eva terminou o secundário e quer ir para o estrangeiro. E Tiago… Tiago parece ter desaparecido para dentro de si mesmo.

Na véspera de Natal, preparei os envelopes como sempre: notas dobradas com cuidado, um cartão escrito à mão para cada um. “Querido Tiago, espero que este pequeno presente te ajude nos teus estudos ou te proporcione um momento de alegria. Com muito amor, Avó Rosa.” Escrevi as palavras com esperança de que ele sentisse o meu carinho, mesmo à distância.

No dia seguinte, Mariana ligou-me cedo:

— Avó! Muito obrigada pelo presente! Vou comprar aquele livro de neurologia de que te falei!

— Que bom, minha querida! Fico tão feliz por saber dos teus planos.

Eva enviou-me uma mensagem cheia de emojis:

“Avó Rosa! Obrigadaaa! Comprei um cachecol lindo! Quando fores ao Porto levo-te para veres!”

Sorri ao ler as mensagens delas. Mas o espaço vazio no ecrã onde devia estar o nome do Tiago era como uma ferida aberta.

Na noite de 31 de dezembro, sentei-me sozinha na sala iluminada apenas pelas luzes da árvore de Natal já meio apagadas. Peguei numa fotografia antiga: Tiago com cinco anos, sentado no meu colo, rindo-se enquanto lhe contava histórias de quando era menina em Trás-os-Montes. Senti uma lágrima escorrer pela face.

O meu marido António entrou na sala e viu-me assim:

— Rosa, estás bem?

— Estou… só estou a pensar no Tiago. Não percebo porque é que ele não fala comigo.

António sentou-se ao meu lado e segurou-me na mão.

— Os tempos mudaram. Eles vivem noutro ritmo. Não é por mal.

— Mas será que ele sabe o quanto me dói este silêncio?

Na manhã seguinte, decidi escrever-lhe uma carta à moda antiga. Peguei num papel bonito e escrevi:

“Querido Tiago,

Sinto a tua falta. Não é pelo dinheiro ou pelo presente — é por ti. Queria saber como estás, ouvir a tua voz ou ler as tuas palavras. Sei que estás ocupado, mas lembra-te que a tua avó pensa em ti todos os dias.

Com amor,
Avó Rosa”

Coloquei a carta no correio com as mãos trémulas. Durante dias esperei uma resposta. Ana ligou-me algumas vezes:

— Mãe, falei com o Tiago. Ele disse que recebeu tudo, mas anda mesmo atolado em exames.

— Só queria ouvir isso dele… — respondi baixinho.

No início de fevereiro, recebi finalmente uma mensagem dele:

“Avó Rosa, desculpa não ter dito nada antes. Tenho andado cheio de trabalhos e exames. Obrigado pelo presente e pela carta. Prometo ligar-te este fim de semana.”

O alívio misturou-se com tristeza. Porque é que precisava de chegar ao limite para receber uma palavra? No sábado seguinte, ele ligou mesmo:

— Olá avó!

— Olá Tiago! Que bom ouvir-te!

— Desculpa mesmo… Eu sei que devia ter dito qualquer coisa antes.

— O importante é saber que estás bem. Conta-me tudo!

Falámos durante quase meia hora. Ele contou-me dos exames difíceis, dos amigos novos, das saudades de casa. No final da chamada senti-me mais leve, mas também inquieta.

Depois disso, voltou o silêncio habitual. As mensagens tornaram-se raras outra vez. E eu fiquei ali, entre a alegria breve de um telefonema e a solidão dos dias seguintes.

Às vezes pergunto-me: será que estou a ser demasiado exigente? Ou será que as relações familiares estão mesmo condenadas a esmorecer com o tempo? O que é preciso para manter vivo o laço entre avós e netos num mundo tão apressado?

E vocês? Também sentem este vazio quando os vossos entes queridos se afastam sem explicação? Como lidam com o silêncio daqueles que mais amam?