O Segredo no Telemóvel: Entre o Amor e a Traição

— Olá? — a minha voz saiu mais baixa do que eu queria, abafada pelo barulho do molho a ferver e pelo peso da colher que ainda segurava. Do outro lado, uma mulher, com um sotaque lisboeta suave, perguntou, sem hesitar:

— Amor, quando nos voltamos a ver?

O tempo parou. Senti o cheiro do alho a queimar, mas não consegui mexer-me. Oiço o Rui a gritar da casa de banho:

— Era o estafeta? Quem era?

Engoli em seco. — Enganou-se no número — respondi, desligando antes que a mulher pudesse dizer mais alguma coisa. O telemóvel tremia na minha mão, como se também ele soubesse que algo tinha mudado. O molho borbulhava, ignorando o drama que se desenrolava na minha cabeça.

O Rui saiu da casa de banho, ainda a secar as mãos. — Então? Era o estafeta?

— Não, era engano — menti, tentando sorrir. Mas o sorriso morreu-me nos lábios. Ele não reparou. Pegou no telemóvel, agradeceu e foi para a sala, como se nada tivesse acontecido. Eu fiquei ali, a olhar para a colher, para o molho, para a minha vida, que de repente parecia tão frágil como um copo de vinho prestes a cair da mesa.

Durante o jantar, observei-o. Cada gesto, cada palavra. O Rui sempre foi bom a esconder emoções, mas agora eu via tudo com outros olhos. O modo como evitava olhar-me nos olhos, como mexia no telemóvel debaixo da mesa. A nossa filha, a Mariana, falava sobre a escola, mas eu só conseguia ouvir aquele “amor” ecoar na minha cabeça.

Naquela noite, não dormi. O Rui adormeceu rapidamente, como sempre. Eu fiquei a olhar para o teto, a pensar em tudo o que podia ter acontecido. Será que era só uma amiga? Uma colega? Ou será que… Não, não podia ser. O Rui era o meu porto seguro, o homem com quem casei há 12 anos, o pai da minha filha. Mas aquela voz, aquela confiança… Não era de quem se engana no número.

No dia seguinte, enquanto o Rui levava a Mariana à escola, peguei no telemóvel dele. As mãos tremiam-me tanto que quase deixei cair o aparelho. O código era o nosso aniversário. Abri as mensagens. Lá estava ela: “Saudades tuas. Ontem foi maravilhoso. Quando repetimos?”. O coração caiu-me aos pés. Havia mais mensagens, fotos, emojis que nunca vi o Rui usar comigo. Senti-me a sufocar.

Quando ele voltou, tentei agir normalmente. Mas não consegui. — Rui, precisamos de falar.

Ele olhou para mim, desconfiado. — O que se passa?

— Quem é a Ana?

O silêncio foi ensurdecedor. Ele baixou os olhos. — Não é nada do que estás a pensar.

— Então explica-me. Porque é que ela te chama “amor”? Porque é que diz que ontem foi maravilhoso?

Ele sentou-se, passou as mãos pelo cabelo. — Foi um erro. Conheci-a no trabalho, começámos a falar… Não sei como aconteceu. Não significa nada.

— Não significa nada? — gritei, sentindo as lágrimas a correrem-me pelo rosto. — Então porque é que continuas a falar com ela? Porque é que me mentiste?

A Mariana entrou na cozinha nesse momento, assustada. — Mãe? Está tudo bem?

Limpei as lágrimas rapidamente. — Está, querida. Vai brincar para o teu quarto, está bem?

Ela obedeceu, mas olhou para nós com medo. O Rui tentou aproximar-se de mim, mas afastei-o. — Preciso de tempo. Preciso de pensar.

Durante dias, vivi num limbo. O Rui tentava pedir desculpa, prometia que ia acabar tudo com a Ana, que me amava, que éramos uma família. Mas eu já não sabia o que sentir. A minha mãe ligava todos os dias, desconfiada do meu tom de voz. — Filha, está tudo bem? O Rui está estranho ao telefone.

— Está tudo bem, mãe — menti, mais uma vez. Não queria preocupar ninguém. Mas a verdade é que estava a desmoronar por dentro.

Comecei a reparar em tudo à minha volta. As amigas que sempre diziam que o Rui era “bom demais para ser verdade”. Os jantares de família em que ele desaparecia para atender chamadas. As viagens de trabalho que, afinal, eram escapadelas com a Ana. Senti-me uma idiota.

Uma noite, depois de deitar a Mariana, sentei-me na varanda com um copo de vinho. O Rui veio ter comigo.

— Não quero perder-te — disse ele, a voz embargada. — Fiz asneira, mas amo-te. Amo a nossa família. Diz-me o que posso fazer para te provar isso.

Olhei para ele, para o homem que pensei conhecer. — Não sei se consigo perdoar-te. Não sei se algum dia vou conseguir confiar em ti outra vez.

Ele chorou. Pela primeira vez em anos, vi o Rui chorar. E isso magoou-me ainda mais. Porque, apesar de tudo, eu ainda o amava. Mas o amor não apaga a traição.

Os dias passaram. Falei com a Ana. Liguei-lhe, precisava de ouvir a verdade da boca dela. Ela atendeu, calma.

— Olá, sou a Sofia, mulher do Rui.

Do outro lado, silêncio. Depois, um suspiro. — Desculpa. Não sabia que ele ainda estava contigo. Ele disse-me que estavam separados.

O mundo caiu-me aos pés outra vez. — Separados? — repeti, incrédula.

— Sim. Ele disse que só estava à espera do momento certo para te contar.

Desliguei. Senti-me usada, enganada, traída por duas pessoas. O Rui tentou justificar-se, mas já não havia desculpa possível. A confiança estava destruída.

A minha mãe veio cá a casa, percebeu logo que algo estava mal. — Filha, não deixes que a dor te defina. Pensa na Mariana. Pensa em ti.

Comecei a ir à psicóloga. Falei com amigas, desabafei, chorei. O Rui saiu de casa durante uns tempos. A Mariana chorava todas as noites, perguntava quando é que o pai voltava. Eu não sabia o que responder.

Os meses passaram. O Rui tentou reconquistar-me, escreveu cartas, mandou flores, fez tudo o que podia. Mas eu já não era a mesma. Aprendi a viver sozinha, a cuidar de mim. A Mariana adaptou-se, começou a sorrir outra vez. A minha mãe ajudou-me, os amigos apoiaram-me. Descobri uma força que não sabia que tinha.

Um dia, sentei-me com o Rui. — Podemos ser amigos, pelo bem da Mariana. Mas não posso voltar a ser tua mulher. Preciso de me reencontrar.

Ele aceitou, finalmente. E eu senti um alívio enorme. Pela primeira vez em muito tempo, senti-me livre.

Agora, quando olho para trás, pergunto-me: como é que uma chamada mudou tudo? Como é que o amor se transforma em dor, e depois em força? Será que algum dia voltarei a confiar em alguém? E vocês, já passaram por algo assim? O que fariam no meu lugar?