O Segredo da Minha Mãe: A Casa Que Nunca Foi Nossa

— Se não gostas das regras desta casa, a porta está ali, Joana! — O grito da minha sogra, Assunção, ecoou pela sala como uma sentença. O meu coração batia tão forte que temi que todos o ouvissem. O Mário, meu marido, estava sentado no sofá, olhos baixos, mãos entrelaçadas, como se quisesse desaparecer. Eu sentia-me sozinha, exposta, como uma intrusa na minha própria casa.

Nunca pensei que a minha vida se resumisse a isto: uma batalha diária por respeito, por um espaço que pudesse chamar de meu. Quando casei com o Mário, há sete anos, sonhava com uma família unida, com domingos de risos e conversas à mesa. Mas desde o primeiro dia, Assunção fez questão de me lembrar que aquela casa era dela, que eu era apenas uma hóspede tolerada.

— Mário, diz alguma coisa! — supliquei, com a voz embargada. Ele olhou para mim, depois para a mãe, e murmurou:

— Joana, sabes como a minha mãe é… Não vale a pena discutir.

Aquela frase foi como uma facada. Não vale a pena discutir. Era sempre assim. O Mário nunca me defendia. Sempre que Assunção me humilhava, ele encolhia-se, como se a culpa fosse minha por não saber “encaixar”.

Naquela noite, fechei-me no quarto e chorei em silêncio. Lembrei-me da minha mãe, Maria do Céu, que morreu quando eu tinha dezassete anos. Ela sempre me dizia: “Nunca deixes ninguém apagar a tua luz, Joana.” Mas ali, naquela casa, sentia-me cada vez mais apagada.

Os dias seguintes foram um tormento. Assunção fazia questão de me ignorar ou de lançar comentários venenosos:

— O jantar está salgado, como sempre. Não sei como o meu filho aguenta…

Ou então:

— Quando é que pensas dar-me um neto? Ou nem isso consegues?

O Mário limitava-se a suspirar, como se tudo aquilo fosse normal. Eu sentia-me a enlouquecer. Comecei a evitar estar em casa, a fazer horas extra no escritório, só para não ter de enfrentar aquela atmosfera pesada.

Foi numa dessas noites, ao regressar tarde, que encontrei a minha cunhada, Sofia, sentada à mesa da cozinha. Ela olhou para mim com pena.

— Não devias deixar a mãe falar assim contigo, Joana. — disse, baixinho.

— E o que queres que faça? O Mário não me defende. Sinto-me uma estranha aqui.

Sofia hesitou, depois sussurrou:

— Há coisas que tu não sabes sobre esta casa…

O meu coração acelerou. — O que queres dizer?

Ela abanou a cabeça. — Não posso ser eu a contar. Mas devias falar com o teu pai. Ele sabe mais do que parece.

Naquela noite, mal dormi. No dia seguinte, fui visitar o meu pai, António, que vivia sozinho desde a morte da minha mãe. Ele recebeu-me com um sorriso triste.

— Estás com um ar cansado, filha. O que se passa?

Sentei-me à mesa da cozinha, o mesmo sítio onde tantas vezes a minha mãe me fazia chá quando eu era pequena.

— Pai, preciso que me digas a verdade. Há algum segredo sobre a casa da Assunção? A Sofia disse que tu sabes de alguma coisa.

O meu pai ficou pálido. Ficou em silêncio durante tanto tempo que pensei que não ia responder. Finalmente, suspirou.

— A tua mãe… — começou, com a voz trémula. — A tua mãe e a Assunção eram amigas de infância. Cresceram juntas naquela aldeia. Mas houve uma traição…

— Que traição?

— O teu avô deixou uma casa à tua mãe, mas… Assunção convenceu o teu avô a mudar o testamento. A casa onde tu e o Mário vivem devia ser tua. Era o sonho da tua mãe. Mas Assunção… ela sempre foi ambiciosa. Fez de tudo para ficar com a casa. A tua mãe nunca te contou porque não queria que vivesses com ódio.

Senti o chão fugir-me dos pés. A casa onde eu era tratada como uma intrusa… era para ser minha. A raiva e a tristeza misturaram-se dentro de mim como um veneno.

Voltei para casa com o coração em chamas. O Mário estava na sala, a ver televisão. Sentei-me ao lado dele.

— Preciso de falar contigo. — disse, com firmeza.

Ele olhou para mim, desconfiado.

— O que foi agora?

— Sabias que esta casa era para ser da minha mãe? Que a tua mãe ficou com ela por causa de um testamento alterado?

O Mário ficou lívido. — Isso são histórias antigas. A minha mãe sempre disse que o teu avô quis deixá-la para ela.

— O meu pai confirmou. A tua mãe manipulou tudo. E agora faz-me sentir uma intrusa na minha própria casa!

Ele levantou-se, nervoso. — Não quero saber dessas histórias. O passado é passado. O importante é que estamos juntos.

— Estamos? — perguntei, com lágrimas nos olhos. — Ou estou eu sozinha nesta luta?

Ele não respondeu. Saiu da sala, deixando-me ali, a tremer de raiva e desespero.

Nos dias seguintes, a tensão tornou-se insuportável. Assunção percebeu que algo tinha mudado. Um dia, entrou no meu quarto sem bater.

— Ouvi dizer que andas a remexer no passado. Não te atrevas a mexer no que não te diz respeito, Joana. Esta casa é minha. Sempre foi.

Olhei-a nos olhos, pela primeira vez sem medo.

— Esta casa devia ser da minha mãe. E tu sabes disso.

Ela sorriu, fria. — A vida é para os espertos, menina. Aprende isso.

Naquela noite, fiz as malas. Não disse nada ao Mário. Saí de casa com o coração partido, mas com a cabeça erguida. Fui para casa do meu pai. Ele recebeu-me de braços abertos.

— Fizeste bem, filha. Ninguém merece viver assim.

Os meses seguintes foram difíceis. Senti falta do Mário, mas não da casa. Comecei a reconstruir-me, a lembrar-me da força da minha mãe. Procurei um advogado, tentei reaver a casa, mas os papéis estavam todos em nome da Assunção. A justiça não quis saber de histórias antigas.

O Mário tentou falar comigo algumas vezes, mas eu já não era a mesma. Percebi que o amor não pode sobreviver onde não há respeito. A Sofia visitava-me de vez em quando, trazendo notícias da família. Assunção continuava igual, rainha do seu pequeno reino de mágoas e segredos.

Hoje, olho para trás e pergunto-me: quantas mulheres vivem assim, presas em casas que nunca foram suas, em vidas que não escolheram? Quantas vezes calamos para não ferir, para não perder? E até quando vamos aceitar viver à sombra dos segredos dos outros?

Será que algum dia teremos coragem de reclamar o que é nosso, mesmo que isso signifique perder tudo o resto?