O Retorno à Casa Que Nunca Foi Só Minha: Entre Irmãs, Segredos e Ruínas

— Não devias ter voltado, Inês. — A voz da Leonor ecoou pelo corredor estreito do nosso velho apartamento em Benfica. O tom dela era frio, quase cortante, como se cada palavra fosse uma faca a rasgar o pouco que restava da nossa relação de irmãs.

Eu estava parada à porta do quarto que em tempos partilhámos, uma mala na mão e o coração aos pulos. O cheiro a café requentado misturava-se com o perfume doce da Leonor, e por um instante desejei estar em qualquer outro lugar. Mas não tinha para onde ir. Depois do meu divórcio com o Miguel, tudo o que me restava era aquele teto — o mesmo teto que agora parecia prestes a desabar sobre mim.

— Não tinha alternativa, Leonor. Sabes bem disso. — Tentei manter a voz firme, mas soou mais como um sussurro envergonhado.

O Rui apareceu na cozinha, camisa meio aberta, cabelo despenteado. Olhou para mim com um misto de pena e irritação. — Se calhar devíamos conversar todos juntos — sugeriu ele, mas Leonor virou-lhe as costas.

A tensão era palpável. Os dias seguintes foram um desfile de silêncios e portas batidas. Leonor evitava-me, só me dirigia a palavra para o essencial: “Traz o pão”, “Apaga a luz”, “Não te esqueças do lixo”. Eu sentia-me uma intrusa na minha própria casa.

Numa noite de chuva miudinha, ouvi-os discutir no quarto deles. As palavras atravessavam as paredes finas: — Ela está sempre aqui! Não temos privacidade! — gritava Leonor. — É tua irmã! O que queres que faça? — respondia Rui, exasperado.

No dia seguinte, encontrei Leonor na cozinha, olhos inchados de chorar. — Achas que isto é justo? — perguntou-me, sem esperar resposta. — Sempre foste a preferida da mãe. Agora vens para aqui estragar o pouco que eu construí.

Fiquei sem saber o que dizer. Nunca me senti preferida. Sempre fui a mais frágil, a que precisava de colo. Mas para Leonor, eu era o fantasma dos sonhos dela por cumprir.

As semanas passaram e o ambiente tornou-se insuportável. Rui começou a chegar cada vez mais tarde a casa. Eu tentava ser invisível: lavava a loiça em silêncio, saía cedo para procurar trabalho, voltava tarde para evitar cruzar-me com eles.

Uma noite, ao regressar, encontrei Rui sentado na sala às escuras. — Não aguento mais isto — confessou-me, voz embargada. — Eu e a Leonor já não somos os mesmos desde que voltaste.

Senti um nó no estômago. — Não é por minha causa…

— Talvez não seja só por tua causa — interrompeu ele — mas foi o gatilho. Já estávamos mal há meses. Só que agora… agora tudo veio ao de cima.

No dia seguinte, Leonor explodiu comigo: — Vais conseguir o que queres! O Rui vai-se embora! Satisfeita?

— Não digas disparates! Eu nunca quis isto! — gritei-lhe de volta, lágrimas a escorrerem-me pela cara.

— Se nunca tivesses voltado…

Aquelas palavras ficaram a ecoar na minha cabeça durante dias. Senti-me culpada, mas também revoltada. Porque é que tudo tinha de ser sempre culpa minha?

Quando Rui finalmente fez as malas e saiu de casa, Leonor fechou-se no quarto durante três dias. Eu tentei falar com ela, tentei explicar-lhe que não era responsável pelo fim do casamento dela. Mas ela recusava-se a ouvir-me.

Uma tarde, encontrei-a sentada no chão da cozinha, rodeada de fotografias antigas: nós duas pequenas no jardim da avó, os natais em família, os verões em Sesimbra. Chorava baixinho.

— Lembras-te quando prometemos nunca nos separar? — murmurou ela.

Sentei-me ao lado dela e abracei-a. Pela primeira vez em meses senti que éramos irmãs outra vez.

Mas nada voltou a ser como antes. Leonor mudou-se pouco depois para casa dos pais. Eu fiquei sozinha naquele apartamento cheio de memórias partidas.

Hoje olho para trás e pergunto-me: será que podia ter feito diferente? Será que somos mesmo responsáveis pelas dores uns dos outros? Ou será que há feridas antigas que nunca chegam a sarar?

E vocês? Já sentiram o peso de uma culpa que talvez nem vos pertença?