O Peso das Expectativas: O Meu Caminho Solitário

— Outra vez sozinho, Ricardo? — perguntou a minha mãe, com aquele tom entre a preocupação e o julgamento, enquanto pousava a travessa de bacalhau na mesa da sala. O cheiro do forno misturava-se ao silêncio pesado que pairava entre nós.

Olhei para ela, tentando sorrir, mas sentindo o nó apertado na garganta. — Mãe, já falámos sobre isto. Não é assim tão simples…

Ela suspirou, sentando-se à minha frente. — Não é simples porque tu complicas. O teu primo João já casou, a tua irmã tem dois filhos… E tu? Vais ficar para tio?

Aquela frase ecoou dentro de mim como um trovão. Desde pequeno que sentia o peso das expectativas da família. Cresci em Almada, numa casa onde o domingo era sagrado e as conversas à mesa giravam sempre à volta de quem casou, quem teve filhos, quem comprou casa. O meu pai, homem de poucas palavras, limitava-se a olhar-me de lado, como se esperasse que eu dissesse algo que o orgulhasse.

Mas eu nunca fui o filho exemplar. Aos 18 anos, recusei seguir Engenharia como ele queria e fui estudar Psicologia. “Isso não dá dinheiro”, dizia ele. “Vais acabar a dar consultas de graça aos amigos.” E talvez tivesse razão — nunca enriqueci, mas encontrei algum sentido em ajudar os outros a lidar com os seus próprios fantasmas.

O problema é que nunca consegui lidar com os meus.

Aos 25 anos, apaixonei-me perdidamente pela Inês. Conhecemo-nos na faculdade, ela estudava Sociologia e tinha aquele sorriso fácil que me fazia esquecer o mundo. Durante três anos fomos inseparáveis. Falávamos em casar, em ter filhos, em viajar pelo mundo. Mas quando chegou a altura de dar o passo seguinte, ela começou a falar em comprar casa juntos, em juntar as famílias para um jantar formal.

Foi aí que comecei a sentir o pânico. Lembro-me de uma noite chuvosa em que ela me olhou nos olhos e disse:

— Ricardo, eu preciso de saber se estás mesmo comigo para construir uma vida. Não quero perder tempo.

Fiquei calado. Não porque não gostasse dela — amava-a mais do que tudo — mas porque sentia que não era suficiente. Que nunca seria suficiente para ela, para a minha família, para ninguém. Acabámos pouco tempo depois.

Desde então, tive outros relacionamentos, mas todos acabaram da mesma forma: eu afastava-me quando as coisas começavam a ficar sérias. As mulheres com quem saía queriam estabilidade, filhos, planos a dois. Eu queria isso tudo… mas também queria liberdade. Queria não ter de dar satisfações a ninguém quando decidia passar um fim de semana sozinho no Gerês ou quando ficava até tarde no trabalho.

Os anos foram passando e fui-me habituando à solidão. Comprei um apartamento pequeno em Lisboa, decorei-o ao meu gosto e enchi-o de livros e plantas. Os meus amigos começaram a casar, a ter filhos, a afastar-se. As conversas mudaram: deixaram de ser sobre viagens e sonhos para serem sobre escolas, hipotecas e fraldas.

Aos 33 anos, o meu pai adoeceu. Passei meses a ir ao hospital todos os dias depois do trabalho. A minha mãe chorava baixinho na cozinha enquanto eu tentava ser forte por ela. Numa dessas noites, ele chamou-me ao quarto.

— Ricardo… — disse ele com voz rouca — Não deixes que o medo te impeça de viver.

Fiquei sem saber o que responder. O medo sempre foi o meu maior inimigo: medo de falhar, medo de desiludir os outros, medo de não ser suficiente.

Quando ele morreu, senti-me mais sozinho do que nunca. A minha mãe tornou-se ainda mais dependente de mim. Começou a ligar-me todos os dias:

— Já jantaste? Não queres vir cá comer? Estás bem?

Por vezes irritava-me com tanta preocupação, mas no fundo sabia que era só amor disfarçado de ansiedade.

No trabalho, os colegas olhavam para mim com uma mistura de inveja e pena. “O Ricardo é livre”, diziam uns. “O Ricardo está sempre sozinho”, murmuravam outros. Uma vez ouvi a Marta comentar na copa:

— Ele deve ser daqueles que tem medo de compromisso…

Fingi não ouvir, mas aquilo ficou-me atravessado na garganta.

A verdade é que tentei mudar. Inscrevi-me em aplicações de encontros, fui a jantares organizados por amigos, tentei abrir o coração novamente. Conheci a Sofia numa dessas tentativas: divertida, inteligente, apaixonada por cinema francês. Durante meses saímos juntos, rimos até às lágrimas e partilhámos segredos antigos.

Mas quando ela começou a falar em conhecer a minha mãe e passar o Natal juntos, senti o velho pânico regressar. Inventei desculpas até ela perceber que eu não estava preparado para aquilo que ela queria.

— Ricardo… — disse ela num café em Campo de Ourique — Tu tens tanto medo de seres feliz que preferes ficar sozinho.

Fiquei sem palavras. Talvez ela tivesse razão.

Hoje tenho 38 anos e continuo solteiro. A minha mãe já desistiu de me perguntar quando vou casar; agora limita-se a suspirar sempre que vê um anúncio de fraldas na televisão ou quando recebe mais uma foto dos netos da minha irmã no WhatsApp.

Às vezes pergunto-me se fiz as escolhas certas. Se devia ter arriscado mais, se devia ter enfrentado os meus medos em vez de me esconder atrás deles. Sinto falta de alguém ao meu lado nas noites frias de inverno ou nos domingos preguiçosos em casa.

Mas também gosto da minha liberdade: de poder decidir o que faço sem pedir licença a ninguém, de poder ser eu próprio sem máscaras nem expectativas.

No fundo, acho que todos nós carregamos o peso das expectativas dos outros — sejam elas da família, dos amigos ou da sociedade. E talvez seja esse peso que nos impede de sermos verdadeiramente felizes.

Será que algum dia vou encontrar alguém que aceite as minhas imperfeições? Ou será que estou condenado a viver entre o desejo de pertença e o medo do compromisso?

E vocês? Também sentem esse peso? O que fariam no meu lugar?