O Pedido do Meu Filho Revelou o Segredo da Minha Ex-Sogra
— Mãe, a avó Teresa precisa de ajuda. — A voz do meu filho, Miguel, ecoou pela sala enquanto eu tentava concentrar-me no relatório que tinha de entregar no dia seguinte. O tom dele era urgente, quase suplicante, e senti o coração apertar. Não era comum ele falar da mãe do meu ex-marido, muito menos com aquela preocupação.
— O que aconteceu, Miguel? — perguntei, tentando manter a calma, mas já sentindo uma onda de ansiedade a subir-me pelo peito.
Ele hesitou, olhando para o chão. — Ela ligou-me ontem à noite. Disse que não consegue sair de casa há dias porque está doente e não tem ninguém para ir à farmácia. O pai não atende o telefone e a tia Ana está em Londres…
O nome da Teresa trouxe-me uma avalanche de memórias. A última vez que nos falámos foi há quase dois anos, durante o divórcio. As palavras dela ainda ecoavam na minha cabeça: “Nunca pensei que fosses capaz disto, Sofia.” Eu também nunca pensei. Mas a vida empurra-nos para decisões que nunca imaginámos tomar.
— E porque é que ela não me ligou? — perguntei, mais para mim do que para ele.
Miguel encolheu os ombros. — Acho que tem vergonha. Ou medo de te incomodar.
Fiquei ali sentada, com o portátil aberto à minha frente, mas sem conseguir escrever uma linha. A Teresa sempre foi uma mulher orgulhosa, dura até ao osso, mas também era quem fazia o melhor arroz de pato do mundo e quem me ensinou a tricotar quando engravidei do Miguel. O nosso afastamento foi inevitável depois do divórcio, mas nunca deixei de sentir um carinho estranho por ela — uma mistura de gratidão e mágoa.
Peguei no telefone e marquei o número dela antes que me faltasse a coragem. O toque parecia interminável até ouvir a voz rouca do outro lado.
— Teresa? Sou eu, a Sofia.
Silêncio. Depois um suspiro pesado.
— Olá, Sofia. Não esperava ouvir-te…
— O Miguel contou-me que não estás bem. Precisas de alguma coisa?
Ela hesitou. — Não quero incomodar-te. Já tens tanto com que te preocupar…
— Teresa, por favor. Diz-me o que precisas.
A voz dela tremeu. — Só preciso de uns medicamentos… E talvez de alguém para me ajudar com as compras. Não tenho conseguido sair da cama desde segunda-feira.
Senti um nó na garganta. — Eu passo aí depois do trabalho, está bem?
Desliguei e fiquei a olhar para o telefone como se fosse um objeto estranho. O Miguel observava-me em silêncio, com aqueles olhos castanhos iguais aos do pai.
— Obrigado, mãe.
Sorri-lhe, mas por dentro sentia-me a desmoronar.
O caminho até à casa da Teresa foi feito em silêncio. O trânsito na IC19 estava caótico como sempre, mas nem dei pelo tempo passar. Quando cheguei ao prédio dela em Queluz, senti um frio na barriga como se estivesse prestes a enfrentar um exame importante.
Toquei à porta e esperei. Quando ela abriu, vi logo que estava mais magra, os olhos fundos e o cabelo grisalho preso num coque apressado.
— Entra, Sofia. Desculpa o estado da casa…
A sala estava desarrumada, com sacos de supermercado por arrumar e chávenas vazias espalhadas pela mesa. O cheiro a mofo misturava-se com o aroma familiar do café que ela tanto gostava.
— Não tens de pedir desculpa — disse eu, pousando as compras no balcão da cozinha.
Enquanto arrumava as coisas, reparei nas fotografias antigas na estante: o Miguel bebé ao colo dela, eu e o Pedro (meu ex-marido) sorridentes num Natal distante. Senti uma pontada de saudade misturada com tristeza.
— Como tens passado? — perguntei enquanto lhe preparava um chá.
Ela encolheu os ombros. — Vou andando. Desde que o Pedro foi para o Porto com aquela mulher nova… Bem, fiquei mais sozinha do que nunca. A Ana só liga de vez em quando e tu…
A frase ficou suspensa no ar.
— Eu sei — disse eu baixinho. — Mas nunca deixei de me preocupar contigo.
Ela olhou-me nos olhos pela primeira vez desde que cheguei. Vi ali uma vulnerabilidade que nunca tinha visto antes.
— Sabes, Sofia… Sempre achei que eras forte demais para o Pedro. Ele nunca soube lidar com isso.
Fiquei sem palavras. Durante anos culpei-a por ter tomado o lado dele no divórcio, por ter dito aquelas coisas horríveis sobre mim à família toda. Mas agora percebia: ela também tinha perdido uma filha naquele processo.
— Não quero falar do passado — disse eu finalmente. — Só quero ajudar-te agora.
Ela assentiu em silêncio e deixou-se cair no sofá.
Durante as semanas seguintes fui lá quase todos os dias depois do trabalho. Levava-lhe sopa caseira, ajudava-a a tomar banho e punha a roupa a lavar. O Miguel ia comigo sempre que podia e via-se que lhe fazia bem estar com a avó outra vez.
Mas nem tudo era fácil. O Pedro soube das minhas visitas e ligou-me furioso numa noite de sexta-feira.
— Achas normal andares a meter-te na vida da minha mãe? — gritou ele ao telefone.
Respirei fundo antes de responder.
— Ela está doente e sozinha, Pedro! Alguém tem de cuidar dela!
— Isso não te diz respeito! Já não fazes parte da família!
As palavras dele magoaram-me mais do que queria admitir. Mas desliguei sem responder. Pela primeira vez em muito tempo senti que estava a fazer o que era certo, independentemente do que ele pensasse.
Certa tarde encontrei a Teresa sentada à janela a olhar para a rua vazia.
— Sabes, Sofia… Tenho medo de morrer sozinha — confessou ela num sussurro quase impercetível.
Sentei-me ao lado dela e segurei-lhe a mão.
— Não vais morrer sozinha. Eu prometo.
Ela chorou baixinho durante minutos intermináveis enquanto eu lhe fazia festas no cabelo como fazia ao Miguel quando era pequeno.
Com o tempo, fomos reconstruindo uma relação feita de silêncios partilhados e pequenos gestos: um bolo de laranja ao domingo, uma conversa sobre novelas portuguesas à noite, risos tímidos à volta da mesa da cozinha.
No Natal desse ano convidei-a para jantar connosco em minha casa. Ela hesitou muito antes de aceitar, mas acabou por vir. O Miguel estava radiante e até o meu novo companheiro, Rui, fez questão de lhe oferecer um presente simples: um cachecol azul tricotado pela mãe dele.
Quando todos se foram embora e fiquei sozinha na cozinha a arrumar os pratos, ouvi a Teresa aproximar-se devagarinho.
— Obrigada por não me teres deixado cair no esquecimento — disse ela baixinho.
Olhei para ela e vi nos olhos dela algo novo: paz.
Agora escrevo esta história sentada na mesma sala onde tantas vezes chorei sozinha depois do divórcio. Penso em tudo o que perdi e tudo o que ganhei desde então. Pergunto-me quantas vezes deixamos o orgulho falar mais alto do que o amor? Será que vale mesmo a pena guardar rancor quando podemos escolher perdoar?
E vocês? Já tiveram de engolir o orgulho para ajudar alguém do passado? O que fariam no meu lugar?