O Orgulho Ferido de uma Mãe: Entre o Amor e o Dinheiro

— Mãe, não percebes? Eu tenho vergonha! — As palavras da Mariana ecoaram pela cozinha fria, cortando o silêncio como uma faca afiada. Fiquei ali parada, com as mãos ainda húmidas do detergente, a olhar para ela como se não a reconhecesse. O cheiro do café acabado de fazer misturava-se com o amargo daquelas palavras.

— Vergonha de quê, filha? — perguntei, tentando manter a voz firme, mas sentindo-a tremer por dentro.

Ela desviou o olhar, fitando o chão. — De não poderes ajudar-me como os pais do Rui ajudam. Eles pagam viagens, ajudam com as contas da casa… E tu… tu fazes o que podes, eu sei, mas… — A voz dela sumiu-se num soluço.

Senti um nó apertar-me a garganta. Tantas noites sem dormir, tantos turnos extra na fábrica para lhe pagar os estudos, tantas vezes a contar os trocos para que nunca lhe faltasse nada essencial. E agora, ali estava ela, a minha menina, a dizer-me que se envergonhava de mim.

— Mariana, eu dei-te tudo o que tinha. Nunca te faltou comida na mesa, roupa lavada ou um abraço quando precisavas. — A minha voz saiu mais dura do que queria. — Não sou rica como os pais do Rui, mas dei-te amor. Isso não chega?

Ela chorava baixinho. Oiço o Rui na sala, a tentar fingir que não ouve a discussão. Sempre tão educado, tão correto — e tão distante. Os pais dele são daqueles que vão ao Algarve todos os verões e compram presentes caros no Natal. Eu nunca pude competir com isso.

Lembro-me de quando a Mariana era pequena e me dizia que queria ser professora. Eu sorria e dizia-lhe para sonhar alto. Trabalhei tanto para que ela pudesse estudar, para que tivesse uma vida melhor do que a minha. E agora parecia que tudo isso não tinha valor.

— Mãe… desculpa. Eu só… sinto-me tão pequena ao lado deles. Eles olham para mim como se eu fosse menos porque tu não tens dinheiro. — Ela limpou as lágrimas com as costas da mão.

— Não és menos ninguém! — exclamei, sentindo a raiva e a tristeza misturarem-se dentro de mim. — O dinheiro não faz as pessoas melhores. Faz-te falta alguma coisa? Tens fome? Dormes mal?

Ela abanou a cabeça.

— Então porquê essa vergonha?

Ela calou-se. O silêncio pesava entre nós como uma parede invisível. Sentei-me à mesa, cansada de lutar contra um mundo que parece sempre exigir mais do que posso dar.

Naquela noite, depois de eles saírem, fiquei sozinha na cozinha. O relógio marcava quase meia-noite e eu ainda sentia as palavras dela a martelarem-me na cabeça. Fui buscar uma caixa velha onde guardo fotografias e cartas da Mariana quando era criança. Lembrei-me de todas as festas de aniversário improvisadas, dos passeios ao parque porque não havia dinheiro para ir ao cinema, das noites em que ela adormecia no meu colo enquanto eu lhe contava histórias inventadas.

No dia seguinte, fui trabalhar como sempre. As colegas notaram o meu ar abatido.

— Que se passa, Rosa? — perguntou a Dona Lurdes.

— Nada… coisas de família — respondi, sem vontade de partilhar aquela dor.

Mas à hora do almoço, não aguentei e desabafei:

— A minha filha disse-me que tem vergonha de mim porque não posso ajudá-la como os sogros ajudam o marido dela…

A Dona Lurdes suspirou.

— Os filhos esquecem-se depressa do que passámos por eles. Acham que tudo se compra com dinheiro… — disse ela, abanando a cabeça.

— Eu só queria que ela visse o quanto lutei por ela — murmurei.

Ao fim de semana seguinte, fui convidada para jantar em casa da Mariana e do Rui. Os pais dele também lá estavam. A mesa estava cheia de comida cara: camarão, bacalhau à Brás feito com azeite importado, vinhos caros. Senti-me deslocada naquele ambiente luxuoso.

Durante o jantar, a mãe do Rui comentou:

— Mariana, querida, se precisares de ajuda para mobilar o quarto do bebé, diz-nos. Nós tratamos disso.

A Mariana olhou para mim de relance e depois baixou os olhos.

— Obrigada, sogra… — murmurou.

Senti um aperto no peito. Não era inveja — era impotência. Queria poder dar-lhe tudo aquilo, mas sabia que nunca conseguiria competir com aquela generosidade fácil de quem nunca soube o que é contar moedas no fim do mês.

No regresso a casa, a Mariana acompanhou-me até ao portão.

— Mãe… desculpa outra vez pelo que disse naquele dia — sussurrou ela.

— Mariana, só quero que sejas feliz. Mas não deixes que o dinheiro te faça esquecer quem és e de onde vens — respondi.

Ela abraçou-me com força e chorou no meu ombro como quando era criança.

Os meses passaram e nasceu o meu neto, o pequeno Tomás. Fui vê-lo à maternidade com um ursinho de peluche comprado nos saldos. Quando cheguei lá, vi um enxoval inteiro oferecido pelos sogros: roupinhas bordadas com o nome dele, brinquedos caros, até um carrinho topo de gama.

A Mariana sorriu quando me viu entrar.

— Olha quem chegou! O ursinho mais bonito é o teu! — disse ela, tentando animar-me.

Mas vi nos olhos dela um misto de gratidão e culpa.

Com o tempo fui aceitando que nunca poderia competir com os outros em termos materiais. Mas continuei presente: ia buscar o Tomás à creche quando podia, fazia-lhe sopas caseiras e contava-lhe histórias como fazia com a mãe dele.

Um dia, quando o Tomás já tinha três anos, ouvi-o dizer à mãe:

— Gosto mais das histórias da avó Rosa do que dos brinquedos novos!

A Mariana olhou para mim e sorriu com lágrimas nos olhos.

— Mãe… acho que só agora percebo tudo aquilo por que passaste por mim…

Abracei-a em silêncio. Senti finalmente algum alívio no coração ferido.

Mas às vezes ainda me pergunto: será que algum filho consegue mesmo perceber tudo aquilo que uma mãe sacrifica? Será que algum dia deixamos de ser comparados aos outros? E vocês? Também já sentiram esta dor?