O Meu Marido Tinha um Romance… Com a Sua Própria Vida: A Verdade Que Mudou Tudo
— Não me digas que vais sair outra vez, Miguel. — A minha voz tremeu, mas tentei soar firme. Ele olhou-me de relance, já com as chaves do carro na mão, e suspirou como quem carrega o peso do mundo nos ombros.
— Tenho de ir ao escritório, Mariana. O Rui pediu-me para rever uns contratos. — A desculpa era sempre a mesma, e eu já sabia de cor o tom neutro com que ele a dizia.
Fiquei ali, parada no corredor, a ouvir o som da porta a fechar-se atrás dele. O silêncio da casa era ensurdecedor. O relógio da cozinha marcava 21h17. Mais uma noite sozinha, mais uma refeição fria, mais um copo de vinho para engolir a solidão.
Durante meses, senti o Miguel afastar-se. No início eram só pequenas coisas: esquecia-se dos nossos aniversários, chegava tarde sem avisar, respondia-me com monossílabos. Depois vieram as ausências prolongadas, as mensagens misteriosas no telemóvel, os sorrisos que já não eram para mim.
A minha mãe dizia-me para ter paciência. “Os homens são assim, filha. Trabalham muito, cansam-se. Não cries fantasmas onde não existem.” Mas eu sentia no peito uma inquietação que não me deixava dormir. Comecei a reparar em tudo: no perfume diferente na camisa dele, nas chamadas recusadas quando eu entrava na sala, nos olhares vazios ao jantar.
Uma noite, depois de ele sair, decidi segui-lo. Senti-me ridícula, como uma personagem de novela barata. Mas precisava de saber. O meu coração batia tão forte que temi que ele ouvisse o barulho do meu medo.
Vi-o estacionar junto ao Parque das Nações. Esperei no carro, com as mãos geladas no volante. Ele saiu e entrou num café pequeno, daqueles onde ninguém repara em ninguém. Esperei minutos que pareceram horas. Quando finalmente saiu, não estava acompanhado. Caminhou sozinho até ao rio e ficou ali parado, a olhar para a água escura.
No dia seguinte, repeti o ritual. E no outro também. Sempre sozinho. Sempre calado. Comecei a duvidar de mim própria: estaria eu a enlouquecer? Estaria tudo na minha cabeça?
Uma tarde, decidi confrontá-lo.
— Miguel, precisamos de falar. — Sentei-me à sua frente na sala, com as mãos entrelaçadas para não tremer.
Ele olhou-me com cansaço.
— O que foi agora?
— Sinto que estás distante. Que já não fazes parte desta casa. — A minha voz saiu mais baixa do que queria.
Ele ficou em silêncio durante tanto tempo que pensei que não ia responder.
— Mariana… — começou ele, finalmente — Eu… Eu não sei como te explicar isto sem te magoar.
O meu coração gelou.
— Diz-me a verdade. Tens outra pessoa?
Ele abanou a cabeça devagar.
— Não é isso… Não há ninguém. Só eu.
Fiquei confusa.
— Como assim?
Ele levantou-se e começou a andar pela sala.
— Sinto-me vazio, Mariana. Sinto que perdi quem era antes de tudo isto: antes do trabalho, antes das contas para pagar, antes das responsabilidades todas. Sinto falta de mim próprio. E não sei como voltar a encontrar-me.
As lágrimas começaram a escorrer-me pelo rosto sem eu dar por isso.
— E eu? Eu faço parte desse vazio?
Ele sentou-se ao meu lado e pegou-me nas mãos.
— Tu és tudo o que me resta de bom nesta vida. Mas até contigo sinto que já não sou inteiro. Não é culpa tua. É como se estivesse a viver uma vida que não escolhi realmente.
Ficámos ali sentados em silêncio. Pela primeira vez em anos, vi o Miguel chorar.
Os dias seguintes foram um nevoeiro espesso. Ele continuou a sair à noite, mas agora eu sabia: não havia outra mulher, outro homem, outro segredo qualquer. Havia apenas um homem perdido dentro da sua própria vida.
Comecei a reparar em mim também. Quando foi a última vez que fiz algo só para mim? Quando foi a última vez que ri sem pensar nas contas ou nas tarefas domésticas? Percebi que também eu estava perdida — presa numa rotina sufocante, numa casa cheia de silêncios e ausências.
A minha irmã veio visitar-me numa dessas noites solitárias.
— Mariana, tu tens de pensar em ti também. Não podes viver só à espera dele. — Ela disse isto enquanto me ajudava a dobrar roupa na sala.
— E se for tarde demais? — perguntei-lhe baixinho.
Ela sorriu com ternura.
— Nunca é tarde para te encontrares outra vez.
Na semana seguinte inscrevi-me numa aula de cerâmica no centro cultural do bairro. Senti-me ridícula ao início — as mãos desajeitadas no barro frio — mas aos poucos fui sentindo uma alegria esquecida crescer dentro de mim.
O Miguel começou a chegar mais cedo a casa algumas noites. Sentava-se comigo na cozinha enquanto eu moldava pequenas tigelas tortas e contava histórias da infância dele que nunca tinha ouvido antes.
Uma noite perguntei-lhe:
— Achas que ainda podemos ser felizes juntos?
Ele olhou para mim com olhos cansados mas sinceros.
— Não sei, Mariana. Mas quero tentar encontrar-nos outra vez — juntos e separados ao mesmo tempo.
A nossa filha Inês percebeu logo que algo tinha mudado em casa. Um dia entrou na cozinha e disse:
— Mãe, porque é que tu e o pai estão sempre tristes?
Abracei-a com força e prometi-lhe que íamos ficar bem — mesmo sem saber se era verdade.
Os meses passaram devagarinho. Fomos aprendendo a viver com as nossas falhas e vazios. Às vezes discutíamos por coisas pequenas: o lixo por levar, as contas por pagar, os silêncios por preencher. Outras vezes ríamos juntos como antigamente — por causa de um filme parvo ou de uma receita que correu mal.
A verdade é que nunca mais voltámos a ser os mesmos de antes — nem juntos nem separados. Mas aprendemos a aceitar isso: que o amor às vezes é só ficar ao lado um do outro nos dias maus e tentar encontrar sentido nas pequenas alegrias do dia-a-dia.
Hoje olho para o Miguel e vejo um homem diferente: mais frágil mas mais verdadeiro. E olho para mim e vejo alguém que aprendeu a cuidar de si própria sem culpa.
Pergunto-me muitas vezes: quantos casais vivem assim — juntos mas sozinhos? Quantas pessoas têm medo de admitir que se perderam dentro da própria vida? Será possível reencontrarmo-nos quando tudo parece perdido?