O Meu Marido Comprou Flores à Ex-Mulher no Aniversário Dela, Mas Nunca Me Ofereceu Nem Um Chocolate
— Achas mesmo que era preciso? — perguntei, tentando controlar o tremor na voz enquanto olhava para o ramo de flores pousado em cima da mesa da cozinha.
Miguel nem levantou os olhos do telemóvel. — O quê, Ana?
— As flores. Para a Rita. — O nome dela saiu-me como um espinho preso na garganta.
Ele suspirou, como se eu fosse uma criança birrenta. — É só um gesto de educação. Ela é mãe da Leonor, não podia ignorar o aniversário dela.
Fiquei ali, parada, a olhar para ele. Dois anos de casamento e nunca recebi nem um chocolate. Nem no meu aniversário, nem no Dia dos Namorados. Nada. Mas para a ex-mulher havia flores, e não eram baratas. Rosas vermelhas e lírios brancos, embrulhados com um laço dourado.
Lembrei-me das palavras da minha mãe, ditas com aquele tom de quem já viu demasiado da vida: “Ana, homem divorciado traz sempre bagagem. E se a mulher o deixou, é porque alguma coisa não estava certa.” Ignorei-a, claro. Achei que o amor era mais forte do que qualquer passado. Achei que Miguel era diferente.
Mas ali estava eu, a sentir-me pequena na minha própria casa.
— Não é só um gesto de educação — insisti, a voz agora mais firme. — É um gesto que nunca tiveste comigo.
Ele pousou finalmente o telemóvel e olhou-me nos olhos. — Não faças disto um drama, por favor.
— Não estou a fazer um drama! Só queria perceber… porque é que ela merece flores e eu não? — Senti as lágrimas a quererem saltar, mas recusei-me a chorar à frente dele.
Miguel levantou-se e foi até ao frigorífico, como se procurasse refúgio entre os iogurtes e as cervejas. — A Rita passou por muito comigo. Temos uma filha juntos. Não percebes?
— E eu? Eu não passo por nada contigo? — A minha voz ecoou pela cozinha vazia.
Ele não respondeu. O silêncio entre nós tornou-se mais pesado do que qualquer discussão.
Naquela noite, deitei-me cedo. Fingi que dormia quando ele entrou no quarto e se deitou ao meu lado sem dizer palavra. O cheiro das flores ainda pairava no ar, misturado com o perfume dele. Senti-me invisível.
No dia seguinte, liguei à minha mãe. Precisava de ouvir a voz dela, mesmo sabendo que ia ouvir o que não queria.
— Então, filha? Estás bem? — perguntou ela, com aquele tom preocupado que me irritava e confortava ao mesmo tempo.
— Mãe… o Miguel comprou flores à Rita pelo aniversário dela. Nunca me ofereceu nada…
Ela suspirou fundo. — Eu avisei-te, Ana. Esses homens nunca deixam o passado para trás. E tu sempre foste tão ingénua…
— Não é isso, mãe! Eu só queria sentir que sou especial para ele…
— Filha, tu tens de te valorizar. Se não te pões em primeiro lugar, ninguém te põe.
Desliguei sem saber se me sentia melhor ou pior. Passei o dia a pensar nas palavras dela e nas atitudes do Miguel. Comecei a reparar em tudo: nos jantares em silêncio, nas mensagens trocadas com a Rita sobre a Leonor (mas sempre com emojis e piadas privadas), nas desculpas para chegar tarde do trabalho quando sabia que ela ia buscar a filha à escola.
Uma noite, depois de jantar, decidi confrontá-lo de verdade.
— Miguel, precisamos de conversar.
Ele olhou-me com aquele ar cansado de quem já não tem paciência para dramas domésticos.
— Sobre o quê agora?
— Sobre nós. Sobre o facto de eu me sentir sempre em segundo plano na tua vida.
Ele riu-se, mas sem alegria. — Lá estás tu outra vez…
— Não estou! Estou farta de fingir que está tudo bem! — A minha voz saiu mais alta do que queria. — Tu dás tudo à Rita: atenção, carinho… até flores! E eu? O que é que eu sou para ti?
Ele ficou calado durante uns segundos eternos.
— Ana… tu sabias ao que vinhas quando casaste comigo. Eu tenho uma filha, tenho responsabilidades…
— E eu? Não mereço nada? Nem um gesto? Nem um chocolate?
Ele abanou a cabeça e saiu da sala sem dizer mais nada.
Naquela noite chorei sozinha na casa de banho, com medo que ele ouvisse. Senti-me ridícula por estar magoada por causa de umas flores, mas sabia que era muito mais do que isso. Era sobre ser vista, ser amada, ser escolhida todos os dias.
Os dias seguintes foram um arrastar de silêncios e pequenas discussões. Comecei a evitar estar em casa quando ele chegava. Passei mais tempo com a minha irmã, Sofia, que sempre foi o meu porto seguro.
— Tu tens de decidir se isto te faz feliz — disse ela uma tarde, enquanto bebíamos café na esplanada do bairro.
— Não sei… sinto-me presa entre o medo de ficar sozinha e o medo de nunca ser suficiente para ele.
Sofia apertou-me a mão. — A felicidade não pode ser uma luta constante por migalhas de atenção.
As palavras dela ficaram comigo durante dias. Comecei a pensar em tudo o que abdiquei para estar com o Miguel: os jantares com amigas que deixei de ir porque ele não gostava da companhia delas; as viagens adiadas porque “a Leonor tem prioridade”; os sonhos adiados à espera de um gesto dele que nunca veio.
Uma tarde, ao chegar a casa mais cedo do trabalho, ouvi risos vindos da sala. Entrei devagar e vi Miguel ao telefone com Rita. Falavam sobre a Leonor, mas havia uma intimidade ali que me magoou mais do que qualquer discussão.
Quando desligou, olhou para mim como se eu fosse uma intrusa na própria casa.
— Chegaste cedo hoje…
— Sim… — respondi, sem saber o que dizer.
O silêncio instalou-se outra vez entre nós.
Nessa noite tomei uma decisão. Não podia continuar assim. Escrevi-lhe uma carta — porque sabia que nunca conseguiria dizer tudo cara a cara sem chorar ou gritar:
“Miguel,
Sinto-me invisível ao teu lado. Sei que tens responsabilidades com a Rita e com a Leonor, mas também sou tua mulher e preciso de sentir que sou importante para ti. Não quero competir com ninguém pelo teu amor ou pela tua atenção. Quero sentir-me escolhida todos os dias — como tu escolheste dar flores à Rita no aniversário dela. Se não consegues fazer isso por mim, talvez seja melhor cada um seguir o seu caminho.
Ana”
Deixei a carta em cima da mesa da cozinha e fui dormir ao sofá da sala da minha irmã nessa noite.
No dia seguinte ele ligou-me dezenas de vezes antes de finalmente aparecer à porta da Sofia.
— Ana… podemos falar?
Olhei para ele e vi nos olhos dele algo que já não via há muito tempo: medo de me perder.
Conversámos durante horas naquela noite. Ele pediu desculpa por ter sido insensível, por ter dado tudo como garantido. Disse que nunca percebeu o quanto me magoava ao repetir padrões antigos e prometeu mudar.
Não sei se acredito em promessas feitas no desespero. Sei apenas que mereço mais do que migalhas de atenção e gestos vazios.
Hoje olho para trás e pergunto-me: quantas mulheres vivem assim — presas entre o passado dos maridos e o medo de ficarem sozinhas? Será possível reconstruir um amor quando já nos sentimos invisíveis há tanto tempo? E vocês… já se sentiram assim?