O Meu Filho Quer Casar e Voltar Para Casa – Devo Permitir?
— Mãe, preciso falar contigo. — A voz do Rui ecoou pela cozinha, tensa, quase a tremer. Eu estava a lavar a loiça do jantar, as mãos já doridas da água fria, mas o tom dele fez-me largar o prato e olhar para trás. O Miguel, o mais novo, fingia não ouvir, mas eu sabia que estava atento a cada palavra.
— Diz, filho. — Tentei sorrir, mas o coração já batia mais depressa. Rui nunca usava aquele tom sem motivo.
Ele respirou fundo, os olhos castanhos fixos nos meus, como se procurasse coragem. — Eu e a Sofia queremos casar. E… — hesitou, baixando o olhar — pensámos em ficar aqui em casa, pelo menos até conseguirmos juntar dinheiro para um apartamento nosso.
O silêncio caiu pesado. Oiço o tique-taque do relógio da parede, o som do Miguel a mexer no telemóvel. Sinto o peito apertado. O nosso T2 em Almada já mal chega para nós três. Dois quartos minúsculos, uma sala que serve de tudo: escritório, sala de jantar, sala de estar. E agora, mais uma pessoa? Uma nora?
— Rui, tu sabes como isto é pequeno… — A minha voz saiu mais fraca do que queria. — Não achas que vai ser difícil?
Ele sentou-se à mesa, os ombros caídos. — Eu sei, mãe. Mas não temos alternativa. Os preços das casas estão impossíveis, os salários não chegam. A Sofia não quer ficar com os pais, eu também não. Aqui… pelo menos estamos juntos.
Miguel bufou, sem levantar os olhos. — E eu? Onde fico no meio disto tudo?
— Miguel, não compliques — respondeu Rui, já a perder a paciência. — É só por uns tempos.
— Uns tempos? — O Miguel levantou-se, finalmente. — Como quando disseste que só ias usar o meu computador uma semana e já lá vão três meses?
Eu tentei intervir, mas a discussão já tinha começado. O Rui a prometer que seria temporário, o Miguel a dizer que nunca ninguém pensa nele, eu a sentir-me esmagada entre os dois. Lembrei-me de quando o pai deles saiu de casa, há dez anos. Eu a segurar tudo sozinha, a trabalhar em dois empregos, a fazer malabarismos para pagar a renda, a comida, os livros da escola. Sempre a pôr os filhos em primeiro lugar. E agora, quando finalmente começava a respirar, a ter um bocadinho de paz, vinha isto.
Naquela noite, não dormi. Fiquei a olhar para o teto, a ouvir os sons da rua, a pensar na Sofia, que mal conhecia. Uma rapariga simpática, mas será que ia respeitar o nosso espaço? E se começássemos a discutir por causa das tarefas domésticas, das contas, do barulho? E se o Miguel se sentisse ainda mais posto de parte? E eu, onde ficava no meio disto tudo?
No dia seguinte, a Sofia veio cá jantar. Trouxe um bolo de laranja, sorriu muito, tentou ajudar na cozinha. O Rui olhava para ela como se fosse a única pessoa no mundo. Senti-me velha, cansada, deslocada. Quando nos sentámos à mesa, a conversa foi forçada, cheia de silêncios. O Miguel mal tocou na comida.
— Dona Teresa, eu sei que isto é pedir muito — disse a Sofia, de repente, com a voz baixa. — Mas prometo que vamos ajudar em tudo. Podemos dividir as despesas, as tarefas… Eu até posso dormir na sala, se for preciso.
Olhei para ela, tão jovem, tão cheia de esperança. Lembrei-me de mim, com vinte anos, cheia de sonhos antes de a vida me ensinar a ser prática. Senti uma pontada de inveja, mas também de ternura. Quis acreditar que podia resultar, mas a dúvida corroía-me.
Os dias passaram e a tensão aumentou. O Rui insistia, o Miguel resmungava, eu evitava o assunto. No trabalho, mal conseguia concentrar-me. As colegas diziam que devia apoiar o filho, que era normal os jovens precisarem de ajuda. Mas nenhuma delas vivia num T2 com três adultos e um adolescente. À noite, chorava baixinho, sem saber o que fazer.
Uma tarde, cheguei a casa e encontrei o Miguel a fazer as malas.
— O que estás a fazer? — perguntei, assustada.
— Vou para casa do pai. — Disse, sem me olhar nos olhos. — Aqui já não há espaço para mim.
Senti o chão fugir-me dos pés. O Miguel sempre foi o mais sensível, o que mais sofreu com a separação. Tentei abraçá-lo, mas ele afastou-se.
— Mãe, tu só pensas no Rui. Sempre foi assim. Eu sou o que sobra.
— Não digas isso, filho… — As lágrimas caíam-me pela cara. — Eu amo-vos aos dois. Só quero o melhor para vocês.
— Então prova. — Atirou, antes de sair, batendo a porta.
Fiquei sozinha na sala, as malas do Miguel no chão, o cheiro do seu perfume ainda no ar. Liguei ao Rui, contei-lhe tudo. Ele veio logo, aflito, mas em vez de ajudar, começou a discutir comigo.
— Mãe, não podes deixar o Miguel manipular-te assim. Ele é que não quer crescer!
— Rui, ele é teu irmão! — Gritei, pela primeira vez em anos. — Esta casa é de todos!
— Mas eu também tenho direito a ser feliz! — Respondeu, com os olhos cheios de lágrimas. — Sempre puseste o Miguel à frente de mim. Agora é a minha vez.
As palavras dele doeram mais do que qualquer bofetada. Senti-me a falhar como mãe, como mulher, como pessoa. Passei a noite a andar de um lado para o outro, sem saber o que fazer.
No dia seguinte, fui falar com a minha irmã, a Ana. Sempre foi a minha confidente, a única que me diz as verdades na cara.
— Teresa, tu tens de pensar em ti. — Disse ela, sem rodeios. — Passaste a vida a sacrificar-te. Agora mereces paz. O Rui que arranje maneira de viver com a Sofia noutro sítio. Ou então que todos aprendam a ceder. Mas não podes carregar o mundo às costas para sempre.
As palavras dela ficaram-me na cabeça. Passei dias a pensar, a pesar prós e contras. O Rui e a Sofia continuavam a pressionar, o Miguel não me atendia o telefone. No trabalho, sentia-me um fantasma. Até que um dia, ao chegar a casa, encontrei o Rui e a Sofia sentados à mesa, de mãos dadas.
— Mãe, decidimos procurar um quarto para alugar. — Disse o Rui, com a voz cansada. — Não queremos dividir ainda mais a família.
Senti um alívio e uma tristeza ao mesmo tempo. Abracei-os, chorei. Liguei ao Miguel, pedi-lhe para voltar. Ele voltou, mas ficou diferente, mais distante.
Agora, meses depois, a casa está mais calma, mas sinto que perdi alguma coisa. O Rui e a Sofia vêm jantar aos domingos, o Miguel passa mais tempo fechado no quarto. Eu continuo a trabalhar, a cuidar de tudo, mas às vezes pergunto-me: fiz o certo? Devia ter sacrificado o meu conforto pelo futuro do meu filho? Ou finalmente aprendi a pôr-me em primeiro lugar?
E vocês, o que fariam no meu lugar? Até onde deve ir o amor de mãe?