O Meu Filho Quer Casar com a Filha da Vizinha, Mas Eu Não Consigo Aceitar!

— Diogo, não podes estar a falar a sério! — A minha voz saiu mais alta do que queria, mas não consegui controlar. O meu filho olhou-me nos olhos, firme, com aquela teimosia que só ele tem desde pequeno.

— Mãe, eu amo a Mariana. Não percebo porque é que não consegues aceitar isso.

O silêncio caiu pesado na cozinha. O relógio da parede marcava quase meia-noite, mas nenhum de nós parecia disposto a ceder. O meu marido, o Luís, estava sentado ao fundo da mesa, calado, com as mãos entrelaçadas como se rezasse para que eu não explodisse ainda mais.

Fechei os olhos por um segundo. Lembrei-me de todas as noites em claro, dos exames médicos, das lágrimas escondidas no travesseiro. Tive o Diogo aos 41 anos, depois de anos de tentativas falhadas e diagnósticos desanimadores. Quando finalmente engravidei, senti que tinha sido abençoada. Ele era tudo para mim. E agora… agora queria casar-se com a filha da vizinha, a mesma Mariana que eu vi crescer ao lado dele, mas que sempre me pareceu… errada para ele.

— Diogo — tentei suavizar o tom —, tu és tão novo. Tens só vinte e três anos. E a Mariana…

— A Mariana tem vinte e dois! — interrompeu-me ele. — E já somos adultos. Não somos crianças.

O Luís pigarreou, finalmente. — Ana, talvez devêssemos ouvir o que eles têm para dizer…

Olhei para ele, traída. Ele sabia o que eu sentia. Sabia dos meus receios. A Mariana sempre foi uma rapariga rebelde: faltava à escola, metia-se em confusões, e a mãe dela — a D. Rosa — nunca soube pôr-lhe limites. Quantas vezes não ouvi discussões do outro lado da parede? Quantas vezes não vi a Mariana chegar tarde a casa, com os olhos vermelhos e o cabelo desgrenhado?

Mas o Diogo via nela algo que eu não via. Talvez porque cresceu ao lado dela, talvez porque sempre quis protegê-la. Mas será amor? Ou será apenas aquela vontade de salvar alguém?

— Mãe — disse ele, mais baixo —, tu sabes que eu nunca faria nada sem pensar bem. Eu amo-a mesmo.

Senti um aperto no peito. Lembrei-me do dia em que o Diogo nasceu: tão pequeno, tão frágil nos meus braços. Prometi naquele momento que ia protegê-lo de tudo. Mas como se protege um filho do próprio coração?

— E se ela te magoa? E se ela te arrasta para os problemas dela? — perguntei, quase num sussurro.

Ele suspirou. — Mãe… todos temos problemas. Tu também tiveste os teus. E eu nunca te julguei.

Aquelas palavras bateram fundo. Era verdade: eu própria não era perfeita. O Luís e eu passámos por crises, por dificuldades financeiras, por discussões que quase nos separaram. Mas sempre lutámos juntos.

Na manhã seguinte, acordei com os olhos inchados de tanto chorar. O Luís já estava na cozinha, a preparar café.

— Ana… — começou ele —, talvez estejas a ser dura demais com o Diogo.

— Não percebes? — respondi-lhe, sentando-me à mesa com as mãos na cabeça — Se ele casar com ela e tudo correr mal… eu não vou aguentar vê-lo sofrer.

O Luís pousou a chávena e olhou-me nos olhos. — Mas se correr bem? Vais conseguir viver com o peso de teres sido tu a impedir?

Fiquei sem resposta.

Os dias seguintes foram um tormento. A Mariana começou a aparecer mais vezes lá em casa. Era educada comigo, mas sentia-se no ar uma tensão impossível de cortar. Um dia ouvi-a no corredor:

— Dona Ana… sei que não gosta muito de mim. Mas eu amo o Diogo e vou fazer tudo para o fazer feliz.

Olhei para ela: olhos castanhos grandes, sinceros. Pela primeira vez vi nela uma fragilidade que me tocou.

— Mariana… não é uma questão de gostar ou não gostar — disse-lhe — É medo. Medo de perder o meu filho.

Ela sorriu tristemente. — Eu também tenho medo de perder quem amo.

Nesse dia fui dar uma volta sozinha pelo bairro. Passei pelo jardim onde costumava levar o Diogo em pequeno. Sentei-me num banco e chorei baixinho. Senti-me egoísta e ao mesmo tempo impotente.

No domingo seguinte houve jantar em casa da D. Rosa para celebrar o aniversário da Mariana. Fui contrariada, mas fui. A casa estava cheia de gente: primos barulhentos, tios distantes, vizinhos curiosos. O Diogo estava radiante ao lado dela.

Durante o jantar ouvi conversas cruzadas sobre empregos precários, rendas altas e sonhos adiados — realidades tão portuguesas quanto as sardinhas na brasa que serviam à mesa.

No final da noite, enquanto ajudava a D. Rosa na cozinha, ela virou-se para mim:

— Ana… sei que tens medo pela felicidade do teu filho. Eu também tenho pela minha filha. Mas eles têm direito à vida deles.

Olhei para ela e vi nos seus olhos as mesmas rugas de preocupação que via nos meus ao espelho.

Naquela noite sonhei com o Diogo em criança: corria pelo quintal atrás de um papagaio de papel, rindo alto, livre de preocupações.

Os dias passaram e a data do casamento aproximava-se. O Diogo insistiu para que eu fosse escolher o vestido da Mariana com eles.

— Por favor mãe… faz isto por mim.

Fui contrariada mas fui. Quando vi a Mariana experimentar o vestido branco, tão nervosa e feliz ao mesmo tempo, senti um nó na garganta.

No caminho para casa, o Diogo pegou-me na mão:

— Mãe… obrigado por teres vindo hoje.

Olhei para ele e vi o homem em que se tornou: generoso, sensível, determinado.

Na véspera do casamento não dormi nada. Passei a noite toda a pensar: será que estou errada? Será que estou apenas a projectar os meus medos no futuro dele?

No dia do casamento choveu torrencialmente — típico em abril português — mas dentro da igreja estava quente e cheio de flores brancas. Quando vi o Diogo sorrir à Mariana no altar percebi: ele estava feliz.

No final da cerimónia abracei-o com força:

— Amo-te tanto meu filho…

Ele sorriu emocionado:

— Eu sei mãe…

Agora escrevo esta história sentada na sala vazia enquanto eles partem para lua-de-mel no Algarve. Sinto um misto de alívio e saudade.

Será que fiz bem em ceder? Será que algum dia uma mãe consegue mesmo proteger um filho das dores do mundo? O que fariam vocês no meu lugar?