O Lugar de Uma Mãe no Coração de um Filho

— Tiago, não podes fazer-me isto! — gritei, a voz embargada, enquanto ele fechava a porta do quarto com força. O eco do estrondo percorreu o corredor, misturando-se com o som abafado da chuva a bater nos vidros da sala. Senti o peito apertar-se, como se cada gota lá fora fosse uma lágrima minha que eu já não conseguia conter.

A casa estava mergulhada numa tensão quase palpável. O cheiro a café frio e a torradas queimadas pairava no ar, testemunhas mudas de um pequeno-almoço interrompido por palavras duras. O meu marido, António, olhava para mim com aquele ar resignado de quem já não sabe o que dizer. Mas eu sabia: não era só sobre a universidade em Lisboa, nem sobre a namorada nova do Tiago, a tal Inês, que eu nunca consegui aceitar. Era sobre tudo o que ficou por dizer entre nós nos últimos anos.

— Mariana, deixa o rapaz respirar — murmurou António, tentando apaziguar-me. — Ele já tem dezoito anos, tem de fazer as escolhas dele.

— As escolhas dele? — repeti, quase a cuspir as palavras. — E eu? Não conto? Não fui eu que estive sempre aqui?

Lembrei-me de quando Tiago era pequeno e corria para os meus braços sempre que caía. Agora, parecia correr para longe de mim a cada oportunidade. Senti-me ridícula por chorar por isso, mas não consegui evitar.

Naquela manhã, tudo tinha começado com uma conversa aparentemente inocente sobre os planos para o verão. Eu queria que fôssemos todos à casa dos meus pais em Sintra, como fazíamos todos os anos. Mas Tiago tinha outros planos: queria ir com Inês e os amigos para o Algarve. Quando lhe disse que não concordava, ele explodiu.

— Mãe, já chega! Não sou uma criança! Não podes controlar tudo na minha vida!

— Não é controlar, Tiago! É proteger-te! — respondi, mas ele já não me ouvia.

O silêncio que se seguiu foi mais doloroso do que qualquer discussão. Sentei-me no sofá, abraçada às pernas, sentindo-me mais sozinha do que nunca naquela casa cheia de memórias. António aproximou-se e pousou uma mão no meu ombro.

— Mariana… ele vai voltar. Eles voltam sempre.

Mas será mesmo assim? Será que voltam? Ou será que um dia deixam mesmo de precisar de nós?

À noite, ouvi passos leves no corredor. Era a minha filha mais nova, Sofia, com os seus doze anos e olhos grandes cheios de perguntas.

— Mãe… porque é que o mano está tão zangado?

Abracei-a com força, tentando esconder as lágrimas.

— Às vezes as pessoas zangam-se porque têm medo de perder quem amam, filha.

Ela ficou em silêncio por uns segundos e depois sussurrou:

— Eu nunca vou deixar-te sozinha.

Sorri-lhe, mas por dentro sabia que um dia também ela iria querer voar.

Os dias seguintes foram um arrastar de silêncios e olhares evitados. Tiago mal falava comigo. Passava horas fechado no quarto ou saía sem dizer para onde ia. Eu tentava convencê-lo a falar comigo, mas cada tentativa parecia afastá-lo ainda mais.

Uma noite, ouvi vozes na sala. Era Tiago ao telefone com Inês.

— Sim, ela está impossível… Não percebe que eu já não sou um miúdo… Não sei quanto mais aguento isto.

Senti uma dor aguda no peito. Fui até à cozinha e comecei a lavar a loiça só para não ouvir mais. António entrou e ficou a olhar para mim em silêncio.

— Mariana… temos de aceitar que ele está a crescer.

— E se crescer significa afastar-se de mim? — perguntei, quase num sussurro.

Ele não respondeu. Talvez porque também não soubesse.

No fim-de-semana seguinte, Tiago anunciou ao jantar:

— Vou passar duas semanas ao Algarve com a Inês e os amigos. Já alugámos uma casa.

O garfo caiu-me da mão. Sofia olhou para mim assustada. António tentou manter a calma:

— Já falaste connosco sobre isso?

Tiago encolheu os ombros:

— Já tenho idade para decidir.

Olhei-o nos olhos e vi ali um estranho. Onde estava o meu menino?

— E se acontecer alguma coisa? E se precisares de mim?

Ele sorriu com uma tristeza nos olhos:

— Mãe… tens de confiar em mim.

Naquela noite não dormi. Fiquei sentada na varanda a ouvir os grilos e a pensar em tudo o que podia correr mal. Lembrei-me da minha própria mãe e das discussões que tínhamos tido quando eu era adolescente. Será que ela também se sentiu assim perdida?

No dia em que Tiago partiu para o Algarve, fui levá-lo à estação de comboios. O caminho foi feito em silêncio. Quando chegou a hora da despedida, abracei-o com força.

— Promete-me que vais ter cuidado.

Ele sorriu e beijou-me na testa:

— Prometo, mãe.

Vi-o desaparecer entre a multidão e senti um vazio impossível de descrever.

Durante aquelas duas semanas, tentei ocupar-me com tudo: limpei a casa de cima a baixo, organizei fotografias antigas, fiz bolos para Sofia e até comecei a pintar um quadro novo. Mas nada preenchia aquele espaço vazio à mesa do jantar.

Quando finalmente voltou, estava diferente. Mais crescido, talvez até mais distante. Trouxe histórias novas e um brilho nos olhos quando falava da viagem e dos amigos. Mas entre nós ficou um muro invisível.

Nessa noite, depois do jantar, sentei-me ao lado dele no sofá.

— Senti muito a tua falta — confessei.

Ele olhou para mim por um momento longo demais antes de responder:

— Eu também senti tua falta… mas percebi que preciso do meu espaço.

As palavras ficaram suspensas entre nós como uma promessa e uma ameaça ao mesmo tempo.

Hoje olho para trás e pergunto-me: será que fiz tudo certo? Será que devia ter sido mais flexível? Ou será que devia ter lutado mais pelo meu lugar na vida dele?

Às vezes dou por mim a olhar para as fotografias antigas e a perguntar: será que algum dia voltamos a ser tão próximos como antes? Ou será este o destino de todas as mães — aprender a amar à distância?

E vocês? Já sentiram este medo de perder quem mais amam? Como se aprende a deixar ir sem deixar de amar?