O Julgamento de Uma Mãe: A Verdade Por Trás do Casamento do Meu Filho

— Mãe, preciso falar contigo. — A voz do André tremia, e eu soube logo que algo não estava bem. Era uma manhã de domingo, o cheiro do café ainda pairava no ar da cozinha, e eu estava a preparar as torradas quando ele entrou, com os olhos vermelhos e o rosto cansado.

— O que se passa, filho? — perguntei, largando a faca e aproximando-me dele.

Ele hesitou, olhou para o chão e depois para mim. — A Leonor… Nós… Não sei se isto vai resultar.

O meu coração apertou-se. Não era assim que eu imaginava o futuro do meu filho. Desde o primeiro dia em que ele me disse que ia trazer a Leonor cá a casa, senti uma mistura de ansiedade e esperança. Ele já tinha trinta e dois anos, e eu temia que nunca encontrasse alguém com quem partilhar a vida. Quando ela entrou na nossa sala pela primeira vez, com aquele sorriso tímido e os olhos castanhos sempre atentos a tudo, achei-a doce, educada, perfeita para o meu André.

Mas agora, olhando para ele ali à minha frente, percebi que talvez tivesse sido ingénua.

— Queres contar-me o que aconteceu? — insisti, tentando manter a voz calma.

Ele suspirou. — A Leonor não é quem eu pensava. Ou talvez eu é que não soube ver…

Lembrei-me de todos os jantares em família em que ela parecia deslocada, das vezes em que preferia ficar calada enquanto nós ríamos das histórias antigas. Lembrei-me também de como ela evitava falar da família dela — sempre dizia que era complicado. E eu, na minha ânsia de ver o André feliz, ignorei esses sinais.

— Vocês discutiram? — perguntei.

Ele abanou a cabeça. — Não foi uma discussão. É tudo… É como se estivéssemos a viver vidas paralelas. Ela quer coisas diferentes. Quer mudar de cidade, quer um emprego melhor, quer… quer tudo aquilo que eu não posso dar agora.

Sentei-me ao lado dele e segurei-lhe a mão. — O amor não chega sempre para resolver tudo, filho.

Ele sorriu tristemente. — Eu sei. Mas queria tanto acreditar que sim.

A verdade é que eu própria tinha começado a duvidar da Leonor há algum tempo. Havia pequenos gestos dela que me incomodavam: a forma como olhava para o relógio durante os almoços de domingo, como evitava ajudar nas tarefas da casa quando vinha cá, ou como parecia sempre distante quando falávamos dos nossos problemas familiares. Uma vez ouvi-a ao telefone na varanda, a falar com alguém num tom frio e calculista. Quando me viu a espreitar pela janela, sorriu e desligou rapidamente.

Mas nunca quis confrontar o André com as minhas dúvidas. Tinha medo de parecer aquela sogra chata e controladora. Afinal, quem era eu para julgar?

O casamento deles foi simples, mas bonito. Lembro-me de olhar para o rosto do André enquanto trocavam alianças e pensar: “Ele está feliz.” Mas agora percebo que talvez estivesse apenas iludido.

Depois do casamento, começaram as pequenas discussões. Primeiro sobre dinheiro — a Leonor queria comprar um carro novo, mas o André dizia que não podiam gastar tanto. Depois sobre filhos — ela queria esperar mais uns anos; ele queria começar já uma família. E depois vieram as discussões sobre trabalho: ela queria mudar-se para Lisboa para tentar uma carreira numa multinacional; ele não queria deixar o emprego estável na Câmara Municipal da nossa pequena cidade em Santarém.

Uma noite, ouvi-os a discutir no corredor:

— Não posso continuar assim! — gritava a Leonor. — Sinto-me presa nesta vida pequena!

— Esta é a minha vida! — respondeu o André, com uma voz que eu mal reconheci.

Fiquei no meu quarto, com o coração aos pulos, sem saber se devia intervir ou não.

Os meses passaram e as coisas só pioraram. O André começou a chegar tarde a casa dos pais, evitava falar sobre a Leonor e parecia cada vez mais infeliz. Eu tentava animá-lo com os seus pratos preferidos ou com conversas sobre futebol, mas nada resultava.

Um dia, decidi convidar a Leonor para tomar um café comigo. Queria perceber o que se passava pela cabeça dela.

Encontrámo-nos numa pastelaria perto do trabalho dela em Lisboa. Ela chegou atrasada, vestida impecavelmente como sempre, mas com olheiras profundas.

— Obrigada por ter vindo — disse-lhe eu.

Ela sorriu sem entusiasmo. — Não podia recusar um convite seu.

Ficámos em silêncio durante alguns minutos até eu arriscar:

— O André está preocupado contigo… Com vocês.

Ela olhou-me nos olhos pela primeira vez naquela manhã. — Eu também estou preocupada comigo própria.

— Não entendo…

Ela suspirou. — Sinto-me sufocada nesta relação. O André é bom rapaz, mas não é suficiente para mim. Quero mais da vida do que ele pode dar.

As palavras dela magoaram-me mais do que eu esperava. Senti vontade de defendê-lo, de lhe dizer tudo o que ele tinha de bom: o coração generoso, a honestidade, o sentido de humor… Mas calei-me.

— Já falou com ele sobre isso? — perguntei apenas.

Ela abanou a cabeça. — Não consigo. Tenho medo de magoá-lo ainda mais.

Saí daquela pastelaria com um peso no peito. Pela primeira vez percebi que talvez tivesse sido injusta ao julgar a Leonor apenas pelo que via à superfície. Talvez ela estivesse tão perdida quanto o meu filho.

Na semana seguinte, o André apareceu em casa dos pais com uma mala na mão.

— Acabou — disse apenas, antes de se sentar à mesa da cozinha e desabar em lágrimas.

Abracei-o como quando era pequeno e prometi-lhe que tudo ia ficar bem. Mas sabia que não ia ser fácil.

Os meses seguintes foram duros para todos nós. O André entrou numa espécie de apatia: ia trabalhar, voltava para casa dos pais e passava horas fechado no quarto. Eu tentava animá-lo com pequenas surpresas ou passeios ao fim de semana, mas nada parecia resultar.

Um dia, ao arrumar o quarto dele, encontrei uma carta da Leonor escondida numa gaveta:

“André,
Desculpa por não conseguir ser aquilo que esperavas de mim. Tentei adaptar-me à tua vida, à tua família, mas sinto-me perdida. Preciso encontrar-me antes de poder amar alguém verdadeiramente. Espero que um dia me perdoes.
Leonor”

Chorei ao ler aquelas palavras porque percebi finalmente que ambos tinham sofrido muito mais do que eu imaginava.

O tempo passou devagarinho até o André começar a recuperar aos poucos. Voltou a sair com os amigos de infância, inscreveu-se num curso de fotografia e até começou a sorrir outra vez.

Hoje olho para trás e pergunto-me: onde errei? Teria sido diferente se tivesse ouvido mais cedo os sinais? Ou será que cada um tem mesmo de fazer o seu próprio caminho?

Às vezes dou por mim a pensar: será possível amar alguém sem nos perdermos pelo caminho? O amor de mãe protege ou sufoca? Gostava de saber o que pensam…