O Experimento Que Abalou a Minha Família – Quando o Amor Não Chega

— Marta, podemos falar? — perguntei, a voz trémula, enquanto ela fechava a porta do quarto do nosso filho, o Tiago, que finalmente adormecera depois de mais uma birra interminável.

Ela olhou para mim, olhos cansados, olheiras profundas. — O que foi agora, Paulo? — respondeu, sem paciência, já a preparar-se para ir lavar a loiça do jantar.

Senti o nó na garganta apertar. Sete anos de casamento e, nos últimos meses, parecia que falávamos línguas diferentes. Eu, a tentar puxar conversa, ela, sempre ausente, exausta, como se cada palavra minha fosse um peso a mais.

— Marta, eu só queria perceber… O que se passa connosco? — arrisquei, baixando o tom para não acordar o Tiago. — Sinto que já não estamos juntos nisto. Que tu… já não estás aqui.

Ela largou os pratos na bancada, o barulho seco a ecoar pela cozinha. — Achas que é fácil? Achas mesmo? Trabalho o dia todo, chego a casa e ainda tenho de tratar de tudo! E tu… tu só sabes perguntar o que se passa!

Fiquei calado. Sabia que ela tinha razão, mas também sentia que estava a perder a mulher que amava. O Tiago era a nossa alegria, mas também o epicentro do nosso cansaço. As noites mal dormidas, as contas por pagar, a pressão no trabalho… tudo se acumulava.

Foi nessa noite que decidi fazer o tal experimento. Queria perceber o que ela sentia. Durante uma semana, troquei de papéis com a Marta. Combinei com o meu chefe tirar uns dias de férias e assumi todas as tarefas de casa: preparar o pequeno-almoço, levar o Tiago à creche, ir às compras, fazer o jantar, dar banho ao miúdo, arrumar a casa, tratar da roupa…

No início, achei que ia ser fácil. Sempre pensei que ajudava bastante. Mas logo no primeiro dia percebi o quão errado estava. O Tiago fez birra porque queria levar o peluche errado para a creche. O trânsito estava impossível. No supermercado, esqueci-me da lista e acabei por trazer tudo menos o que era preciso. Quando cheguei a casa, a Marta olhou para mim com um sorriso irónico.

— Então, correu bem? — perguntou, sem esperar resposta.

À noite, quando finalmente me sentei no sofá, senti o corpo a doer. A cabeça latejava. E ainda faltava preparar as coisas para o dia seguinte.

No segundo dia, o Tiago ficou doente. Febre alta. Passei a manhã no centro de saúde, a ouvir outras mães a trocarem receitas de chás e simpatias. Senti-me deslocado, como se não pertencesse àquele mundo. Liguei à Marta, desesperado.

— Ele está com febre, não sei o que fazer… — disse, quase a chorar.

— Dá-lhe o Ben-u-ron, Paulo. Já te disse mil vezes — respondeu ela, fria. — E não te esqueças de lhe dar água.

Ao fim da semana, estava exausto. A casa parecia um campo de batalha. A roupa acumulava-se, o frigorífico estava vazio, e eu sentia-me um fracasso. A Marta olhava para mim com uma expressão estranha, entre pena e raiva.

— Agora percebes? — disse ela, numa noite em que o Tiago finalmente adormeceu cedo. — Agora percebes porque é que estou sempre cansada?

Senti-me humilhado. Mas também revoltado. — E tu percebes o que é chegar a casa e sentir que não existes? Que só és útil para pagar contas?

Ela calou-se. Ficámos os dois em silêncio, cada um preso na sua dor.

No domingo, fomos almoçar a casa dos meus pais, em Sintra. O meu pai, o típico português de bigode e voz grossa, olhou para mim e disse:

— Então, Paulo, agora é que sabes o que custa a vida de casa, hã?

A minha mãe, sempre do lado da Marta, acrescentou:

— As mulheres fazem tudo e ainda têm de ouvir reclamações. Não é fácil.

Senti-me pequeno. O Tiago brincava no chão com os carrinhos, alheio ao nosso drama. A Marta nem me olhava nos olhos.

Na segunda-feira, voltei ao trabalho. Os colegas gozaram comigo:

— Então, Paulo, já sabes mudar fraldas? — riu-se o João, sempre pronto para uma piada.

Sorri, mas por dentro sentia-me vazio. O experimento tinha-me mostrado o cansaço da Marta, mas também me deixou mais perdido. Será que o amor sobrevive ao peso da rotina?

Nessa noite, tentei falar com a Marta. — Não sei se isto faz sentido — disse-lhe, a voz embargada. — Sinto que estamos a perder-nos.

Ela olhou para mim, olhos marejados. — Eu também não sei, Paulo. Eu também não sei.

Os dias passaram. O Tiago ficou melhor, mas nós não. Dormíamos em lados opostos da cama. As conversas resumiam-se ao essencial: compras, contas, horários.

Uma noite, ouvi a Marta ao telefone com a irmã, a chorar baixinho.

— Não aguento mais… Sinto que estou sozinha nesta casa…

Senti um aperto no peito. Quis abraçá-la, mas fiquei parado à porta do quarto, sem coragem.

No fim de semana seguinte, a Marta sugeriu que passássemos uns dias separados. — Preciso de espaço, Paulo. Preciso de respirar.

Fui para casa do meu irmão, o Ricardo, em Almada. Ele ouviu-me em silêncio, depois disse:

— Às vezes é preciso perder para dar valor. Mas também tens de perceber se ainda há algo para salvar.

Passei as noites a pensar na Marta, no Tiago, na nossa vida antes de tudo isto. Lembrei-me dos passeios à beira-rio em Lisboa, das tardes de verão na Costa da Caparica, dos sonhos que tínhamos.

Depois de uma semana separados, voltámos a encontrar-nos num café perto de casa. O Tiago ficou com os avós. Sentámo-nos frente a frente, como dois estranhos.

— E agora? — perguntei.

A Marta respirou fundo. — Não sei se consigo continuar assim. Amo-te, Paulo, mas estou cansada de lutar sozinha.

— Eu também te amo — respondi, sentindo as lágrimas a quererem sair. — Mas não sei se é suficiente.

Ficámos ali, em silêncio. O barulho dos carros lá fora misturava-se com o som dos nossos corações partidos.

Voltámos para casa, mas nada estava igual. O Tiago percebeu a tensão. Começou a fazer mais birras, a pedir mais atenção. Eu tentava compensar com presentes, mas sabia que não era isso que ele precisava.

Uma noite, depois de o deitar, sentei-me no chão do quarto dele e chorei. Chorei por mim, pela Marta, pelo Tiago. Chorei pelo amor que se estava a perder.

Hoje escrevo estas palavras sem saber o que vai acontecer amanhã. O experimento mostrou-me o peso da rotina, mas também me fez perceber que o amor precisa de mais do que compreensão: precisa de cuidado diário, de diálogo, de entrega.

Será possível reconstruir uma família depois de tanto desgaste? Ou há feridas que nunca saram? E vocês, já sentiram que o amor não chega? Gostava de ouvir as vossas histórias.