O Experimento do Encontro: Fingindo Ser Pobre para Descobrir o Amor Verdadeiro
— Isaac, tu não vais mesmo aparecer com aquele casaco velho, pois não? — a voz da minha mãe ecoou pela casa, carregada de preocupação e um certo desdém. Eu olhei para o espelho, ajeitando o fecho do casaco castanho já gasto, e respirei fundo.
— Mãe, é só um jantar com amigos, não te preocupes — menti, desviando o olhar dela. Na verdade, era o meu primeiro encontro com a Sofia, uma rapariga que conheci no Tinder há duas semanas. Mas havia algo mais: eu estava prestes a pôr em prática o meu plano mais estranho até então.
Sempre tive tudo. Cresci em Cascais, filho único de um advogado e de uma professora universitária. Estudei Engenharia Informática no Técnico, arranjei logo emprego numa startup em Lisboa e, aos 32 anos, já tinha comprado o meu próprio apartamento. Mas a verdade é que nunca consegui manter um relacionamento sério. As mulheres com quem saía pareciam sempre mais interessadas no meu carro, nas viagens que fazia ou nos restaurantes caros onde as levava.
Foi numa noite de insónia, depois de mais um encontro desastroso, que decidi: ia fingir ser pobre. Queria saber se alguém me amaria pelo que sou e não pelo que tenho. O plano era simples: nada de carros caros, nada de restaurantes chiques, nada de histórias sobre viagens ao estrangeiro. Só eu, o Isaac “normal”.
No caminho para o café onde combinei encontrar-me com a Sofia, senti o coração a bater mais rápido do que nunca. O casaco velho arranhava-me o pescoço e as calças tinham uma pequena nódoa que tentei disfarçar com água antes de sair de casa. Cheguei cedo e sentei-me numa mesa junto à janela.
Sofia chegou dez minutos depois. Era ainda mais bonita ao vivo: cabelo castanho-escuro preso num rabo-de-cavalo, olhos verdes atentos e um sorriso tímido.
— Olá! — disse ela, sentando-se à minha frente. — Espero não ter feito esperar muito.
— Nada disso — respondi, tentando soar descontraído. — Eu é que cheguei cedo demais.
Conversámos sobre tudo: música, livros, filmes portugueses. Evitei falar do trabalho e das viagens. Disse-lhe apenas que trabalhava numa loja de informática e morava num T1 alugado em Benfica. Ela pareceu não se importar.
Os encontros seguintes foram sempre simples: passeios no Jardim da Estrela, cafés baratos na Graça, sandes partilhadas à beira-rio. Comecei a gostar verdadeiramente dela. Sofia era divertida, inteligente e tinha uma gargalhada contagiante. Mas havia sempre uma sombra a pairar sobre mim: estaria ela ali por mim ou porque achava que eu era “seguro”, mesmo sem dinheiro?
As coisas começaram a complicar-se quando decidi apresentá-la à minha família. A minha mãe ficou horrorizada quando lhe disse que Sofia pensava que eu era pobre.
— Mas tu enlouqueceste? Vais mentir-lhe até quando? E se ela descobrir? — perguntou ela, olhos arregalados.
— Mãe, preciso de saber se ela gosta mesmo de mim — respondi, sentindo-me cada vez mais inseguro.
O jantar foi um desastre anunciado. O meu pai tentou manter a compostura, mas não resistiu a fazer perguntas sobre “planos para o futuro” e “estabilidade financeira”. Sofia percebeu logo o clima estranho e ficou desconfortável.
No caminho para casa, ela perguntou:
— Isaac… há alguma coisa que não me estás a contar?
O meu coração apertou-se. Quis confessar tudo ali mesmo, mas faltou-me coragem.
— Não… só acho que os meus pais são demasiado tradicionais — respondi, desviando o olhar.
A partir desse dia, Sofia começou a afastar-se. As mensagens tornaram-se mais espaçadas, os encontros menos frequentes. Senti-me a perder algo precioso por causa do meu próprio jogo.
Uma noite, depois de três dias sem resposta dela, decidi ir até ao seu apartamento em Campo de Ourique. Toquei à campainha com as mãos a tremer.
Ela abriu a porta com ar cansado.
— Isaac… não sei se isto está a funcionar — disse ela antes mesmo de eu falar.
— Sofia, espera! Preciso de te contar uma coisa — interrompi-a, sentindo as palavras a tropeçarem na garganta. — Eu menti-te. Não sou pobre. Tenho um bom emprego, uma casa minha… Fiz isto porque estava farto de sentir que ninguém gostava de mim pelo que sou.
Ela ficou em silêncio durante longos segundos. Depois riu-se — uma risada amarga.
— Achas mesmo que era isso que importava? Achas que eu estava contigo por causa do dinheiro ou da falta dele? O problema nunca foi esse! O problema é que nunca confiaste em mim o suficiente para seres verdadeiro desde o início!
Fiquei parado à porta dela, sentindo-me mais nu do que alguma vez me senti na vida.
Voltei para casa destroçado. A minha mãe tentou consolar-me:
— Filho… às vezes complicamos tanto as coisas por medo de sofrer que acabamos por sofrer ainda mais.
Os dias seguintes foram um nevoeiro denso. No trabalho, mal conseguia concentrar-me. Os amigos tentavam animar-me com piadas e cervejas no Bairro Alto, mas nada resultava.
Foi então que recebi uma mensagem da Sofia:
“Preciso de falar contigo. Amanhã às 18h no jardim onde fomos na primeira vez?”
O coração disparou outra vez. Passei o dia inteiro a pensar no que ia dizer-lhe.
Quando cheguei ao jardim da Estrela, ela já lá estava sentada num banco à sombra das árvores.
— Olá — disse eu, sentando-me ao lado dela.
Ela olhou-me nos olhos:
— Isaac… eu também tenho medo. Medo de confiar nas pessoas e ser magoada outra vez. Mas não posso estar com alguém que começa tudo com uma mentira.
Senti as lágrimas a quererem saltar dos olhos.
— Eu percebo… Só queria saber se alguém me podia amar sem saber nada do meu dinheiro ou da minha família…
Ela sorriu tristemente:
— O amor não é um teste nem um jogo. Ou confias ou não confias. E eu preciso de alguém que confie em mim desde o início.
Ficámos ali em silêncio durante minutos intermináveis até ela se levantar e ir embora.
Hoje olho para trás e percebo como fui ingénuo e inseguro. Tentei controlar tudo por medo de ser rejeitado e acabei por perder alguém especial por causa disso.
Às vezes pergunto-me: quantas oportunidades deixamos escapar por medo? E será possível recomeçar quando já magoámos quem mais gostávamos? O que vocês fariam no meu lugar?