O Espelho Partido: Quando o Amor se Revela Mentira

“Como é que foste capaz, Rui? Estou grávida e tu… tu viveste uma mentira ao meu lado!” A minha voz ecoou pela sala, trémula, entre soluços e raiva. Rui olhava para mim, os olhos baixos, incapaz de me encarar. O silêncio dele era mais doloroso do que qualquer palavra cruel. Senti o coração apertar-se no peito, como se cada batida fosse um grito de desespero.

Nunca pensei que seria eu a viver este cliché trágico. Sempre achei que as traições eram coisas de novelas ou de vizinhas infelizes, não da minha vida. Rui era o homem perfeito: atencioso, trabalhador, sempre pronto a ajudar a minha mãe com as compras ou a levar o meu irmão mais novo ao futebol. Os nossos amigos invejavam-nos. “Vocês são o casal ideal”, diziam. Se ao menos soubessem…

A verdade caiu-me em cima numa tarde cinzenta de novembro. Estava a arrumar a roupa dele quando encontrei um bilhete escondido no bolso do casaco. “Obrigada por ontem. Sinto-me viva contigo. Beijos, Vera.” O nome soou-me estranho, mas o perfume no papel era inconfundível. O mesmo cheiro que senti na camisa dele há umas semanas e que ele disse ser do novo amaciador.

Confrontei-o naquela noite, depois do jantar. O meu corpo tremia tanto que quase deixei cair o prato. “Rui, quem é a Vera?” Ele hesitou, tentou negar, mas os olhos dele nunca souberam mentir. “É só uma colega do trabalho…” Mas eu já sabia. O instinto de mulher não falha.

A discussão foi longa e feia. Gritei, chorei, atirei-lhe à cara todos os sonhos que ele tinha destruído. “Estou grávida! Como é que me fazes isto?” Ele ficou calado, como se a notícia não tivesse peso nenhum. Senti-me invisível, descartável.

Nos dias seguintes, vivi num torpor. Ia trabalhar como um autómato no escritório de advogados onde era assistente. Os colegas notaram o meu ar ausente, mas ninguém perguntou nada. Em casa, evitava olhar para as fotografias espalhadas pela sala — sorrisos falsos de um passado que já não existia.

A minha mãe percebeu logo que algo estava errado. “Filha, estás tão pálida… O Rui fez-te alguma coisa?” Hesitei em contar-lhe. Ela sempre gostou dele, dizia que era um bom partido, melhor do que o António da mercearia com quem namorei aos 18 anos. Mas naquele domingo à tarde, enquanto ela descascava batatas para o cozido, desabei.

“Mãe… ele traiu-me. E eu estou grávida.” Ela largou a faca e abraçou-me com força. Chorámos juntas na cozinha, como se o mundo tivesse acabado ali mesmo.

Os dias foram passando e a barriga começou a crescer. Cada pontapé do bebé era um lembrete cruel da ausência de Rui. Ele ligava de vez em quando, pedia desculpa, dizia que tinha sido um erro, que me amava. Mas eu já não conseguia acreditar nele.

A família dele tentou intervir. A sogra apareceu lá em casa com um bolo de laranja e palavras doces: “Filha, todos erramos… Dá-lhe uma segunda oportunidade.” Mas eu não queria ser mártir nem exemplo de perdão cego.

No trabalho, comecei a sentir olhares de pena. A Marta, minha colega mais chegada, levou-me a almoçar e tentou animar-me: “És forte, Joana. Vais conseguir criar esse bebé sozinha se for preciso.” Mas eu só queria desaparecer.

As noites eram as piores. Deitava-me na cama vazia e revivia cada momento feliz com Rui — os passeios à beira-mar em Cascais, as tardes preguiçosas no sofá a ver filmes portugueses antigos, as promessas sussurradas ao ouvido. Tudo mentira.

A certa altura pensei em perdoá-lo. Afinal, crescemos a ouvir que as famílias portuguesas aguentam tudo por amor e pelos filhos. Mas depois lembrava-me do olhar vazio dele naquela noite e sentia raiva outra vez.

O parto foi difícil. Estava sozinha na maternidade de Santa Maria quando a enfermeira me disse: “Vai correr tudo bem, Joana.” O Rui apareceu já depois da Leonor nascer. Trouxe um ramo de flores e lágrimas nos olhos. “Desculpa… posso pegar nela?” Hesitei, mas deixei-o aproximar-se.

Durante semanas tentou reconquistar-me. Mandava mensagens todos os dias: “Pensei em ti”, “Sinto saudades”, “Quero ser pai presente”. Eu via-o brincar com a Leonor e sentia uma pontada no peito — amor misturado com mágoa.

A pressão familiar aumentou. O meu pai chamou-me à parte num jantar: “Filha, pensa bem… A Leonor precisa do pai.” Mas eu sabia que precisava ainda mais de uma mãe inteira e não despedaçada por dentro.

Um dia decidi ir falar com a Vera. Descobri onde ela trabalhava — uma loja de roupa no centro comercial Colombo. Entrei nervosa, com as mãos suadas. Ela reconheceu-me logo.

“Joana… desculpa… Eu não sabia que estavas grávida.” A voz dela era sincera, mas não me trouxe consolo algum.

“Sabias que ele era casado!” gritei-lhe baixinho para não chamar atenção dos clientes.

Ela baixou os olhos: “Ele disse-me que o vosso casamento estava acabado… Que só estava contigo por causa da família…”

Saí dali ainda mais destroçada. Rui tinha mentido a toda a gente — até à amante.

Voltei para casa e olhei para a Leonor a dormir no berço improvisado na sala dos meus pais. Senti uma força nova dentro de mim. Não podia continuar presa ao passado nem às mentiras dele.

Comecei terapia e voltei a estudar à noite para tentar melhorar de vida — queria dar à minha filha tudo o que eu nunca tive: estabilidade, verdade e amor sem condições.

Os meses passaram e fui reconstruindo os pedaços da minha vida partida. Aprendi a rir outra vez — primeiro devagarinho, depois com vontade — quando via a Leonor dar os primeiros passos ou dizer as primeiras palavras.

Rui continuou presente na vida da filha, mas nunca mais entrou na minha casa como marido ou companheiro. Hoje somos apenas pais — distantes mas civilizados.

Às vezes ainda me pergunto: como é possível amar tanto alguém e depois descobrir que afinal nunca o conhecemos verdadeiramente? Será que alguma vez podemos confiar plenamente em alguém? E vocês, já sentiram o chão fugir-vos dos pés assim?