O Esforço Incansável de Mariana para Salvar a Família do Rui
— Rui, espera! — gritei, enquanto ele corria pelo corredor da escola, os olhos vermelhos e as mãos a tremer. O sinal para o recreio tinha acabado de tocar, mas ele não parecia ouvir nada à sua volta. Corri atrás dele, sentindo o coração apertado. Não era a primeira vez que o via assim, mas nunca tinha tido coragem de perguntar o que se passava.
Quando finalmente o alcancei junto ao muro do campo de futebol, ele estava encostado, a tentar esconder as lágrimas.
— O que foi? — perguntei baixinho, sentando-me ao lado dele. — Podes confiar em mim.
Ele olhou-me, hesitante, como se estivesse a decidir se devia ou não contar-me o que lhe pesava tanto no peito. O silêncio entre nós era pesado, quase sufocante. Finalmente, murmurou:
— Os meus pais vão-se separar.
As palavras ficaram a ecoar na minha cabeça. Eu tinha apenas nove anos, mas sabia o suficiente para perceber o que aquilo significava. O Rui era o meu melhor amigo desde o primeiro ano. Sempre fora calado, mas ultimamente parecia carregar o mundo às costas.
— Eles discutem todos os dias — continuou ele, a voz embargada. — Acham que eu não percebo, mas eu ouço tudo. Ontem à noite… ouvi a minha mãe a chorar no quarto. O meu pai saiu de casa e só voltou de madrugada.
Senti uma raiva surda crescer dentro de mim. Como podiam os adultos ser tão egoístas? Não viam que estavam a magoar o Rui?
— Já tentaste falar com eles? — perguntei.
Ele abanou a cabeça.
— Tenho medo. E se for pior?
Nesse momento, prometi a mim mesma que ia fazer tudo para ajudar o Rui. Não sabia como, mas não podia ficar parada.
Durante dias, observei-o na escola: cada vez mais calado, cada vez mais ausente. Os professores começaram a reparar nas notas dele a descerem e chamaram a mãe à escola. Lembro-me de ver Dona Teresa chegar com os olhos inchados e o cabelo preso à pressa. O professor António tentou falar com ela à porta da sala, mas ela só abanava a cabeça e dizia: “Está tudo bem, é só uma fase”.
Nessa tarde, fui a casa do Rui. A mãe abriu-me a porta com um sorriso cansado.
— Mariana! Que surpresa… O Rui está no quarto.
Subi as escadas devagarinho. Ouvi vozes vindas do quarto dos pais — estavam a discutir outra vez. Entrei no quarto do Rui sem bater. Ele estava sentado na cama, abraçado ao urso de peluche velho que tinha desde bebé.
— Não aguento mais — sussurrou ele quando me viu. — Queria desaparecer.
Sentei-me ao lado dele e abracei-o com força.
— Não estás sozinho, Rui. Eu estou aqui.
Nesse dia, decidi falar com a minha mãe. Sentei-me à mesa da cozinha enquanto ela preparava o jantar.
— Mãe… posso perguntar-te uma coisa?
Ela olhou para mim com aquele olhar atento que só as mães têm.
— Claro, filha. O que se passa?
Contei-lhe tudo: as discussões em casa do Rui, o medo dele, o silêncio dos adultos. Ela ouviu-me sem interromper e depois suspirou.
— Mariana… às vezes os adultos também se perdem. Mas é importante que o Rui saiba que não tem culpa do que está a acontecer.
No dia seguinte, levei um bilhete para o Rui: “Não és culpado de nada. És importante para mim.” Ele sorriu pela primeira vez em semanas.
Mas as coisas pioraram em casa dele. Uma noite, recebi uma chamada da mãe dele:
— Mariana… desculpa ligar-te tão tarde, mas o Rui desapareceu. Não sabemos onde está!
O pânico tomou conta de mim. Vesti-me à pressa e pedi à minha mãe para irmos ajudar a procurá-lo. Encontrámo-lo horas depois no parque onde costumávamos brincar quando éramos pequenos. Estava encolhido num banco, sozinho na escuridão.
— Porque é que fugiste? — perguntei-lhe, com lágrimas nos olhos.
— Não aguentava mais ouvir os gritos… Achei que se desaparecesse eles iam perceber que estavam a magoar-me.
A mãe dele abraçou-o com força e chorou como nunca tinha visto ninguém chorar antes.
Depois daquela noite, algo mudou em casa do Rui. Os pais começaram a ir juntos às reuniões na escola e aceitaram ajuda de um psicólogo familiar. Não foi fácil — houve dias em que parecia que tudo ia desabar outra vez. Mas aos poucos começaram a falar mais baixo, a tentar entender-se em vez de se atacarem.
Eu continuei sempre ao lado do Rui. Às vezes só ouvíamos música juntos ou fazíamos trabalhos de casa em silêncio. Outras vezes chorávamos os dois sem vergonha.
Um dia, ele disse-me:
— Se não fosses tu… eu não sei o que teria acontecido comigo.
Abracei-o com força e prometi-lhe que nunca ia deixá-lo sozinho.
Hoje olho para trás e penso em tudo o que vivemos juntos. Pergunto-me quantas crianças há por aí a sofrer em silêncio como o Rui sofreu. Quantos adultos esquecem que os filhos sentem tudo?
Será que ouvimos realmente quem está ao nosso lado? E tu… já perguntaste hoje a alguém como se sente?