O Dia em que o Ponto de Autocarro se Tornou um Palco de Comédia
— Por favor, mexa-se, menina! — resmungou uma senhora atrás de mim, enquanto eu tentava, em vão, subir o degrau do autocarro. O suor escorria-me pela testa e sentia o olhar impaciente de todos os que aguardavam atrás de mim. Mal sabia eu que aquele pedaço de tecido — as minhas calças novas, compradas na Baixa com tanto entusiasmo — se tornaria o meu maior inimigo naquela manhã.
O motorista, o senhor António, já me conhecia das viagens diárias. — Está tudo bem, Inês? — perguntou, com um sorriso meio trocista. Eu forcei um sorriso amarelo e tentei mais uma vez levantar a perna, mas as calças não cediam. Senti o rubor subir-me ao rosto. Atrás de mim, o senhor Joaquim, reformado e sempre pronto para uma boa conversa, decidiu intervir.
— Deixe-me ajudar, menina! — disse ele, colocando a mão no meu ombro. — Isto é como as portas do prédio antigo da minha mãe: às vezes é preciso dar um empurrãozinho.
Antes que pudesse protestar, senti as mãos do senhor Joaquim a empurrar-me suavemente pelas costas. O autocarro inteiro começou a rir-se. Até a senhora resmungona não conseguiu conter um sorriso. Eu queria desaparecer ali mesmo, mas não havia como recuar. Com um último esforço — e um estalido suspeito vindo das costuras das calças — consegui finalmente subir para dentro do autocarro.
O senhor António bateu palmas. — Muito bem! Isto sim é espírito de equipa! — exclamou ele, arrancando gargalhadas aos passageiros.
Sentei-me no primeiro lugar livre, tentando recuperar a compostura. Ao meu lado, uma rapariga mais nova murmurou: — Não te preocupes, já me aconteceu pior. Uma vez fiquei presa no elevador da escola por causa de umas botas novas.
A viagem prosseguiu entre olhares cúmplices e sorrisos disfarçados. O senhor Joaquim sentou-se ao meu lado e começou a contar histórias dos seus tempos de juventude em Alfama, quando as calças à boca de sino também causavam problemas semelhantes.
— Uma vez rasguei as minhas todas ao tentar saltar um muro para fugir à polícia — confidenciou ele, piscando-me o olho.
A senhora resmungona, afinal chamada Dona Lurdes, juntou-se à conversa. — Hoje em dia é tudo muito apertado. No meu tempo usava-se saia rodada e ninguém ficava preso em lado nenhum!
O autocarro tornou-se uma sala de estar improvisada. Cada passageiro parecia ter uma história embaraçosa para partilhar: desde saltos partidos em plena Avenida da Liberdade até gravatas presas nas portas do metro. O riso era contagiante e, por momentos, esqueci-me da vergonha inicial.
Quando chegámos ao meu destino, levantei-me com cuidado, temendo que as costuras das calças não aguentassem mais um esforço. O senhor António abriu-me a porta com uma vénia exagerada:
— A princesa está livre para sair do seu castelo!
Desci do autocarro sob aplausos e risos. Olhei para trás e vi todos a acenar-me. Senti uma onda de gratidão por aquele grupo de desconhecidos que transformou um momento embaraçoso numa memória calorosa.
Ao caminhar para o trabalho, ainda sentia o aperto das calças — mas agora era acompanhado por um sorriso genuíno. Pensei em como pequenos gestos de empatia podem transformar o nosso dia.
Quantas vezes deixamos que a vergonha nos impeça de rir de nós próprios? E se todos os nossos dias começassem com esta leveza? Talvez devêssemos aprender a rir mais das nossas pequenas tragédias.