O Dia em que o Meu Pai Recusou-se a Pagar o Meu Vestido de Noiva
— Não, Neveah. Não vou pagar por isso. — A voz do meu pai, José, ecoou pelo pequeno provador da loja de vestidos de noiva no centro de Lisboa. Senti o chão fugir-me dos pés. O vestido branco, que minutos antes me fazia sentir uma princesa, agora parecia pesar toneladas sobre os meus ombros.
— Como assim, pai? — perguntei, a voz embargada, tentando não chorar à frente da senhora da loja, da minha mãe e da minha irmã mais nova, Mariana, que me olhava com olhos arregalados.
Ele desviou o olhar, os punhos cerrados. — Não posso apoiar isto. Não posso fingir que está tudo bem quando não está. — O silêncio caiu pesado. A senhora da loja fingiu arrumar uns véus, mas eu sabia que estava a ouvir cada palavra.
A minha mãe, Ana, aproximou-se dele, sussurrando entre dentes: — José, por favor, não faças isto agora…
Mas ele não cedeu. — Eu avisei-te, Ana. Sempre disse que não concordava com este casamento. E agora querem que eu pague para ver a minha filha cometer o maior erro da vida dela?
Senti as lágrimas a escorrerem-me pelo rosto. — Pai… Eu amo o Miguel. Porque é que não consegues aceitar isso?
Ele olhou-me finalmente nos olhos. Vi ali uma mistura de dor e raiva que nunca tinha visto antes. — Porque tu não conheces o Miguel como eu conheço. Porque ele não é homem para ti. Porque eu já vi este filme antes e sei como acaba.
A minha mãe tentou intervir: — José, por favor…
Mas ele virou-se para ela: — Tu sempre foste mole com ela! Sempre lhe deste tudo! Agora olha no que deu!
A Mariana começou a chorar baixinho. Eu olhei para o espelho e vi-me ali: uma noiva despedaçada, entre um pai furioso e uma família à beira do colapso.
— Pai, se não queres pagar, tudo bem — disse eu, tentando recompor-me. — Mas não faças isto parecer culpa minha. Eu só quero ser feliz.
Ele abanou a cabeça e saiu da loja sem olhar para trás.
O silêncio ficou pesado. A minha mãe abraçou-me, mas eu sentia-me vazia. A senhora da loja aproximou-se timidamente:
— Querida… queres tirar o vestido?
Assenti em silêncio. No balneário, enquanto tirava o vestido com mãos trémulas, ouvi a minha mãe discutir ao telefone com o meu pai lá fora.
— José! Volta aqui! Não podes deixar isto assim! — gritava ela.
Quando saí do provador, Mariana limpava as lágrimas e tentou sorrir para mim.
— Ele vai acalmar-se… — disse ela baixinho.
Mas eu sabia que não era assim tão simples.
No caminho para casa, ninguém falou. O rádio do carro tocava baixinho uma música triste dos Xutos & Pontapés. A minha mãe tentava disfarçar as lágrimas enquanto conduzia.
Chegámos a casa e eu fui direta para o meu quarto. Sentei-me na cama e liguei ao Miguel.
— O meu pai recusou-se a pagar o vestido… — disse-lhe, a voz embargada.
Do outro lado da linha, ele suspirou: — Já esperava isso dele… Queres que eu fale com ele?
— Não sei se adianta… — respondi. — Ele odeia-te sem razão.
Miguel ficou em silêncio por uns segundos. — Queres mesmo casar comigo assim? Com a tua família contra nós?
Senti um aperto no peito. — Quero… mas dói tanto.
Os dias seguintes foram um inferno. O meu pai não me falava. A minha mãe tentava apaziguar as coisas, mas estava dividida entre mim e ele. Mariana andava triste pela casa, sem saber para que lado se virar.
Uma noite, ouvi os meus pais a discutir na cozinha:
— Ela é nossa filha! Não podes virar-lhe as costas assim! — dizia a minha mãe.
— Ela vai arrepender-se! Vais ver! E depois quem é que vai estar lá para apanhar os cacos? Eu! Como sempre! — gritava o meu pai.
Tapei os ouvidos com a almofada e chorei até adormecer.
No dia seguinte, fui trabalhar como se nada fosse. Os colegas perguntavam-me pelo casamento e eu sorria, fingindo que estava tudo bem.
Uma semana depois, recebi uma mensagem do meu pai: “Precisamos de falar.”
Encontrei-o no café do bairro onde costumávamos ir quando eu era pequena. Ele estava sentado à mesa do canto, com um café já frio à frente.
— Senta-te — disse ele sem me olhar nos olhos.
Sentei-me em silêncio.
— Neveah… Eu só quero o teu bem. Sei que achas que sou duro contigo… mas acredita que faço isto porque te amo. Não quero ver-te sofrer como a tua tia Sofia sofreu quando casou com aquele canalha…
Olhei para ele, surpresa. Nunca tinha falado sobre isso comigo.
— Pai… O Miguel não é como o marido da tia Sofia…
Ele suspirou fundo. — Espero que tenhas razão. Mas não posso apoiar algo em que não acredito. Se quiseres casar com ele, faz como quiseres… mas não contes comigo para pagar nada disso.
Senti uma mistura de raiva e tristeza. Levantei-me devagar.
— Obrigada por seres honesto comigo… mas dói muito saber que não vais estar lá no dia mais importante da minha vida.
Ele olhou-me finalmente nos olhos e vi lágrimas ali também.
— Desculpa, filha…
Saí do café com o coração em pedaços.
O casamento aconteceu semanas depois, simples e bonito, mas sem o meu pai presente. A minha mãe e a Mariana estavam lá, mas havia um vazio impossível de preencher.
Hoje olho para trás e pergunto-me: será que fiz bem? Será que valeu a pena perder o meu pai por amor? Ou será que há feridas na família que nunca se curam? E vocês… já passaram por algo assim?