O Dia em Que o Meu Mundo Ruiu: Entre a Traição e o Silêncio da Minha Mãe

— Não acredito, Miguel! Como foste capaz? — gritei, a voz embargada, enquanto segurava o telemóvel com tanta força que pensei que o ia partir. O cheiro a desinfetante do hospital ainda me enchia as narinas, misturado com o medo e a exaustão dos últimos dias. A nossa filha, Leonor, estava internada há três dias com uma pneumonia grave. Eu mal tinha dormido, mal tinha comido, mas nunca me passou pela cabeça que, naquele momento de fragilidade, o meu marido pudesse trair-me.

— Não é o que parece, Inês… — respondeu ele, a voz baixa, quase um sussurro de vergonha. Mas eu já sabia. A vizinha do lado tinha-me ligado: “Inês, desculpa meter-me, mas vi uma mulher sair da tua casa hoje de manhã. Não era ninguém da família.”

O chão fugiu-me dos pés. Senti-me a afundar num poço escuro e frio. A minha cabeça rodopiava entre imagens da Leonor ligada ao soro e a ideia de outra mulher na minha casa, na nossa cama. Como é possível? Como é que alguém faz isto quando a filha está doente?

Liguei à minha mãe. Precisava de colo, de alguém que me dissesse que eu não estava louca, que tinha razão em sentir-me traída e furiosa. Mas do outro lado ouvi apenas silêncio e depois um suspiro cansado.

— Inês, tens de perceber… os homens são assim. O teu pai também teve as suas coisas e eu aguentei. Não vais destruir a tua família por causa de um deslize, pois não?

Senti um nó na garganta. — Mãe, ele levou outra mulher para casa enquanto a Leonor estava no hospital! Achas isto normal?

— Não é normal, filha, mas também não é razão para fazeres um escândalo. Pensa na tua filha. Precisa dos pais juntos.

Desliguei sem dizer mais nada. Senti-me mais sozinha do que nunca. O hospital era um lugar frio, mas naquele momento o frio vinha de dentro de mim.

As horas seguintes foram um borrão. Lavei a cara na casa de banho do hospital, olhei-me ao espelho e quase não me reconheci. Olheiras fundas, olhos vermelhos, cabelo desgrenhado. Lembrei-me do dia do nosso casamento: Miguel olhava para mim como se eu fosse a mulher mais bonita do mundo. “Prometo amar-te em todos os dias da minha vida”, disse ele no altar. Onde é que isso ficou?

Quando voltei para junto da Leonor, ela dormia tranquila, alheia ao caos à sua volta. Sentei-me ao lado dela e peguei-lhe na mão pequenina.

No dia seguinte, Miguel apareceu no hospital com um ramo de flores baratas e um ar culpado.

— Inês, precisamos de falar.

Olhei para ele sem expressão.

— Fala tu. Eu já não tenho forças.

Ele sentou-se ao meu lado e tentou pegar-me na mão, mas eu afastei-a.

— Eu errei. Senti-me sozinho… tu estavas sempre aqui com a Leonor… Eu sei que não há desculpa.

Ri-me amargamente.

— Sozinho? A tua filha está entre a vida e a morte e tu sentes-te sozinho? E resolves isso levando uma mulher para nossa casa?

Ele baixou os olhos.

— Não sei o que me deu… Foi só uma vez…

Levantei-me de rompante.

— Não quero saber! Quero que saias de casa. Agora!

Ele ficou ali sentado, sem saber o que fazer. Saí do quarto antes que começasse a chorar à frente dele.

Naquela noite dormi numa cadeira ao lado da Leonor. O hospital estava silencioso, só se ouviam os monitores e os passos apressados dos enfermeiros nos corredores. Pensei em tudo o que tinha perdido: a confiança, o amor, a família que achava ter construído.

No dia seguinte fui a casa buscar roupa para mim e para a Leonor. Quando entrei senti o cheiro estranho de perfume barato misturado com o aroma familiar do nosso lar. Fui ao quarto e vi os lençóis trocados à pressa, uma camisola desconhecida esquecida no chão. Sentei-me na cama e chorei como nunca tinha chorado antes.

A minha mãe apareceu sem avisar.

— Inês… — disse ela, hesitante — Não podes tomar decisões precipitadas. Pensa bem…

Levantei-me devagar.

— Mãe, tu ficaste com o pai mesmo sabendo das traições dele. E foste infeliz toda a vida! Achas isso justo para mim? Para a Leonor?

Ela ficou calada por uns segundos.

— Eu só queria proteger-te…

— Proteger-me de quê? De ser feliz? De exigir respeito?

Ela suspirou e abraçou-me sem dizer mais nada. Pela primeira vez senti pena dela — da mulher que sempre engoliu as mágoas em nome da família.

Os dias passaram devagar. A Leonor melhorou aos poucos e finalmente pudemos ir para casa — só nós as duas. Miguel tentou ligar várias vezes, mandou mensagens, pediu desculpa, jurou que ia mudar. Mas eu já não conseguia olhar para ele sem sentir raiva e desilusão.

A família dividiu-se: uns diziam que eu devia perdoar pelo bem da Leonor; outros achavam que eu tinha feito bem em pô-lo fora de casa. Os amigos afastaram-se aos poucos — ninguém gosta de se meter em dramas alheios.

Comecei a trabalhar mais horas para pagar as contas sozinha. As noites eram longas e solitárias; às vezes chorava baixinho para não acordar a Leonor. Outras vezes sentia uma força estranha dentro de mim — uma vontade de provar que conseguia recomeçar.

Certo dia encontrei Miguel à porta da escola da Leonor.

— Inês… por favor… dá-me outra oportunidade…

Olhei para ele com tristeza.

— Miguel, tu destruíste tudo o que tínhamos. Não foi só uma traição física — foi uma traição à nossa família, à confiança que eu tinha em ti.

Ele baixou os olhos e afastou-se devagar.

A vida foi seguindo — diferente, mais dura, mas também mais verdadeira. Aprendi a confiar em mim mesma, a valorizar o pouco tempo livre com a minha filha, a não depender da aprovação dos outros — nem sequer da minha mãe.

Às vezes ainda me pergunto: será que fiz bem? Será que devia ter perdoado pelo bem da Leonor? Ou será que finalmente rompi um ciclo antigo de silêncio e resignação?

E vocês? O que fariam no meu lugar? Até onde se deve ir pelo bem da família?