O Dia em Que o Meu Casamento Se Tornou Um Campo de Batalha Familiar

— Não acredito que isto está a acontecer, Mariana! — gritou o meu irmão Rui, com os olhos vermelhos de raiva e as mãos a tremer. O salão de festas, decorado com flores brancas e luzes douradas, parecia encolher à medida que as vozes se elevavam. Senti o coração apertar-se no peito, como se alguém o estivesse a espremer com força.

Tudo começou quando a minha sogra, Dona Lurdes, se aproximou de mim e do Miguel, o meu agora marido, com um sorriso orgulhoso e uma caixa embrulhada num papel prateado. — Para vocês começarem a vida em grande — disse ela, entregando-nos o presente à frente de toda a família.

Abri a caixa com as mãos trémulas, sentindo o olhar de todos sobre mim. Lá dentro estava uma chave. — É do nosso apartamento em Lisboa — explicou Dona Lurdes. — Agora é vosso. Um presente para o futuro.

O salão explodiu em aplausos e exclamações de surpresa. Eu própria fiquei sem palavras. Um apartamento em Lisboa! Era um sonho impossível para mim e para o Miguel, que sempre lutámos para pagar as contas ao fim do mês. Mas enquanto todos sorriam, senti o olhar do Rui cravar-se em mim como uma faca.

— Então é assim? — murmurou ele, aproximando-se. — A mãe do Miguel dá-vos um apartamento e nós, a tua família, somos o quê? Uns coitados?

Tentei agarrar-lhe o braço, mas ele afastou-se bruscamente. — Rui, por favor… Isto não tem nada a ver contigo! — supliquei, sentindo as lágrimas ameaçarem cair.

— Não tem? — gritou ele, agora para todos ouvirem. — Passámos anos juntos, Mariana! Sempre fomos nós contra o mundo! E agora, por causa de um presente, já não precisas de mim?

O silêncio caiu sobre o salão como uma nuvem negra. A minha mãe olhava para mim com os olhos cheios de vergonha e tristeza. O meu pai tentava acalmar o Rui, mas ele estava inconsolável.

— Sabes quantas vezes eu abdiquei dos meus sonhos para te ajudar? Sabes quantas noites fiquei acordado contigo quando choravas por causa do trabalho ou do Miguel? E agora… agora sou só mais um convidado nesta festa de aparências!

Senti-me pequena, esmagada pelo peso das palavras dele. Queria gritar que ele estava errado, que nada nem ninguém poderia substituir o que tínhamos vivido juntos. Mas as palavras ficaram presas na garganta.

O Rui saiu do salão sem olhar para trás. Ouvi a porta bater com força e senti que algo dentro de mim se partia também.

O resto da noite passou como um borrão. Os convidados tentavam animar-me, mas eu só conseguia pensar no meu irmão. O Miguel tentava justificar-se: — Não temos culpa do gesto da minha mãe… — mas eu sabia que aquilo era mais profundo do que um simples presente.

Na manhã seguinte acordei com os olhos inchados e o coração pesado. A casa estava cheia de flores e cartões de parabéns, mas tudo me parecia vazio sem o Rui ali.

Tentei ligar-lhe várias vezes. Ele não atendeu. Mandei mensagens: “Preciso de ti. Por favor fala comigo.” Nada.

Os dias passaram e a tensão na família aumentava. A minha mãe chorava ao telefone: — O teu irmão sente-se traído… Sempre foste tudo para ele.

O meu pai evitava falar do assunto, refugiando-se no trabalho e nas tarefas da quinta.

O Miguel tentava ser racional: — O Rui vai perceber que isto não muda nada entre vocês… — mas eu sabia que estava enganado.

Comecei a duvidar de tudo: teria sido egoísta ao aceitar aquele presente? Devia ter recusado? Mas como recusar algo tão importante para o nosso futuro?

As semanas transformaram-se em meses. O Rui continuava afastado. No Natal, recusou vir cá a casa. A minha mãe chorou durante toda a noite. O meu pai ficou calado, com os olhos perdidos na lareira.

No aniversário dele tentei surpreendê-lo com um bolo feito por mim, como fazíamos em crianças. Esperei horas à porta do prédio dele em Almada. Quando finalmente apareceu, olhou para mim como se fosse uma estranha.

— Vieste gozar comigo? Mostrar como és feliz na tua casa nova?

— Não digas isso… Preciso de ti na minha vida! — implorei.

Ele abanou a cabeça: — Precisas? Ou só te lembras de mim quando as coisas correm mal?

Senti-me esmagada pela culpa. Tentei explicar-lhe que nada nem ninguém poderia ocupar o lugar dele no meu coração. Mas ele virou-me as costas e entrou no prédio sem dizer mais nada.

Voltei para casa destroçada. O Miguel tentou consolar-me: — Dá-lhe tempo… Ele vai perceber.

Mas os meses passaram e nada mudou.

A relação com os meus pais também ficou tensa. A minha mãe culpava-me por não ter feito mais para unir a família. O meu pai tornou-se distante.

Comecei a sentir-me sozinha dentro da minha própria casa. O apartamento novo parecia frio e vazio sem as visitas do Rui, sem as gargalhadas dele nas noites de domingo.

Um dia, ao arrumar uma caixa de recordações antigas, encontrei uma fotografia nossa em pequenos: eu e o Rui na praia da Nazaré, cobertos de areia e a rir às gargalhadas. Senti uma dor aguda no peito.

Peguei no telefone e escrevi-lhe uma carta longa:

“Rui,
Sei que te magoei sem querer. Sei que sentes que te deixei para trás. Mas tu és parte de mim, da minha história, da minha vida. Nada nem ninguém pode mudar isso. O presente da sogra foi uma surpresa para mim também; nunca quis que fosse motivo de separação entre nós. Preciso de ti ao meu lado, como sempre estiveste. Perdoa-me se te fiz sentir menos importante.
A tua irmã,
Mariana”

Esperei dias por resposta. Nada.

A dor tornou-se rotina. Aprendi a viver com ela, mas nunca deixei de esperar pelo dia em que tudo voltasse ao normal.

Hoje olho para trás e pergunto-me: será que podia ter feito diferente? Será que um gesto material pode mesmo destruir anos de cumplicidade? Ou será que há feridas antigas que nunca sararam?

E vocês? Já sentiram que um momento feliz se transformou num pesadelo por causa das expectativas dos outros? Como se repara um coração partido pela família?