O Desastre Amoroso da Minha Irmã: Uma Busca por Amor em Lisboa

— Inês, tu não podes continuar assim! — A voz da Mariana ecoou pela cozinha, enquanto ela batia com força uma colher de pau no tacho. — Já tens vinte e oito anos, e ainda não apresentaste ninguém à família. A avó Leonor já me perguntou três vezes esta semana se és lésbica.

Olhei para ela, sentada à mesa, com o café já frio entre as mãos. O cheiro a torradas queimadas misturava-se com o perfume barato que a Mariana insistia em usar. — Mariana, por favor… Não é assim tão simples. Eu não quero apresentar qualquer pessoa só para calar a avó.

Ela revirou os olhos, impaciente. — Não é qualquer pessoa! Eu conheço imensa gente, posso apresentar-te alguém decente. Olha, o Rui do ginásio perguntou por ti outro dia.

Suspirei. O Rui era simpático, mas falava tanto de crossfit que até os halteres deviam fugir dele. — Mariana, eu não quero um namorado só para fazer número. Quero alguém que me faça sentir… especial.

Ela largou a colher e sentou-se à minha frente, com aquele ar de irmã mais velha que acha que sabe tudo. — Inês, tu complicas tudo. A vida não é um filme romântico. Às vezes temos de aceitar o que aparece.

Nesse momento, ouvimos a porta da rua bater. A avó Leonor entrou, de bengala na mão e olhar inquisidor. — Já estão a discutir outra vez? — perguntou, pousando a mala com força na cadeira. — Inês, filha, quando é que me dás um bisneto? Já estou velha!

Senti o rosto corar. Mariana lançou-me um olhar triunfante. — Vês? Até a avó concorda comigo.

A verdade é que desde que o pai morreu e a mãe se mudou para o Algarve com o novo namorado, eu e Mariana ficámos sozinhas em Lisboa, com a avó sempre por perto. Ela era uma força da natureza: teimosa, dramática e com uma língua afiada como uma navalha.

Naquela noite, Mariana arrastou-me para um bar no Bairro Alto. — Vais conhecer o Hugo — anunciou ela, enquanto me empurrava para dentro do bar apinhado de gente. O Hugo era amigo do namorado dela e parecia simpático nas fotos do Facebook.

— Olá Inês! — cumprimentou ele, sorridente, mas com um hálito a cerveja que quase me fez recuar dois passos. — A Mariana fala muito de ti.

A conversa foi um desastre. O Hugo só falava de futebol e das apostas online que fazia ao fim de semana. Tentei sorrir e ser educada, mas sentia-me cada vez mais deslocada. Quando finalmente consegui escapar para a casa de banho, enviei uma mensagem à Mariana: “Por favor, tira-me daqui!”

No caminho para casa, ela tentou animar-me. — Não foi assim tão mau! Ele é giro…

— Mariana, ele passou vinte minutos a falar do Benfica! Eu nem gosto de futebol!

Ela encolheu os ombros. — Tens de ser menos exigente.

Os dias seguintes foram uma sucessão de encontros desastrosos: o Pedro, obcecado por criptomoedas; o Tiago, que só falava da mãe; a Sofia (sim, até uma amiga dela tentou emparelhar comigo); e até um primo afastado que nem sabia pronunciar o meu nome direito.

Cada encontro era seguido por discussões em casa. A avó Leonor não ajudava: — No meu tempo casávamos cedo! Não havia estas modernices de escolher tanto!

Certa noite, depois de mais um jantar silencioso em família, explodi:

— Porque é que ninguém percebe que eu só quero ser feliz? Não quero casar só porque sim!

A avó olhou-me com tristeza nos olhos. — Eu só quero ver-te bem acompanhada antes de morrer…

Mariana suspirou e saiu da sala sem dizer nada.

Nessa noite chorei sozinha no quarto. Senti-me egoísta por não conseguir corresponder às expectativas da família, mas também injustiçada por ter de sacrificar os meus sentimentos para agradar aos outros.

No dia seguinte, decidi fazer algo diferente: fui sozinha ao cinema. Sentei-me na última fila e deixei-me envolver pelo filme. No final, um rapaz sentou-se ao meu lado enquanto esperava pelos créditos finais.

— Também gostaste do filme? — perguntou ele, sorrindo timidamente.

Chamava-se Miguel. Trocámos impressões sobre o filme e acabámos por ir beber um café juntos. Falámos sobre livros, viagens e sonhos adiados pela pandemia. Pela primeira vez em meses senti-me leve.

Nos dias seguintes continuámos a falar. Saímos para passear junto ao Tejo, rimos até às lágrimas no Jardim da Estrela e partilhámos segredos antigos no miradouro de Santa Catarina.

Quando contei à Mariana sobre o Miguel, ela ficou desconfiada:

— Não queres apresentá-lo à avó?

— Ainda não… Quero ter a certeza primeiro.

A avó Leonor ficou furiosa quando soube:

— Então agora escondes-me as coisas? Não confias em mim?

— Avó, eu só quero fazer isto ao meu ritmo.

Os meses passaram e a relação com Miguel foi crescendo devagarinho. Ele conheceu a Mariana primeiro (que aprovou logo), mas continuei a adiar o momento de o apresentar à avó.

Um domingo à tarde, durante um almoço em família, a avó Leonor levantou-se subitamente:

— Se não me apresentas esse rapaz hoje, nunca mais te falo!

O silêncio caiu sobre a mesa como uma nuvem pesada. Olhei para Mariana à procura de apoio, mas ela encolheu os ombros.

Levantei-me devagarinho e fui buscar o telemóvel. Liguei ao Miguel:

— Podes vir cá a casa? Acho que está na altura…

Ele chegou meia hora depois, nervoso mas sorridente. A avó Leonor olhou-o de cima a baixo como se estivesse a avaliar um touro na feira.

— Então és tu o famoso Miguel? — perguntou ela.

Ele sorriu e respondeu:

— Sim senhora Dona Leonor. Espero estar à altura das expectativas.

A avó olhou para mim e depois para ele. Finalmente sorriu:

— Só quero ver a minha neta feliz.

Naquele momento percebi que toda a pressão vinha do medo da solidão dela… e do medo de falhar dela própria como avó.

Hoje eu e Miguel continuamos juntos, sem pressa de casar ou ter filhos. A Mariana já arranjou outro projeto: agora quer convencer-me a fazer Erasmus aos trinta anos.

Às vezes pergunto-me: será que algum dia conseguimos viver só para nós próprios? Ou estaremos sempre presos às expectativas dos outros? E vocês… já sentiram esta pressão familiar?