O Aniversário Que Mudou Tudo: “Ela Decidiu Celebrar em Minha Casa”

— Não pode ser verdade… — pensei, com o coração a bater descompassado, enquanto lia a mensagem no grupo de WhatsApp da família. “Mal posso esperar para ver todos no sábado! Vai ser uma festa linda na casa da Leonor!”

Leonor. Eu. A minha casa. Mas ninguém me tinha dito nada. Senti o sangue subir-me à cara, uma mistura de incredulidade e raiva. Fui à cozinha, onde o Miguel, meu marido, estava a preparar café.

— Miguel, sabias disto? — perguntei, tentando controlar a voz.

Ele olhou para mim, confuso.

— Do quê?

— Da festa de aniversário da tua mãe… aqui em casa! — atirei, mostrando-lhe o telemóvel.

O silêncio dele foi resposta suficiente. Ele não fazia ideia. Senti-me traída, não só pela Lídia, minha sogra, mas também por aquela sensação de que a minha casa não era realmente minha.

Naquela noite, quase não dormi. A cabeça fervilhava de perguntas: como é que ela teve coragem? Porque não me pediu? Será que acha que pode simplesmente invadir o meu espaço? Lídia sempre foi assim — determinada, controladora, com aquela mania de que tudo gira à volta dela. Mas isto… isto era demais.

No dia seguinte, tomei coragem e liguei-lhe.

— Olá, Lídia. Tudo bem? — tentei soar cordial.

— Olá, Leonor! Estava mesmo a pensar em ti. Então, já viste como vai ser animado no sábado? — respondeu ela, cheia de entusiasmo.

— Pois… era sobre isso que queria falar contigo. Não sabia que ias fazer a festa aqui em casa. — O silêncio do outro lado foi pesado.

— Ah… pensei que o Miguel já te tinha dito. — A voz dela vacilou por um segundo.

— Não, não disse. E sinceramente, Lídia, gostava que me tivesses perguntado antes de combinar tudo com a família…

Ela suspirou.

— Leonor, eu sei que devia ter falado contigo. Mas aconteceu uma coisa… — A voz dela ficou mais baixa. — O prédio está em obras e o senhorio avisou-me ontem que vão cortar a água no fim de semana. Não posso receber ninguém lá em casa… E eu não queria cancelar tudo. Achei que não te importavas…

Fiquei sem palavras por uns segundos. Parte de mim compreendia o desespero dela; outra parte sentia-se usada. Não era só uma questão de espaço físico — era respeito.

— Lídia, eu percebo que seja difícil para ti… Mas eu também tenho a minha vida, os meus planos. Não posso simplesmente mudar tudo porque tu decidiste assim.

Ela ficou calada. Depois ouvi-a fungar.

— Eu só queria reunir a família… Este ano tem sido tão difícil para mim desde que o teu sogro morreu…

A culpa bateu-me forte no peito. O António tinha partido há seis meses e desde então Lídia andava mais sozinha do que nunca. Mas será que isso justificava tudo?

Desliguei a chamada com um nó na garganta. Passei o resto do dia num turbilhão de emoções: raiva, pena, frustração. Quando o Miguel chegou do trabalho, desabafei tudo com ele.

— Ela devia ter pedido! Não é justo! — gritei, as lágrimas a escorrerem-me pela cara.

Ele abraçou-me.

— Eu sei… Mas ela está perdida sem o meu pai. E tu sabes como ela é…

— Pois sei! E é por isso que nunca ninguém lhe diz nada! Porque ela faz-se sempre de vítima!

O Miguel ficou calado. Sabia que eu tinha razão.

Na sexta-feira à noite, fui arrumar a sala para a festa. Cada passo parecia pesar toneladas. A minha filha Inês apareceu à porta.

— Mãe, porque estás tão triste?

Sorri-lhe, tentando esconder as lágrimas.

— Às vezes as pessoas fazem coisas sem pensar nos outros, filha…

Ela abraçou-me com força e senti um pouco do peso aliviar-se.

No sábado de manhã, Lídia chegou cedo com bolos e decorações. Fingiu normalidade, mas os olhos dela estavam vermelhos.

— Precisas de ajuda? — perguntou-me baixinho.

Assenti com a cabeça e começámos a trabalhar lado a lado em silêncio. Por momentos, quase parecia que éramos amigas.

A família foi chegando: cunhados, sobrinhos, primos. Todos animados, todos felizes por estarem juntos depois de tanto tempo separados pela pandemia e pelo luto. Mas eu sentia-me deslocada na minha própria casa.

Durante o almoço, ouvi as cunhadas comentarem:

— A Leonor tem sempre tudo tão arrumadinho…
— Pois tem! E esta sala é tão luminosa!

Senti um aperto no peito. Era como se admirassem tudo menos a pessoa que tornava possível aquele encontro.

Depois dos parabéns e do bolo, Lídia levantou-se para agradecer:

— Quero agradecer à Leonor por nos receber na sua casa… Sei que não foi fácil para ela aceitar isto tão em cima da hora. Mas sem ti, filha, este dia não teria sido possível.

Olhei para ela e vi lágrimas sinceras nos olhos dela. Pela primeira vez em muitos anos senti empatia verdadeira por aquela mulher que tantas vezes me tirou do sério.

Quando todos se foram embora e fiquei sozinha na cozinha a arrumar os pratos sujos, Lídia aproximou-se.

— Desculpa ter-te posto nesta posição… Eu só queria sentir-me menos sozinha por um dia.

Olhei para ela e vi uma mulher frágil, cansada da vida e da solidão.

— Lídia… só te peço que da próxima vez me peças primeiro. Eu também preciso sentir que esta casa é minha.

Ela assentiu e abraçou-me com força inesperada.

Naquela noite fiquei muito tempo acordada a pensar: quantas vezes deixamos o orgulho falar mais alto do que o amor? Quantas vezes esquecemos que cada um carrega dores invisíveis?

E vocês? Já passaram por algo assim? Até onde vai o nosso dever para com a família?