Nunca imaginei que o meu marido pagava as dívidas da ex-mulher – a história que mudou a minha vida
— Não percebo, Miguel. Como é que o dinheiro desaparece assim todos os meses? — perguntei, tentando manter a voz firme, mas sentindo o coração a bater descompassado no peito.
Ele desviou o olhar, mexendo distraidamente na chávena de café. O silêncio dele era ensurdecedor. Eu já conhecia aquele silêncio: era o mesmo que ele fazia quando não queria responder, quando escondia alguma coisa.
— São só contas, Marta. A luz, a água, o supermercado… — murmurou, sem me encarar.
Mas eu sabia que não era só isso. Há meses que as contas não batiam certo. O nosso orçamento era apertado, mas nunca tinha sido assim. Comecei a desconfiar quando vi um débito estranho no extrato bancário: “Transferência para Sílvia F.”. Sílvia Fernandes. O nome soou-me como um trovão na cabeça. A ex-mulher do Miguel.
Naquela noite não dormi. Fiquei a olhar para o teto, a ouvir a respiração pesada dele ao meu lado. A minha mente rodava em círculos: porque é que ele lhe mandava dinheiro? O que é que ela queria dele? E, acima de tudo, porque é que ele me escondia isto?
No dia seguinte, esperei que ele saísse para o trabalho e liguei à minha irmã, Inês. Ela sempre foi o meu porto seguro.
— Marta, tu tens de falar com ele — disse ela, depois de ouvir tudo. — Não podes viver assim, às escuras.
Mas eu tinha medo. Medo da resposta, medo do que podia descobrir. Passei o dia a trabalhar como uma autómata no escritório de advogados onde sou assistente. Os papéis passavam-me pelas mãos sem eu lhes prestar atenção. Só conseguia pensar no Miguel e na Sílvia.
Quando ele chegou a casa, já eu estava sentada à mesa da cozinha, com o extrato bancário à minha frente.
— Miguel, precisamos de conversar — disse-lhe, tentando não tremer.
Ele olhou para mim e percebeu logo que eu sabia de alguma coisa. Sentou-se à minha frente e ficou à espera.
— Porque é que transferiste dinheiro para a Sílvia? — perguntei, sem rodeios.
O rosto dele ficou pálido. Por um momento achei que ia mentir, mas depois suspirou e passou as mãos pelo cabelo.
— Ela está com problemas… — começou ele. — Dívidas antigas, coisas do tempo em que estávamos juntos. O banco ameaçou penhorar-lhe a casa…
— E tu achaste que devias ajudá-la? Sem me dizeres nada? — interrompi, sentindo as lágrimas a quererem saltar-me dos olhos.
— Eu só queria ajudar… Ela não tem ninguém. E eu senti-me responsável…
Fiquei ali sentada, sem saber o que dizer. Por um lado, compreendia o impulso dele de ajudar alguém com quem partilhou anos de vida. Por outro lado, sentia-me traída. Não era só o dinheiro — era o segredo, era o facto de ele ter escolhido esconder-me aquilo.
As semanas seguintes foram um inferno. Cada conversa era uma discussão. Eu sentia-me insegura, desconfiada de tudo. Comecei a vasculhar os bolsos dele, a espreitar o telemóvel quando ele não estava por perto. Não era eu — nunca fui assim. Mas aquela dúvida corroía-me por dentro.
A situação atingiu o auge quando a Sílvia me ligou diretamente. Nunca tínhamos falado antes.
— Marta? Desculpa estar a ligar-te… Eu só queria agradecer-te por teres deixado o Miguel ajudar-me — disse ela, com uma voz trémula do outro lado da linha.
Senti uma raiva súbita.
— Eu não deixei nada! Ele fez tudo às escondidas! — respondi, sem conseguir controlar o tom.
Ela ficou em silêncio e depois começou a chorar.
— Eu não queria causar problemas… Só estou desesperada… — soluçou ela.
Desliguei o telefone sem saber se devia sentir pena ou raiva. Senti-me usada por ambos: por ela e por ele.
Nessa noite confrontei o Miguel mais uma vez.
— Isto não pode continuar assim! Ou confias em mim e partilhas tudo comigo, ou então não sei se consigo continuar nesta relação!
Ele chorou pela primeira vez desde que nos conhecemos. Disse-me que tinha vergonha, que não queria preocupar-me, que achava que conseguia resolver tudo sozinho.
Mas as feridas estavam abertas. Comecei a duvidar de tudo: será que ele ainda gostava dela? Será que eu era apenas um remendo na vida dele?
A minha mãe dizia-me para ser compreensiva: “O Miguel sempre foi bom rapaz… Não faças disso um drama.” Mas como é que eu podia confiar outra vez?
Os dias passaram e eu afastei-me dele. Dormíamos em quartos separados. O nosso filho pequeno começou a perguntar porque é que o pai já não lhe dava banho à noite. Eu inventava desculpas: “O pai está cansado do trabalho”.
No trabalho, comecei a chegar atrasada e a cometer erros parvos nos processos dos clientes. A minha chefe chamou-me ao gabinete:
— Marta, está tudo bem em casa? Precisas de uns dias?
Chorei ali mesmo à frente dela. Senti vergonha de misturar os problemas pessoais com o trabalho, mas já não conseguia aguentar mais sozinha.
A Inês veio dormir cá em casa uns dias para me ajudar com o miúdo e para me ouvir desabafar.
— Marta, tu tens de decidir se consegues perdoar ou não. Mas tens de pensar em ti primeiro — disse ela numa dessas noites em que ficámos acordadas até tarde na sala.
Comecei a ir à psicóloga do centro de saúde do bairro. Falei-lhe do medo de ser traída outra vez, da sensação de nunca ser suficiente para ninguém.
— Marta, perdoar não é esquecer nem fingir que nada aconteceu — disse ela numa das sessões. — É escolher se queres continuar ou não com esta dor.
O Miguel tentou reconquistar-me: deixou de ajudar a Sílvia financeiramente e mostrou-me todos os extratos bancários dos meses seguintes. Mas eu já não sabia se queria continuar ali.
Um dia sentei-me com ele à mesa da cozinha — aquela mesma mesa onde tudo começou — e disse-lhe:
— Eu preciso de tempo para mim. Preciso de perceber quem sou sem ti.
Ele chorou outra vez e pediu-me desculpa mais uma vez. Disse-me que me amava e que ia esperar por mim o tempo que fosse preciso.
Fui passar uns dias à casa da minha irmã no Porto com o nosso filho. Caminhei muito à beira-mar e pensei na minha vida toda: nas escolhas que fiz, nas vezes em que pus os outros à frente de mim própria.
Quando voltei a Lisboa, senti-me mais leve. Decidi dar uma nova oportunidade ao Miguel — mas desta vez com regras claras: nada de segredos, nada de decisões importantes sem conversarmos primeiro.
A confiança demora muito tempo a construir e segundos a destruir. Ainda hoje há dias em que acordo assustada, com medo do passado voltar a bater-nos à porta.
Mas aprendi uma coisa: ninguém pode amar-nos verdadeiramente se nós próprias não nos amarmos primeiro.
E vocês? Já passaram por algo assim? Acham possível reconstruir uma relação depois de uma traição destas? O perdão é mesmo possível ou é só uma ilusão?