Nunca Fui Suficientemente Boa para o Miguel: A Verdade Sobre o Amor e as Diferenças Sociais

— Não percebes, Sofia? O Miguel merece alguém melhor, alguém do nosso mundo. — As palavras da Dona Teresa, mãe do Miguel, ainda ecoam na minha cabeça como um trovão numa noite de verão. Eu estava ali, sentada na sala de jantar deles em Cascais, com as mãos a suar e o coração a bater tão forte que pensei que todos à mesa podiam ouvir. O cheiro a bacalhau com natas misturava-se com o perfume caro da Dona Teresa, e eu sentia-me pequena, deslocada, como se tivesse invadido um espaço sagrado sem convite.

O Miguel olhou para mim, os olhos castanhos cheios de culpa e ternura. — Mãe, por favor… — tentou ele, mas foi interrompido pelo pai, o Senhor António, que limpou a garganta e pousou os talheres com força.

— O que a tua mãe quer dizer é que não queremos ver-te sofrer, filho. A Sofia é uma boa rapariga, mas… — fez uma pausa longa demais — …mas não é daqui. Não percebe como funcionam as coisas.

Eu queria gritar. Queria dizer-lhes que o amor não tem morada nem conta bancária. Mas limitei-me a baixar os olhos para o prato, sentindo-me mais sozinha do que nunca. Cresci em Almada, filha de uma professora primária e de um motorista da Carris. Nunca nos faltou comida na mesa, mas também nunca houve férias em Vilamoura nem colégios privados. O Miguel era diferente: estudou em Inglaterra, falava francês à mesa e tinha amigos com nomes compostos.

Conhecemo-nos na faculdade de Letras em Lisboa. Ele apaixonou-se pela minha gargalhada; eu apaixonei-me pela sua gentileza. No início, tudo parecia possível. Passeávamos pelo Chiado de mãos dadas, partilhávamos sonhos no Miradouro de Santa Catarina e fazíamos planos para um futuro juntos. Mas à medida que o tempo passava, as diferenças tornaram-se mais evidentes.

Lembro-me da primeira vez que fui convidada para um jantar de família. Passei horas a escolher o vestido certo — nem demasiado simples, nem demasiado ousado. A minha mãe ajudou-me a pentear o cabelo e disse-me: — Sê tu mesma, filha. Se ele te ama, isso basta.

Mas não bastou.

Durante o jantar, cada pergunta era uma armadilha disfarçada de curiosidade:
— E os teus pais? O que fazem?
— Nunca pensaste em estudar fora?
— Gostas de ópera?

Senti-me como se estivesse a ser avaliada para um papel que nunca conseguiria desempenhar. O Miguel apertava-me a mão debaixo da mesa, mas eu sabia que ele também estava nervoso.

Os meses seguintes foram uma luta constante entre o nosso amor e as expectativas da família dele. O Miguel tentava proteger-me, mas eu via-o a ceder pouco a pouco. Começou a evitar falar sobre mim com os pais; deixou de me levar aos jantares de amigos onde todos se conheciam desde crianças.

Uma noite, depois de uma discussão acesa com a mãe ao telefone, ele apareceu em minha casa com os olhos vermelhos.
— Eles nunca vão aceitar, Sofia. Estou cansado de lutar.

Senti uma raiva surda crescer dentro de mim.
— E tu? Vais desistir assim?

Ele abraçou-me com força.
— Eu amo-te. Mas não sei se consigo viver sempre contra eles.

As palavras dele magoaram-me mais do que qualquer insulto da Dona Teresa. Pela primeira vez duvidei do nosso amor. Será que bastava? Será que algum dia seria suficiente?

Os meus pais tentavam animar-me.
— Não te deixes ir abaixo por causa dessas coisas — dizia o meu pai enquanto me levava ao trabalho na camioneta velha.
Mas eu sentia-me cada vez mais perdida. No trabalho, os colegas perguntavam pelo Miguel e eu sorria sem vontade.

O tempo foi passando e as discussões tornaram-se rotina. O Miguel queria mudar-se comigo para um apartamento pequeno em Lisboa; eu sabia que ele só queria fugir da pressão dos pais. Mas será que era justo pedir-lhe isso? Será que algum dia ele me olharia sem ver as dúvidas plantadas pela família?

Uma tarde chuvosa de novembro, tudo desabou. Estávamos no meu quarto quando ele recebeu uma mensagem da mãe: “O teu pai está no hospital”. Corremos para Cascais sem pensar duas vezes. Quando chegámos ao hospital privado, senti todos os olhares sobre mim — familiares, médicos, até desconhecidos pareciam saber que eu era a intrusa.

O Senhor António recuperou depressa, mas a tensão entre mim e a família aumentou ainda mais. Nessa noite, enquanto esperávamos pelo táxi à porta do hospital, a Dona Teresa aproximou-se de mim.
— Sofia, não leves a mal… mas tu não pertences ao nosso mundo. O Miguel vai perceber isso um dia.

Olhei-a nos olhos e respondi:
— Talvez tenha razão. Mas quem perde é ele.

No táxi, o Miguel ficou em silêncio. Eu sabia que ele estava dividido entre dois mundos — e eu não era suficiente para vencer aquele peso.

Pouco tempo depois, ele terminou comigo. Disse que precisava de tempo para pensar, para perceber quem era sem as vozes dos outros na cabeça. Chorei durante semanas. Os meus pais tentaram consolar-me; os amigos diziam que eu merecia melhor. Mas eu só queria voltar atrás no tempo e sentir aquela esperança ingénua dos primeiros dias.

A vida continuou. Arranjei outro emprego numa editora pequena em Lisboa; comecei a sair mais com amigas; tentei esquecer o Miguel. Mas cada vez que passava por Cascais ou via um casal apaixonado no metro, sentia uma dor aguda no peito.

Meses depois, encontrei-o por acaso num café no Príncipe Real. Estava sozinho, com ar cansado.
— Olá, Sofia…

O coração disparou-me no peito.
— Olá, Miguel.

Ficámos ali sentados durante horas a falar sobre tudo e nada: os sonhos adiados, as saudades do passado, as feridas abertas pelas escolhas dos outros.
— Ainda penso em ti todos os dias — confessou ele baixinho.

Sorri com tristeza.
— Eu também penso em ti. Mas às vezes amar não chega.

Despedimo-nos com um abraço longo e silencioso. Saí dali mais leve — como se finalmente tivesse aceitado que há batalhas que não podemos vencer sozinhos.

Hoje olho para trás e pergunto-me: será que fizemos tudo o que podíamos? Será que algum dia vou encontrar alguém que me ame sem reservas nem condições? Ou será que o amor verdadeiro só existe nos livros?

E vocês? Já sentiram que nunca foram suficientes para alguém? Como seguir em frente quando o amor não basta?